No rumo errado
"O PT está deixando Bolsonaro correr solto", avalia o jornalista Marco Damiani, que considera que a disputa interna pela comunicação "paralisou a candidatura"
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O que está acontecendo com Lula? Ou o que estão ‘acontecendo’ com ele? No sábado 30 de abril, o ex-presidente lançou a ideia de uma moeda única para a América Latina, ao que um intelectual amigo ponderou: ‘O povo quer saber do preço do pãozinho e ele resolveu ir para a estratosfera da macroeconomia’. Tem sido assim, infelizmente. No momento em que, na prática, as regras da democracia estão sendo quebradas por Bolsonaro, Lula declarou que gostaria de ver o mandato do eleito em 2018 “revogado” e o poder ser devolvido a ele próprio. Isso a 5 meses das eleições nas quais era favorito. Era, porque não é mais.
Apesar de todas, sem exceção, as condições objetivas estarem a favor da oposição a Bolsonaro – miséria popular, desemprego recorde, carestia galopante, juros nas nuvens, presidente com filhos, aliados e ele mesmo marcados por longo histórico de denúncias de corrupção etc -, Lula não está sabendo unir a oposição. O que poderia ter sido uma frente democrática ampla à volta do ex-presidente, sob a bandeira da reconstrução nacional, tornou-se uma mera frente de esquerda, com os aliados de sempre.
Em Curitiba, a sair de injustos e cruéis 580 dias de prisão, Lula não falou como Mandela, e em lugar de propor a reunião nacional, destilou amargura e fel. No entanto, dias depois, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, posicionou-se como estadista. Ensinou como fez dois governos brilhantes, com a elevação da qualidade de vida de todos os brasileiros – pobres, classe média, ricos e super ricos –, delineou o que pode fazer para devolver felicidade e crescimento ao País e até demonstrou para Bolsonaro o ato de civilidade que é usar máscara para a proteção social contra a pandemia. Ali, a repercussão foi excelente. À unanimidade, a elite política percebeu a volta da capacidade de liderança de Lula, e até o Bozo estava de máscara no dia seguinte. A propósito, escrevi àquela altura: Como um ‘coach’, Lula dá aula, roteiro e motes para Bolsonaro começar, enfim, a governar - Marco Damiani - Brasil 247.
Desde então, o que se tem é o Lula de Curitiba, e jamais outra vez o Lula de São Bernardo. Foi se estreitando e fazendo contas de menos. Não somou nada, quanto mais multiplicar. Mas teve a conquista (estafante) do Geraldo Alckmin, pode-se lembrar. Essa escolha, feita à luz de interesses muito mais estaduais paulistas do que nacionais brasileiros, não acrescentou um ponto sequer à popularidade de Lula nas pesquisas. E não se mostrou capaz, nem irá, de atrair qualquer aliado ‘ao centro’, como em tese se queria. O ex-governador está como sempre foi, um mudo, calado, que não propõe nem rebate.
Engraçado. Lula disse, de saída, que queria uma chapa “para ganhar”. Depois justificou a aliança com o ex-governador como a formação de uma chapa “para governar”. É por que se julga já eleito, é isso? Antes mesmo de contar os votos, estaria pensando em articulações no Congresso, essas coisas. Um pouco cedo, não?
O meu candidato a presidente em 2022 também afirmou, entre quatro paredes, que precisaria de uma vitória em São Paulo, “porque eu sei como é difícil governar sem São Paulo”. Isso justificaria tirar Alckmin da frente de Fernando Haddad para facilitar-lhe o desempenho. Daí para trazer para si esse peso foram, como se diz, dois palitos. Quem saiu ganhando como a aplicação desse raciocínio tortuoso? Lula é que não foi – e nem Alckmin, porque ser ex-candidato derrotado a vice-presidente da República não melhora o currículo de ninguém.
Mas se eu quero, com meus 44 anos de comunicação e 60 de nascimento no Brasil que amo -, ampliação, por que ataco a presença de Alckmin na chapa? Porque havia Pacheco, Kalil, Dino, Marta, enfim, pelo menos dez nomes melhores para verdadeiramente somar com Lula, muito mais que um enfeite imóvel e sem graça.
O PT está deixando Bolsonaro correr solto. Desde o final do ano passado, e até abril, passou em luta interna pela comunicação da campanha, numa sucessão de frituras que paralisaram a candidatura. A legenda ainda se preocupa com um defunto político chamado Sergio Moro, sem entender que este nem candidato a presidente mais é. Já Bolsonaro, é e avança como quer, diariamente em campanha. A legenda não destacou um quadro sequer para marcar o presidente homem a homem, rebatendo dia a dia suas declarações golpistas, desonestas, mentirosas e antipopulares. Seria um ótimo papel para Lula, em lugar de frequentar apenas os mesmos auditórios de esquerda, para agradar a claque, passar a enfrentar diretamente o ‘mito’, mostrando a todos que ele é, sim, um ‘minto’. Só que não. Lula está visivelmente desorientado, é o que ‘estão acontecendo’ com ele.
Também seria, e talvez ainda melhor, um roteiro para seu vice fazer a vigia sobre Bolsonaro. O ex-presidente estaria liberado para ser, de novo, o ‘paz e amor’. Mas dá para imaginar Alckmin como anteparo ativo a Bolsonaro? Cartas para a redação.
Cadê um ‘canal Lula’ no Youtube? Por que o ex-presidente não tem ‘lives’ diárias? Onde se pode ler, em publicações especiais de seu partido, os feitos fabulosos dos seus governos? Nem nota oficial em defesa da democracia o PT emitiu contra os mais recentes ataques de Bolsonaro ao Supremo.
Quem manda em si mesmo é Lula, e ele visivelmente não está bem. Cansado, levado de um lado para outro a compromissos distantes, presenciais e inúteis, sem palavras de ordem, sem slogan (Mcluhan explicou ser a peça principal de uma campanha), sem discurso conciso e amarrado, sem saber o que exatamente dizer. Vai disparando, chutando uma bola para cada lado. E achando, ao que parece, que já ganhou a eleição do ‘revogado’, em seus sonhos, Bolsonaro. É até compreensível, de tão melhor, mais ético, mais honesto e mais patriota que ele é em relação ao adversário maldoso e manipulador. Nem dá para comparar. Mas o povo não vai entender isso se não lhe for mostrada claramente essa diferença.
Saiu na semana passada um Paraná Pesquisas, com uma virada de Bolsonaro sobre Lula em São Paulo. Fiquei nauseado e resolvi escrever. É muita gente falando no Brasil e essas linhas não irão fazer diferença nenhuma. O que não quer dizer que, seguindo no rumo adotado, e acelerando nessa rota contrária, a eleição de Lula, para a redenção do Brasil, não está sob risco total. Está sim! Repetindo o modelo ranzinza de suas três derrotas, como tem feito – e cada vez mais distante do Lula amplo de 2002 e 2006 -, ele não chegará à sua terceira vitória. Pelos erros que assistimos agora, com diferentes graus de angústia e lamentação, sofreremos todos.
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