Novos horizontes geopolíticos

Luiz Inácio Lula da Silva e Mauro Vieira
Luiz Inácio Lula da Silva e Mauro Vieira (Foto: ABr)


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Desde a liderança do haitiano Toussaint L’Ouverture, no século XVIII, do cubano José Martí e do venezuelano Simon Bolívar, no século XIX, lutas emancipatórias são travadas no continente latino-americano a fim de construir a integração continental respeitando a soberania e autodeterminação dos nossos povos.

Por seis longos anos, desde o golpe de 2016, sob o comando de Michel Temer, o Brasil desabou no cenário geopolítico, deteriorando o respeitado status de player global construído pelos governos do PT (2003-2015), protagonista de relevo crescente na cena mundial, para a condição de um reles pária, submetido aos ditames do império estadunidense da destruição de nosso patrimônio público e de nossas empresas estratégicas. A primeira atitude de Temer, após a consolidação do assalto ao poder executivo, foi viajar aos EUA, em final de agosto de 2016, para comunicar ao deep state ianque que o projeto estelionatário “Ponte para o futuro” teria início pelas suas mãos. Por sua vez, são vivas na memória as infames imagens do tosco Bolsonaro prestando continência servil à bandeira estadunidense, repercutindo localmente de forma subserviente o projeto “trumpista”.

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Nesta dolorosa escuridão, em um dos fatos emblemáticos, ocorrido em 2020, pelas mãos de Ernesto Araújo, então ministro, de triste memória, das Relações Exteriores, o governo brasileiro anunciou a saída desastrosa do Brasil da Celac – Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos – desarticulando nossa liderança inovadora conquistada pelos governos do Presidente Lula (2003-2010), ao inaugurar um importante protagonismo brasileiro nas construção de relações geopolíticas Sul-Sul. A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) é composta de um povo com 600 milhões de habitantes, com recursos naturais incalculáveis, com tecnologias de ponta, inclusive aeroespaciais, compondo um território de mais de 20 milhões de quilômetros quadrados, numa vitalidade de unidade e diversidade, viabilizando aos povos do mundo inteiro um pluriverso de oportunidades.

A Celac nasceu num contexto de forte ameaça ao nosso continente sul-americano, em virtude de, no início deste século, haver uma tentativa de implantação do bloco econômico elaborado pelos Estados Unidos, denominado de Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), cujo objetivo era fazer um grande acordo com o Brasil para sufocar o restante dos países latino-americanos de economias mais fracas. Quando o então Presidente Lula assumiu a presidência da ALCA, rompeu em caráter definitivo o acordo, na Cúpula realizada em Mar Del Plata, em 2005, anunciando em alto e bom som que os países latino-americanos iriam criar um bloco econômico próprio. Sob a liderança do Presidente Lula foi criada a Celac (2008), composta por 33 países. A primeira Cúpula multilateral da qual Cuba participou sem a presença dos Estados Unidos e do Canadá.

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Com a retomada de nossa democracia com a eleição de 2022, o atual ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira anunciou o retorno do Brasil à Celac, informando ao continente que o Brasil voltou para, prioritariamente, construir novos horizontes geopolíticos na busca por maior parceria com os países irmãos. Na abertura, em 24 de janeiro de 2023, da VII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Celac, em Buenos Aires – Argentina, o retorno do Brasil foi motivo de calorosos aplausos. Uma atenção toda especial dos líderes esteve voltada para o anúncio feito pelos chefes de Estado do Brasil, Presidente Lula, e da Argentina, Presidente Fernández, sobre a discussão da criação de uma moeda comum para a região com o objetivo de fortalecer as relações comerciais entre os países do bloco. Um histórico passo a ser consolidado.

