Narciso no limbo

Uma interpretação realista naufraga perante a indefinição entre realidade, sonho e fantasia alegórica. Bardo dissolve essas fronteiras sem nenhuma cerimônia

Bardo
Bardo (Foto: Reprodução (Divulgação))


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Sem nenhuma cerimônia, "Bardo – Falsa Crônica de Algumas Verdades" dissolve as fronteiras entre realidade, sonho e fantasia alegórica. E não quero dizer que isso seja uma boa notícia.

Depois de se consagrar com Amores Brutos, Alejandro González Iñarritu enfileirou uma série de sucessos nos EUA e, depois de 20 anos, voltou a filmar no seu México natal. Bardo - Falsa Crônica de Algumas Verdades (Bardo - Falsa Crónica de unas Cuantas Verdades) pretende ser uma elaboração ficcional desse retorno. O protagonista é um famoso documentarista que volta à Cidade do México após duas décadas de trabalho em Los Angeles.

Como documentarista, Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho) parece adepto de uma proverbial liberdade, a julgar pelo que vemos como cenas de seus filmes. No entanto, qualquer interpretação realista logo naufraga perante a completa indefinição entre realidade, sonho e fantasia alegórica. Bardo dissolve essas fronteiras sem nenhuma cerimônia. E não quero dizer que isso seja uma boa notícia.

Apesar de todas as extravagâncias cenográficas, das angulações deformadas e da cronologia embaralhada, não vi ali algo mais que uma obra narcísica, pretensiosa e, afinal, vazia. As bizarrices se acumulam - um bebê empurrado de volta para o ventre da mãe, casas inundadas ou forradas de areia, gente que conversa sem mover os lábios, "desaparecidos" desabando nas ruas, uma pilha de índios mortos no Zócalo...  As agruras pessoais e familiares de Silverio e os infortúnios históricos do México teriam uma relação estreita que o filme nunca consegue dimensionar.

Através do personagem, Iñarritu faz um pretenso exame de consciência sobre seu êxito em Hollywood, para isso apelando a sintagmas fellinianos (o "voo" inicial, o encontro com o pai morto e o embate com um crítico, sugados de Oito e Meio). Fellini reconfigurado por Paolo Sorrentino, diga-se de passagem. Uma produção exuberante favorece a grandiloquência do diretor, mas não afasta o tédio de cenas longas cujo sentido é vago e puramente retórico.

A monotonia se completa com um personagem central e um ator abúlicos que não conquistam nossa simpatia, nem nossa repulsa. Bardo patina numa espécie de limbo que o México, estranhamente, escolheu para representá-lo no Oscar. Confiando, talvez, na piada interna sobre o trafico de talentos entre os dois países. Até agora, deu certo, pois Bardo está entre os 15 pré-indicados ao prêmio de filme internacional.

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