O alerta do vizinho: o fascismo não será contido sem cadeia
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Por Moisés Mendes, para o 247
Todos os que temem algum tipo de reação do fascismo a medidas drásticas de contenção de seus líderes, principalmente o encarceramento, devem se mirar no exemplo da Bolívia.
A foto acima, de terça-feira, é devastadora para a extrema direita boliviana. Foi divulgada, no que pode ter sido uma barbeiragem, pela assessoria do governador de Santa Cruz de la Sierra, Luis Fernando Camacho.
Camacho, o Bolsonaro boliviano, está preso desde dezembro do ano passado por ter sido o líder civil do golpe de 2019 contra Evo Morales.
Jornais estamparam a imagem na capa. O preso estaria voltando para a penitenciária de Chonchocoro, depois de sair para depor diante de um juiz de La Paz.
A cena seria comovente, se não fosse politicamente desastrosa. Uma pessoa segura o suporte com um tubo de soro, ao lado do doente, que é medicado enquanto anda.
Os médicos de Camacho informaram que ele estava recebendo imunoglobulina, uma proteína que fortalece o sistema imunológico.
O governador sofre de hipogamaglobulinemia, doença que reduz os anticorpos, fragiliza a defesa do corpo e favorece alergias e infecções.
A cada 20 dias tem de se submeter à reposição de imunoglobulina. Por acaso, a o tratamento aconteceu na terça-feira, exatamente no dia do traslado da cadeia para o foro.
Por que a aplicação do medicamento no dia do depoimento? Por que os advogados decidiram que a assessoria deveria distribuir a foto? Para mostrar que Camacho é um homem frágil e submetido a maus tratos.
A Justiça estaria impondo a um doente uma movimentação inadequada, com muitos policiais na escolta. Com a queixa, ele chegou a sair da prisão, fizeram a foto, mas o juiz permitiu que voltasse.
É uma cena que seria banal, se não envolvesse um extremista furioso. Era o último golpista livre e tramava mais um golpe, com a pretensa imunidade de governador.
A prisão preventiva do fazendeiro, considerada até então improvável, desorganizou a estrutura fascista que tem o núcleo em Santa Cruz.
O poderoso e agressivo Macho Camacho, que fala alto, ameaça, manda em Santa Cruz e ainda lidera (ou liderava) a oposição ao presidente Luis Arce, parece não existir mais.
Para que tenha regalias, adie depoimentos ou tente uma soltura, o homem que induziu policiais militares e generais ao golpe de 2019 apresenta-se como um doente fraco e queixoso.
E os líderes do Creemos, o partido do presidiário, e todo o entorno da extrema direita boliviana acreditavam que Camacho comandaria um levante de dentro da cadeia.
O Camacho frágil, que associa sua figura a um tubo de soro, pode ser uma farsa mal construída. Sua imagem debilitada abala a oposição.
Não há hoje líderes de direita com força, nem dentro nem fora da cadeia, para liderar o golpismo. O ex-presidente Carlos Mesa se esforça, mas é uma voz fraca e protocolar.
Todos os militares e civis envolvidos diretamente no golpe de 2019, que não fugiram, estão presos.
A ex-senadora Jeanine Añez, laranja dos militares e de Camacho, ficou um ano no poder depois do golpe e está presa desde março de 2021. Foi condenada em 2022 a 10 anos de prisão.
Várias vezes, quando se referia publicamente ao medo de ser preso, Bolsonaro dizia que poderia acontecer com ele o que aconteceu com Jeanine.
Jeanine é uma coitada sem suporte político. Camacho está virando um traste, e o fascismo se deu conta de que não há como aplicar outro golpe porque seus chefes foram contidos pelo sistema de Justiça. Os manezões bolivianos estão presos.
A Bolívia de golpes em cima de golpes não é o Brasil. Mas o suporte popular ao governo, desde a ascensão do Movimento ao Socialismo (MAS) de Evo Morales, é organizado, ostensivo, de rua, de imposição física.
O MAS tem na Bolívia o lastro da capacidade de luta do povo, que em um ano derrotou o motim de 2019 e reabilitou a democracia.
A sociedade oferece suporte político e coesão social da maioria às instituições. São ouvidas as vozes das casas e das ruas.
O país organizado avisou ao Ministério Público e à Justiça que poderiam seguir em frente. Encarcerem os chefes golpistas. É o que talvez falte ao Brasil.
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