Nota de arrependimento ou nota de três reais?
A “nota de arrependimento” de Bolsonaro é tão verdadeira quanto uma cédula de três reais, mas há uma grande diferença entre as vítimas de cada uma dessas fraudes
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Por Pedro Benedito Maciel Neto
“simula, dissimula, não confies em ninguém, fala bem de todo mundo e reflete antes de agir” (Cardeal Mazarin)
A “nota de arrependimento” de Bolsonaro é tão verdadeira quanto uma cédula de três reais, mas há uma grande diferença entre as vítimas de cada uma dessas fraudes. Em relação ao golpe da “nota de três reais” apenas os incautos acreditam na sua existência, e instrumentalidade; são, quase sempre, pessoas ingênuas e de boa-fé as vítimas desse golpe.Já a “nota de arrependimento” do presidente Bolsonaro é muito mais grave que a “nota de três reais”; a nota de Bolsonaro é uma aula de cinismo e canalhice, e quem acredita nela não é ingênuo, é igualmente cínico e canalha, especialmente porque o golpista Michel Temer estava lá e teria sido o ghostwriter, e onde está Temer há cheiro de enxofre no ar.
Michel Termer deve ter sido aluno do cardeal Jules Mazarin...
Um pouco de História. O Cardeal Mazarin, que vivou no século XVII, é o autor do “Breviário dos Políticos”, uma seleção de máximas, cujo objetivo é ser uma espécie de guia para aqueles que sonham conquistar o poder; ele sucedeu o Cardeal Richelieu, o todo-poderoso ministro de Luís XIII, em 1642; não tinha nem a classe, nem a sabedoria de Richelieu, mas era esperto o suficiente para circular com desenvoltura pela Corte, a ponto de assumir a educação do jovem príncipe que conhecemos como Luís XIV. Da intimidade com o poder adveio a matéria-prima para os conselhos de Mazarin, que em 300 anos não perderam a atualidade.Bem, o “Breviário dos Políticos” poderia ter como subtítulo qualquer coisa como “manual para dominar a arte do cinismo e da manipulação”, é um manual de sobrevivência na selva da política, dos negócios e da vida em sociedade. Mazarin ensina a dissimular, e põe a nu os truques usados por quem aplica as suas máximas disseminadas pelo mundo durante séculos. Temer, que se não foi aluno do Cardeal Mazarin é sua reencarnação, não age com ética, mas com ardil, astúcia e cinismo; a “palavra” para Temer é uma arma, fina e flexível, se estocada no coração, mata, e serve também para desviar o golpe. O que ex-presidente Temer fez foi ajudar o incivilizado que reside no Alvorada a usar a “palavra” para desviar o golpe, o fez com seu costumeiro mau-caratismo e sua habilidade canalha para iludir a audiência.Com isso Bolsonaro ganha um “tempinho”, necessário para o primata reorganizar-se e seguir a sua guerra cultural, o processo de tensionamento e esgarçamento institucional e do tecido social, através da retórica de ódio, com objetivo de destruir toda a institucionalidade e ser um presidente plenipotenciário.Curiosidade. Não é a primeira vez que Temer ajuda Bolsonaro a escrever uma “cartinha”.
Em 1999 Bolsonaro deu uma entrevista polêmica a TV Bandeirantes, onde defendeu o fuzilamento de FHC e falou em favor do fechamento do Congresso Nacional, defendeu a tortura e a ditadura; na época ele estava em seu segundo mandato, a reação na câmara foi de perplexidade.
O então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, defendeu a cassação do mandato do então deputado Jair Bolsonaro pelas declarações que ele teria dado em favor do fechamento do Congresso Nacional.
Bolsonaro temia a cassação uma vez que o poderoso presidente do senado era um dos articuladores da punição.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia sido ameaçado publicamente por Bolsonaro, disse que não processaria o deputado, mas esperava que o legislativo tomasse as providências cabíveis.
O então deputado Artur Virgílio, hoje prefeito de Manaus, abriu o processo de cassação de Bolsonaro, um processo que não foi adiante, graças as manobras e acordos costurados pelo então deputado federal Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados.
Temer protegeu Bolsonaro e defendeu que ele sofresse apenas uma advertência; outro que articulou nos bastidores foi o deputado Severino Cavalcante (aquele que recebia propina do restaurante do congresso); Severino e Temer trabalharam juntos para salvar o mandato de Jair Bolsonaro.
Sob orientação de Temer, e talvez com sua caneta, Bolsonaro enviou uma “cartinha de desculpas” pelos ataques ao congresso nacional; desculpou-se pelas ofensas e afirmou não ter nenhum elemento que permitisse duvidar da honra do presidente Fernando Henrique Cardoso; Temer candidamente aceitou as desculpas e deu uma mísera punição de trinta dias àquele que se declarou publicamente como um golpista.
A “cartinha de desculpas” em 1999 garantiu que tudo ficasse como se nada tivesse acontecido. Acredito que a “nota de arrependimento” de 2021 é mais um movimento do golpe em processo, pois a nota é uma grande mentira, procura apresentar ares de sinceridade, procura fazer crer que cada frase vem diretamente do coração e que a única preocupação de Bolsonaro seria o bem comum, mas é tudo mentira, Bolsonaro é um fascista que busca o poder, exatamente como Mussolini e Hitler. Bolsonaro fez uso parcial da máxima do Cardeal Mazarin: “simula, dissimula, não confies em ninguém” (confia apenas nos delinquentes que pois no mundo).Mas esqueceu da segunda parte, a qual orienta: “fala bem de todo mundo e reflete antes de agir”; o presidente, um incivilizado, não se preocupa com a reputação de ninguém, mente irresponsavelmente, ofende e parece agir por impulso.Essa falha deve custar a ele a presidência da república, pois não basta pedir perdão, é necessária a reconstrução de relações de confiança e de respeito, mas todos sabem que para Bolsonaro as mediações institucionais, a temperança e o respeito são desprezíveis, ou noutras palavras: “quem bate esquece, quem apanha não...”.
Essas são as reflexões.
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