“Nossa primeira obrigação é com os mais humildes”, diz ex-chanceler Jorge Taiana

Em entrevista concedida ao Brasil247, Taiana dissertou sobre a eleição 27 de outubro, os desafios diante da crise profunda do país devido à catastrófica gestão ultraliberal de Maurício Macri, o papel da ex-presidente Cristina Kirchner na viabilização da unidade progressista e de esquerda e os desafios urgentes do futuro governo



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Durante os governos de Néstor Kirchner [2003/2007] e de Cristina Kirchner [2007/2015], Jorge Taiana ocupou funções de alta relevância na política externa da Argentina.

Aqueles eram momentos cruciais do país, que enfrentava uma crise econômica e social devastadora, muito semelhante à atual, e estava flanqueado pelo sistema financeiro internacional, que levou o país ao default.

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Depois de atuar como vice-chanceler do governo Néstor de 2003 a 2005, Jorge Taiana assumiu como Ministro das Relações Exteriores, cargo no qual permaneceu até junho de 2010, já no primeiro período de governo de Cristina.

Nos governos kirchneristas, Jorge Taiana ocupou funções homólogas às de Samuel Pinheiro Guimarães, ex-Secretário-Geral do Itamaraty; e de Celso Amorim, chanceler em todo o período de governo Lula no mesmo período no Brasil. Por isso Taiana foi, pelo lado argentino, um dos arquitetos do que pode ser considerada a “era de ouro” da integração latino-americana.

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Naquele período de fina coordenação entre a Argentina e o Brasil houve o fortalecimento do MERCOSUL, o incremento exponencial do intercâmbio comercial intra-bloco e com os demais vizinhos da América do Sul; o aprofundamento da integração cultural, política e social entre as populações dos países do bloco e da região; a criação da CELAC, da UNASUL e, especialmente, o avanço de mecanismos pacíficos para a resolução de conflitos entre as nações.

Atualmente Taiana é deputado pela Argentina no PARLASUL. Com a eleição de Cristina Kirchner à vice-presidência na eleição de domingo, ele assumirá o cargo de senador da República, uma vez que é suplente de Cristina no Senado.

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Em entrevista concedida ao Brasil247, Taiana dissertou sobre a eleição 27 de outubro, os desafios diante da crise profunda do país devido à catastrófica gestão ultraliberal de Maurício Macri, o papel da ex-presidente Cristina Kirchner na viabilização da unidade progressista e de esquerda e os desafios urgentes do futuro governo.

Adiante um resumo das opiniões de Jorge Taiana, cuja entrevista pode ser acompanhada na íntegra no vídeo [aqui]:

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América Latina é um território em disputa

Jorge Taiana entende que América Latina é um território em disputa entre [1] projetos conservadores que destroem os avanços sociais, e [2] projetos progressistas de governo. Houve derrotas e retrocessos em alguns países, como Brasil, Equador. Ele ressalta, porém, que aconteceram conquistas e reconquistas importantes do progressismo; como, respectivamente, no México e na Argentina.

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Na opinião dele, os setores médios das sociedades nacionais, embora tenham se beneficiado das políticas dos governos progressistas da região, se mostraram refratários e críticos a tais processos dos quais foram beneficiários diretos. Na medida em que a crise econômica foi se aprofundando, houve um distanciamento da classe média dos setores populares.

A realidade chilena mostra, entretanto, que o aprofundamento da crise e das desigualdades atinge não somente os mais vulneráveis, mas também os setores médios da população, que vivem “asfixiados” pela falta de políticas públicas de saúde, habitação, previdência, entre outros.

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A integração, mudanças climáticas e tensões da globalização

Estamos entrando numa etapa distinta da globalização com uma transformação tecnológica formidável. Esta fase nova será de confrontações de forças. Os centros de poder vão mudando com a emergência de China e Rússia. Esta nova fase produz fricções, tensões e violências. Se a isso adicionamos os efeitos dos câmbios climáticos e o enorme crescimento das desigualdades, estaremos diante de um mundo complexo que coloca a integração regional como um requisito essencial para vislumbrar alguma possibilidade de desenvolvimento sustentável.

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Para além da posição ideologizada dos governantes que enfraquecem a integração, Taiana entende que não há alternativas que não seja voltar a fortalecer a integração. Para ele, a integração e a melhora das relações com os países vizinhos devem ser entendidas como fatores positivos para o desenvolvimento científico, tecnológico, econômico e social.

Unidade e diálogo para vencer e governar

Taiana entende que a Argentina vem construindo um aprendizado em torno da importância de trabalhar com unidade, diálogo e consenso em todo o campo nacional e popular, para que seja possível enfrentar uma situação social e econômica terrivelmente grave.

Para ele, a realidade argentina vem demonstrando que é possível canalizar as mudanças através do sistema político. “Há uma esperança social na proposta política que representamos para recuperar o país” que legitima e amplia o significado da vitória eleitoral da Frente de Todos.