A ideia da moeda comum apresentada pelos presidentes Lula e Fernández foi amplamente celebrada pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, uma vez que poderá ser ampliada para o âmbito dos BRICS, provocando uma repercussão na economia global. Para Lavrov, é preciso reagir à violência de guerra promovida pelos EUA-Otan de aplicar como arsenal bélico sanções econômicas e financeiras aos países que contrariem suas orientações imperiais. Tanto os países-alvo bem como aqueles cujos interesses estratégicos são atingidos por essa poderosa arma de guerra da sanção econômica precisam reagir o mais eficazmente possível.

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Fato observável ocorre na atual guerra travada entre EUA-Otan e Rússia, no território ucraniano. O processo de desdolarização da economia vendo sendo apontado como um dos trunfos do governo de Vladimir Putin contra as sanções impostas pelo eixo imperialista Ocidental. Enquanto sofre cada vez mais restrições econômicas dos EUA-Otan, a Rússia vem ampliando relações bilaterais com a China, a Índia e outros países da região asiática, nas quais outras moedas passaram a ser usadas como meio de pagamento em transações comerciais e financeiras. Segundo o especialista em relações internacionais Mauricio Metri (UFRJ), há um sólido processo de desdolarização do sistema internacional em curso. Entre algumas iniciativas, ele destaca a precificação do petróleo em moeda diferente do dólar, como quando a China lançou seus primeiros contratos futuros de petróleo bruto em yuan; a criação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) e do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), no âmbito do BRICS; os efeitos que a Nova Rota da Seda vem tendo na projeção da moeda chinesa no espaço eurasiático. Por isso, é preciso estar muito atentos às novas formas de guerras que Washington empreenderá para defender o sistema dólar.

Temos portanto, ante o exposto, que em menos de 60 dias do governo Lula 3.0 fez-se muito mais em termos de política externa do que Temer-Bolsonaro fizeram em seis anos de gestão. Ontem, 23, por ocasião da Assembleia Extraordinária da ONU, não foi diferente. O voto brasileiro, apresentado pelo embaixador Ronaldo Costa Filho, precisa ser analisado detalhadamente dentro de um contexto de guerra aberta pela hegemonia do poder global. Neste sentido gostaríamos de enfatizar alguns pontos. Primeiramente, para o Brasil, “o elemento mais importante da resolução da ONU é o apelo à comunidade internacional para redobrar seus esforços diplomáticos [e não esforços bélicos] para alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia”. Não se trata de uma paz qualquer que contemple apenas o interesse do império do Ocidente. O Brasil reforça a necessidade imediata e proeminente da entrada da diplomacia multilateral para a construção dessa paz justa e abrangente.

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Um segundo aspecto, não menos importante, o voto brasileiro destaca o apelo à total adesão de todas as partes às suas obrigações sob o direito humanitário internacional. Sabe-se pelas mais variadas denúncias, desde à época dos acontecimentos do golpe de 2014 na Ucrânia, que as milícias neonazistas estavam implantando o terror sobre a população do sudeste ucraniano, na região do Donbass. Portanto, todas as partes devem cumprir totalmente suas obrigações em relação aos direitos das populações civis.

Em terceiro lugar, o Brasil requer que ambos os lados interrompam a violência sem pré-condições. Abrindo o espaço para que uma Comissão Multilateral possa colocar em andamento a construção da paz, sem subjugar nem Rússia nem Ucrânia. O conflito que começou há um ano impôs imenso sofrimento aos civis. Acarretou também uma série de consequências para muitos países, especialmente no mundo em desenvolvimento, devido aos seus impactos nos preços dos alimentos, fertilizantes e energia. Chegou a hora de abrir espaço para o diálogo e começar a reconstrução. O Brasil, com altivez reconquistada pelo governo do Presidente Lula, está pronto para participar dos esforços para uma solução duradoura para este conflito.

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É um trabalho diplomático cirúrgico, diante de uma operação altamente complexa, envolvendo diversos interesses geopolíticos brasileiros. Mas, ao que parece, essas primeiras intervenções, na Celac e no conflito europeu, estão caminhando na direção correta.

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