O adeus a um mestre

"Foi-se embora para sempre, aos 93 anos, José Maria Rabelo. Muito mais que um mestre, tive nele um amigo solidário em tempos de breu", conta Eric Nepomuceno

José Maria Rabelo
José Maria Rabelo (Foto: Reprodução)


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Eric Nepomuceno, do Jornalistas pela Democracia]

Como se não bastasse todo o resto para reconfirmar que este 2021 que está chegando ao fim foi um ano maldito, no comecinho desta quarta-feira 29 de dezembro foi-se embora para sempre, aos 93 anos, José Maria Rabelo.

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As novas gerações talvez não saibam da importância fundamental que ele teve não apenas para um ofício que está em vias de extinção – o jornalismo – mas para a democracia, cada vez mais acossada neste país.

Ele perambulou por várias publicações de Belo Horizonte até fundar, em 1952, um semanário que marcou época e criou gerações de profissionais, o “Binômio”. Foi o principal precursor da imprensa alternativa no Brasil, uma espécie de avô do “Pasquim’ que seria uma trincheira valente e malcriada durante a ditadura. 

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O “Binômio” era de esquerda, bem humorado, satírico, e resistiu até o golpe militar de 1964. 

Três anos antes José Maria Rabelo cometeu uma façanha histórica. Por causa das críticas contundentes que lia no “Binômio”, o general João Punaro Blay, comandante da maior unidade do Exército em Minas, foi, armado de um porrete, tomar satisfações. Queria saber quem era o autor das matérias. José Maria Rabelo disse que, como diretor, era ele o responsável.

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O general não teve dúvidas: partiu com o porrete para cima dele. Só que Rabelo era judoca, e não só tomou o porrete do general como deu nele uma sova duríssima. Com um olho roxo, a boca arrebentada e a farda em frangalhos, lá se foi o valentão. 

Este é o único caso de um civil ter espancado um general, mas teve seu preço: horas depois o “Binômio” foi invadido e arrasado por uma tropa de uns 200 homens do Exército e da Aeronáutica. 

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Rabelo foi se refugiar em Poços de Caldas, e meses depois, com a posse de João Goulart na presidência, reabriu o semanário, que durou até o golpe de três anos depois.

Com os militares no poder, Rabelo foi, com sete filhos pequenos, para o exílio. Primeiro na Bolívia, depois, com a vitória de Salvador Allende, para o Chile e, com o golpe sangrento de Pinochet em 1973, para Paris.

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No Chile, Rabelo virou livreiro. Abriu uma rede de oito livrarias. Em Paris, repetiu a dose, primeiro em sociedade com um exilado português chamado Mario Soares, que mais tarde voltaria para Portugal e virou primeiro-ministro, e de quem ficaria amigo para sempre. 

Quando ficou sozinho à frente da livraria especializada em literatura em português e castelhano, Rabelo transformou-a em um centro cultural especialmente ativo.

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Rabelo e a filharada só voltaram ao Brasil depois da anistia de 1979. Antes, em Paris e Lisboa, virou uma espécie de escudo de Leonel Brizola. Estávamos juntos na reunião que recriou o PTB (a sigla depois seria afanada por Golbery e entregue a Ivete Vargas, para virar o que virou), e lembro não só da tenacidade de José Maria Rabelo como do texto final, veemente e brilhante, que tornou-se  a “Carta de Lisboa”. A maneira como José Maria Rabelo pegou um maço de contribuições e resumiu tudo foi mais uma aula de jornalismo desse mestre soberano.

Até o fim ele foi um militante ativo, que mais que esperança tinha a certeza de um futuro de luz.

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Muito mais que um mestre, tive nele um amigo solidário em tempos de breu, sempre com o humor como arma de defesa, e depois, já de volta ao Brasil, um companheiro de jornada, sempre ao lado de Brizola.

Aqui na serra de Petrópolis o dia amanheceu com sol. Mas assim que eu soube da partida de José Maria Rabelo o céu escureceu e veio uma chuva e veio o frio e tudo virou tristeza. 

E é assim que abraço você, meu bom amigo. Adeus. 

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