Natal aproxima coxinhas e mortadelas e estimula reflexão sadia
Não se sugere, aqui, que alguém abandone as suas convicções políticas e ideológicas, nem que seria possível coxinhas e mortadelas começarem a andar por aí saltitando, de mãos dadas e entoando canções e poemas sobre a paz universal. O que se sugere é que talvez seja possível uma relação meramente civilizada entre os dois lados majoritários do espectro político
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Recentemente, o Papa Francisco – quem, em tese, seria o mestre de cerimônias da festa global que começa no último segundo da última hora de 24 de dezembro –, perguntado por um jornalista sobre o que achava de uma sociedade marxista, respondeu, para surpresa geral, que “são os comunistas os que pensam como cristãos”.
O argentino Jorge Bergoglio, feito Papa, meramente lembrou que “Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam”.
O que isso tem a ver com o comunismo? Tudo, ora. O comunismo prega, exatamente, que todos sejam iguais, que todos decidam e não apenas os grupelhos de interesse.
Os valores cristãos norteiam o comunismo, mesmo que este abrigue ateus e agnósticos mais do que qualquer outra ideologia política.
Ideologicamente, os comunistas não são pressionados a frequentar cultos religiosos, os manifestos comunistas não abrigam menções a divindades, mas os valores comunistas são mais cristãos do que os capitalistas, ao menos teoricamente.
Afinal, o capitalismo não prega a igualdade, como fazem o comunismo e o cristianismo.
Enfim, lembrar que o líder máximo da igreja católica e do cristianismo ocidental levantou essa barreira entre capitalistas cristãos e comunistas ateus deveria servir para desarmar os espíritos de coxinhas e mortadelas, os quais, quer queiram, quer não, terão que conviver desde a noite de 24 de dezembro até, pelo menos, o almoço do dia seguinte.
A tese é muito simples: se os comunistas professam valores concernentes ao cristianismo – já que este é mais antigo do que aquele – e a maioria dos capitalistas é cristã, então talvez não seja tão largo o abismo que separa os dois lados.
Da noite de 24 de dezembro até o fim do dia 25 milhões de brasileiros com opiniões políticas diametralmente opostas e que vêm se odiando secreta ou escancaradamente estarão frente à frente na mesma festa familiar. E isso lhes dará oportunidade para uma reflexão que pode ser construída a partir da tese do Papa supra reproduzida.
Não se sugere, aqui, que alguém abandone as suas convicções políticas e ideológicas, nem que seria possível coxinhas e mortadelas começarem a andar por aí saltitando, de mãos dadas e entoando canções e poemas sobre a paz universal. O que se sugere é que talvez seja possível uma relação meramente civilizada entre os dois lados majoritários do espectro político.
Em muitos casos, um irmão, um pai, uma esposa ou um esposo têm visão político-ideológica diametralmente diferente da sua e, assim mesmo, você ama essa pessoa. Essa é a prova de que é possível conviver com a divergência de forma civilizada.
Muitos gostam de pregar que “política não se discute”. Discordo. Política tem que ser discutida. Porém, discussão política tem hora e lugar. Qualquer tema polêmico deve ser evitado quando o que se busca é o consenso, que é a antítese máxima da polêmica.
Busca-se “consenso” no Natal? Sim, consenso espiritual ou filosófico (conforme a preferência) sobre igualdade, fraternidade, esperança, generosidade, tolerância, humildade e piedade, ou seja, tudo de que a humanidade mais precisa nestes tempos turbulentos especialmente neste país maravilhoso que nos abriga sob o mesmo céu.
O que distingue homens de animais não é a capacidade de lutar, mas de pôr fim às lutas sob razões racionais. E não há nada mais racional hoje no Brasil do que fazer a sociedade encontrar meio de promover convivência civilizada entre quem pensa diferente. Neste Natal, no seio das famílias brasileiras, podemos produzir esse milagre.
Feliz Natal a gregos e troianos, corintianos e palmeirenses, coxinhas e mortadelas deste país incrível.
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