Num instante, a glória!

“Bela tacada, a do Almirante! Num lance, virou celebridade e herói da esquerda. Que importa ter ajudado a eleição do fascista?”, ironiza o colunista

Antonio Barra Torres
Antonio Barra Torres (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)


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Bela tacada, a do Almirante! Num lance, virou celebridade e herói da esquerda.

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Que importa ter ajudado a eleição do fascista? E que tenha subido sem máscaras em seu palanque no auge da epidemia! Ou que esteja envolto em trapalhadas que prejudiquem a saúde dos brasileiros!

Ninguém ligou para o fato de o médico-marinheiro, sem credenciais, ter disputado e arrematado uma vaga na agência que cuida da vigilância sanitária. Na sabatina no Senado que aprovou seu nome, o candidato nada teve a dizer. Aliás, disse que adorava automobilismo e viagens às terras distantes.

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Há um século a esquerda busca dissidentes militares. Na única tentativa de assalto ao poder, em 1935, confiou apenas na farda. Imaginou que bastava a legenda do Cavaleiro da Esperança.

Na luta pelo petróleo, agarrou-se aos confrontos no Clube Militar. Generais direitistas foram mitificados por defenderem a autonomia energética, como se isso não fosse o básico do básico da Defesa Nacional.

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Lott, reacionário de quatro costados, entrou para a história em letras grandes por, ironicamente, quebrar a legalidade para preservar a Constituição. (Volta e meia me perguntam se não pode surgir outro Lott).

Durante a ditadura instaurada em 1964, a esquerda auscultava ansiosa as dissidências da caserna. Vibrou com os rompantes de Hugo Abreu. No sufoco, qualquer reacionário fardado serviria.

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João Goulart apostou exclusivamente em generais aclamados como sendo “do povo”. Impressionante a ignorância relativamente às corporações militares.

Em 1978, Euler Bentes Monteiro quebrou o galho da oposição consentida. O homem fora protegido do violento Albuquerque Lima e do assassino Ernesto Geisel, que lhe deu a quarta estrela. Com Paulo Brossard, apresentou-se ao colégio eleitoral para ser aplaudido por democratas e derrotado por João Figueiredo.

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Com o golpe de 2016 em curso, congressistas de esquerda foram à tribuna para cumprimentar o general Villas Boas por seu aniversário. Que vergonha!

Eis que surge, no ambiente de terra arrasada, na desesperante tristeza coletiva, um marinheiro-médico desafiando o presidente da República.

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Sua cartinha de impacto seguiu o molde consagrado por Benjamin Constant, o “fundador da República”: arguiu sua ascendência pobre, o selo de moralidade familiar, sua ascensão pelo mérito e defendeu seus subordinados institucionais. Falou grosso, demandando a retratação do fascista.

A consagração foi instantânea. A esquerda foi ao delírio. Outra tacada de efeito e o Almirante entrará na lista de candidatos à vice de Lula.

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O marinheiro-médico integra o consórcio que jogou o país na lama. Agora, num beco sem saída, soma-se, glorificado às hostes democráticas.

Reza a cartilha do golpismo de última geração: criemos o problema para apresentarmos a solução. Ponha-se o bode na sala para sacá-lo gloriosamente, quando e se for o caso.

Sabendo que Bolsonaro está rumo à lata de lixo, os golpistas buscam desvencilhar suas imagens do estropício. O marinheiro-médico deu sua contribuição neste sentido. Ninguém sequer perguntou se age em acordo com seus superiores hierárquicos.

O Almirante atacou de policial bonzinho. É óbvio que ajuda a desmontar o mito fascista. Mas sua obra principal é a melhoria da imagem da farda e a construção de uma saída pela direita.

Precisamos de uma ampla frente para tirar o país do fosso, não de um arranjo nada conspícuo para continuar negando-lhe futuro promissor.

Os democratas deste país precisam conter sua avidez por salvadores fardados. Que parvoíce! Que vacilo!

Não teremos democracia assegurada enquanto não mudarmos a natureza intrínseca das corporações armadas de que dispomos. Estas fileiras são a garantia da continuidade do legado colonial e da subalternidade ao estrangeiro poderoso.

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