Nas cordas, Bolsonaro tenta a fuga para a frente
"Se a demissão de Azevedo foi uma jogada arriscada para enquadrar e sujeitar os militares a seus desígnios, para intimidar o país e calar as instituições e os opositores, as outras trocas tiveram motivações diversas, e de resultados incertos", avalia a jornalista Tereza Cruvinel
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Isolado em seu labirinto, soterrado por 300 mil mortos e um estrondoso fracasso econômico e gerencial, Bolsonaro empreendeu uma “fuga para a frente” com o sacolejão ministerial desta segunda-feira. Rendeu-se mais uma vez ao Centrão sem contentá-lo e semeou uma crise militar com a demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, que levará à trocas dos comandantes das três armas. Agora há uma trincadura em sua relação com os militares, e isso só fará aumentar as tensões.
O safanão que ele deu no tabuleiro para mostrar-se dono da agenda e da iniciativa não trará qualquer alívio para a grande agrura da população, que anseia por vacina, emprego e renda. Serviu, porém, para nos mostrar que ele não dispõe do conjunto das Forças Armadas para o autogolpe que continua desejando, embora elas também não tenham coesão para liderar ou somar-se a um movimento para encerrar o trágico experimento que é seu governo.
Entre as seis mudanças que Bolsonaro fez, obviamente a mais importante foi a demissão do ministro da Defesa, que embora tenha subido ao helicóptero com ele no ano passado para sobrevoar manifestação antidemocrática, nos últimos meses refugou pressões para subordinar as Forças Armadas a seus intentos autoritários, começando com a recusa em substituir o comandante do Exército, Edson Pujol. Teria se oposto a uma proposta de decretação de estado de sítio mas ainda faltam evidências de que isso teria ocorrido.
Azevedo, que foi assessor do ministro Toffoli, ligou ontem para o atual presidente do STF, Luis Fux, assegurando que as Forças Armadas não endossarão qualquer aventura golpista. Ainda que não fale por todos, deve saber por quem fala. E continuará sendo um general influente.
O novo ministro, Braga Neto, deve trocar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Segundo fonte militar que ouvi, na reunião que tiveram eles estavam dispostos a fazer isso ontem mesmo, mas teria havido pactuação no sentido de ficarem nos cargos até que a substituição venha como decorrência normal da troca do ministro.
Até onde a vista alcança, no curto prazo não existem, portanto, condições nem para um “fechamento” do regime, via autogolpe, nem para acreditarmos que Bolsonaro vá cair logo, seja por impeachment ou qualquer via. Essa é a anomia que torna a situação brasileira tão desesperadora: nenhum bloco político tem força e organicidade para impor uma saída. Nem a oposição (para além da esquerda, englobando hoje também a elite econômica e direita liberal) tem força para derrubar o governo, nem o governo tem condições de sair do labirinto e passar a responder aos desafios, começando pela escandalosa perda de controle sobre a pandemia. Apesar do desastre, Bolsonaro ainda conta com o bolsão radical e com apoio popular não desprezível, embora minguante.
Se a demissão de Azevedo foi uma jogada arriscada para enquadrar e sujeitar os militares a seus desígnios, para intimidar o país e calar as instituições e os opositores, as outras trocas tiveram motivações diversas, e de resultados incertos.
O Centrão, e particularmente o Senado, foi contemplado com a cabeça do chanceler Ernesto Araújo, que já vai tarde. Já a nomeação da deputada Flávia Arruda para a Secretaria de Governo/articulação política agrada mais ao PL de Valdemar Costa Neto do que ao Centrão mesmo. Ademais, a pasta não tem verbas nem obras, e existe para atender a interesses do governo. Ocioso dizer que nada mais “velha política” do que essa escolha.
O general Ramos, que o Congresso não aguentava mais, vai para a vaga que se abre na Casa Civil com o deslocamento de Braga Neto para fazer o que sabe: servir ao velho amigo no que for preciso.
A demissão de José Levi fica na conta de uma das leis de Bolsonaro: auxiliar seu tem que dizer amém sempre. Levi vinha recusando algumas tarefas. Não assinou, por exemplo, aquela ação no STF contra governadores que adotaram o toque de recolher. Estado de sítio, segundo Bolsonaro. Volta ao cargo quem bem atende à exigência de servilismo, o ministro da Justiça André Mendonça, que se destacou no cargo pela perseguição a opositores do governo.
Uma incógnita é o desempenho do embaixador Carlos França no Itamaraty. É verdade que ele nunca chefiou embaixada e nem mesmo departamento. Mas havia alívio ontem na casa. Muito pior teria sido a escolha do bolsonarista militante Luis Fernando Serra, o que se dedica em Paris a brigar com os jornais em defesa de Bolsonaro, ou a de um militar, o almirante Flavio Rocha. França hoje chefia o cerimonial do Planalto mas é da carreira, conhece a casa, é moderado e inteligente o bastante para, pelo menos, não seguir o itinerário destrutivo de Araújo. A ver.
Mas é para os quarteis que ficaremos todos olhando nesta semana de acontecimentos graves que coincidem com o aniversário do golpe de 1964.
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