No MEC, Decotelli explicará 117 computadores por aluno?

"Talvez o novo ministro da Educação possa, finalmente, esclarecer o que se passou nessa licitação armada enquanto ele estava à frente do FNDE. Ou deixará a desconfiança no ar?", indaga o jornalista Marcelo Auler

Carlos Alberto Decotelli da Silva
Carlos Alberto Decotelli da Silva (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)


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Por Marcelo Auler, em seu blog - Ao assumir o ministério da Educação, Carlos Alberto Decotelli, oficial da Reserva da Marinha, bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre pela Fundação Getúlio Vargas, doutor pela Universidade de Rosário (Argentina) e pós-doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha, terá muito a fazer para consertar o desgoverno que seu antecessor, Abraham Weintraub, protagonizou em pouco mais de 14 meses em que conseguiu ficar à frente da pasta.

Há, porém, um desafio maior para Decotelli relacionado diretamente com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, que ele presidiu entre fevereiro e agosto de 2019. Foi removido para a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp) do próprio ministério da Educação, sem nenhum esclarecimento sobre essa mudança de função.

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Estando à frente de toda a estrutura do ministério, finalmente, ele poderá esclarecer o que ocorreu na licitação promovida pelo FNDE para a aquisição de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops a serem distribuídos 7.900 escolas públicas. A previsão de gastos totalizava R$ 3 bilhões.

O edital foi divulgado dia 21 de agosto. Mas foi logo suspenso pelo seu sucessor no FNDE, em 4 de setembro, tal como o repórter Aguirre Talento, de O Globo, noticiou em 03 de dezembro de 2019 – CGU aponta irregularidades em licitação de R$ 3 bilhões do Ministério da Educação.

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Conforme narrou Talento, a CGU descobriu que se o pregão fosse realizado, 355 escolas receberiam um número muito superior de computadores ao de inscrição de alunos em suas turmas.

Exemplo mais gritante era da Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito/MG. Para ela seriam destinados 30.030 laptops educacionais, apesar de ela só possuir 255 alunos inscritos. Equivaleria a cada aluno receber 117,76. Com o cancelamento do pregão, apenas em relação à compra destinada a esta escola, evitou-se um gasto de R$ 54 bilhões.

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Não foi um erro de distração, como mostrou, uma semana depois, Elio Gaspari, em sua coluna – Um jabuti gigante olhando para Bolsonaro – na sua coluna em O Globo. Segundo explicou, a CGU “mostrou que 355 escolas receberiam mais de um laptop por aluno, e 46 delas, mais de dois. Cada jovem da Chiquita Mendes, de Santa Bárbara do Tugúrio (MG), receberia cinco”.

O relatório da CGU (leia aqui) resume bem o caso na sua página inicial:

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A análise permitiu identificar inconsistências entre a demanda prevista e os quantitativos dos equipamentos licitados, a ausência de ampla pesquisa de preços, bem como indícios de planejamento meramente formal da contratação podendo ocasionar restrição de competitividade, corroborados pela a ausência de autorização da SGD/ME para o devido prosseguimento da licitação nos termos da INSGD/ME n.º 02/2019. Constatou-se ainda a elaboração da cotação com empresa de porte incompatível com a contratação e indícios de vínculo entre elas“.

Saída do FNDE sem explicações

A saída de Decotelli do FNDE foi anunciada nos sites do Ministério e do FNDE em 2 de agosto (leia aqui). A posse de seu sucessor, o advogado Rodrigo Sérgio Dias, ocorreu em 30 daquele mês (verifique aqui). A notícia da posse não faz qualquer referência à participação do antecessor na transmissão do cargo. Não há referências se ele ainda estava à frente do FNDE quando do lançamento do edital dessa licitação, em 21 de agosto.

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Mas é certo que o edital estava sendo preparado ele presidiu a Fundação. Como mostrou o site Revide, de Ribeirão Preto, em 10 de dezembro, as empresas de São Paulo, a Movplan, de Ribeirão Preto e a Daruma, de Taubaté, apresentaram propostas de preço ainda em junho.

Tais propostas de preço despertaram a desconfiança dos técnicos da CGU. Eram dois orçamentos com a mesma origem e data – Taubaté, 24 de junho de 2019 – apesar de uma das empresas estar fixada em Ribeirão Preto, a 413 quilômetros de distância da outra cidade paulista no Vale do Paraíba. Tinham ainda os mesmos erros gramaticais – “esclarecimentos que se façam necessária”.

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Curiosamente, nem o então ministro da Educação, Weintraub, que apregoava em alto e bom som que o novo governo não compactuaria com a corrupção, nem o presidente Jair Bolsonaro, que tem discurso semelhante, tomaram qualquer providência para esclarecer aquilo que Elio Gaspari apelidou de “Jabuti gigante”. Nem mesmo o jornal O Globo, cujo repórter noticiou o caso em primeira mão, voltou ao assunto. Somente seu colunista insistiu nessa cobrança, com constância.

Desde seu primeiro comentário sobre o caso – Um jabuti gigante olhando para Bolsonaro – em 08/12/2019, Gaspari cobra maiores esclarecimentos. Na ocasião, ele expôs:

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O edital foi finalmente revogado pelo FNDE no dia 9 de outubro, data da conclusão do Relatório de Avaliação da CGU. Final feliz, graças à vigilância de competência de um órgão controlador da administração pública.

O que pode parecer um desfecho, deveria funcionar para Bolsonaro como um começo: Como é que esse edital apareceu? Uma despesa de R$ 3 bilhões não é um jabuti qualquer. A burocracia do FNDE blindou-se diante das advertências da CGU. Blindada, continuou depois da posse do novo presidente e da revogação preventiva do edital.

Cada ato administrativo praticado nessa novela tem um responsável, ou vários. O mesmo se pode dizer das empresas que foram atraídas (ou fizeram-se atrair) pela bonança do negócio. Os auditores da CGU defenderam a bolsa da Viúva, mas se o caso terminar com a simples revogação do edital e zero a zero, bola ao centro, sem a exposição dos responsáveis, eles estarão enxugando gelo.

Talvez Decotelli possa, finalmente, esclarecer o que se passou nessa licitação armada enquanto ele estava à frente do FNDE. Ou deixará a desconfiança no ar?

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