Nós, que perdemos a eleição de 2015, algo aprendemos. Aprendemos com a derrota, aprendemos com nossos erros, aprendemos com nossas divisões. Talvez não aprendemos demasiado, mas aprendemos o suficiente para saber um par de coisas: que temos de trabalhar muito pela unidade de todo campo nacional e popular porque esta é uma tarefa enorme que temos de levar adiante […]. E, ademais, sabemos que estamos caminhando sobre uma camada fina de gelo sobre o lago e que, portanto, é necessário muita vontade de diálogo, muita vontade de consenso para juntar uma força que não só tem de ganhar uma eleição, mas que necessita gerar um certo acordo ou pacto político, social e econômico que permita enfrentar uma situação econômica e social que é tremenda”, disse.

É uma situação tremenda tanto desde a situação interna, devido à pobreza, porque há fome na Argentina, o que é uma vergonha; com os condicionamentos enormes da situação financeira da Argentina no sistema internacional impostos pelo FMI”, afirma ele.

Antes do capital financeiro, pagar a dívida social

Taiana reconhece que é preciso executar uma estratégia de crescimento que tem de ser aceita pelos credores, porém assevera que “nossa primeira obrigação é com os que mais têm pagado com a crise, que são os mais humildes da Argentina. […] À medida que cresçamos, podemos encontrar a possibilidade de cumprir com compromissos que estão contraídos” junto aos organismos financeiros internacionais.

Os acordos feitos não podem dificultar a retomada do desenvolvimento com a retenção de divisas do país. A integração, nesse sentido, é fundamental para a retomada do desenvolvimento, sobretudo no contexto da forte recessão mundial que se anuncia para o próximo ano.

A fome é uma vergonha que será enfrentada com absoluta prioridade

Taiana diz que o resultado das PASO [Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias] pegou o governo de surpresa, “porque eles pensavam que apesar da relativa tranquilidade e até passividade de parte da sociedade, apesar da perda de 20% do valor do salário, enfim, todas as coisas que sabemos, como a perda de trabalho, a pobreza … Apesar de tudo isso, não haveria grande reação, como vimos em outros países. O governo pensou que as pessoas estavam de acordo, estavam se acostumando que iam aceitando ou se resignando, aceitando tudo isso, imaginando que num futuro isso melhoraria, quando na verdade as pessoas estavam esperando para votar, para expressar sua opinião, e o povo o fez de maneira contundente”.

Podemos e precisamos contar com esse apoio popular, porque os sacrifícios não vão cessar de um dia para o outro, mas está claro que ao mesmo tempo precisamos ir mostrando um caminho de solução, de saída, que se comece a ver os resultados concretos rapidamente. Por isso é tão imprescindível uma primeira coisa que façamos é a luta contra a fome. Não pode haver fome na Argentina, este tem de ser um acordo básico da sociedade. E isso temos de mostrar que atacamos de verdade com êxito em muito poucas semanas. É preciso fazer uma grande mobilização nacional contra a fome”, afirma Taiana.

Para Taiana, é um escândalo que o país produza o suficiente para alimentar 400 milhões de pessoas no mundo inteiro e tenha compatriotas passando fome.

Projeto de desenvolvimento com sustentabilidade e apoio popular

É preciso estimular as pequenas e médias empresas, o setor agropecuário, recuperar a capacidade produtiva que está com ociosidade de 50% e desenvolver a matriz energética. Porém, é preciso encarar um modelo de desenvolvimento sustentável que leve em conta os efeitos das mudanças climáticas.

Esse modelo não se constrói somente com o governo, é preciso travar uma batalha cultural de maneira clara e aberta, e não ter medo de reconhecer erros, dificuldades e, ao mesmo, saber que a força para a transformação está na sustentação popular, para garantir que as mudanças sejam duráveis.

Rechaço à intervenção estrangeira

O Grupo de Lima decidiu ativar o TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que “é um instrumento que não serve aos interesses de defesa dos países da América Latina, porque é só um instrumento de intervenção da grande potência hegemônica que são os EUA. O TIAR é um instrumento fracassado, anacrônico, que tem demonstrado sua parcialidade. E muito menos [aceitável] que se convoque o TIAR para ameaçar com uma possibilidade de intervenção armada de um país da América do Sul”.

Para ele, é preciso respeitar a soberania de cada nação e os princípios de respeito à independência nacional e da não-intervenção na política interna de qualquer país.

Cristina, a grande artífice da unidade

Cristina é a grande artífice da unidade. Porque ela [sabe], como diz o ditado, [que] ‘do labirinto se sai por cima’. E ela encontrou a fórmula. A fórmula era: ‘sem Cristina não se pode, com Cristina não se vence’. Esse era o dilema que em 2018, 2019 vivíamos no peronismo”.

Ele afirma que Cristina aposta muito na renovação geracional, e isso se traduz na estimulação de candidaturas como a de Axel Kicillof na província de Buenos Aires. Taiana diz que Cristina defende que além da mudança geracional, é preciso mudar a forma de fazer política e é preciso haver renovação de dirigentes, parlamentares e lideranças e o aumento das representações das juventudes, em especial dos setores populares.

Veja o comentário de Jeferson Miola sobre a eleição argentina: 

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