Não se trata de esquerda ou direita, mas do que é certo e do que é errado

O ex-ministro Eugênio Aragão escreve sobre o Lula pós-Curitiba. Enquanto as elites "querem um Lula, quieto, que 'tenha aprendido' com o opróbio que sofreu", ele colocará diante do país o "confronto ético entre o que é certo e o que é errado"

(Foto: Reuters)


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O tom do Ex-Presidente Lula, ao sair do cárcere a que foi condenado, muito longe da imparcialidade, pelo atual ministro da Justiça Sérgio Moro, deixou claro que lutará por sua inocência. Só soltá-lo não basta. Quer de volta sua honra interesseiramente vilipendiada por aqueles que, como admite Bolsonaro, só chegaram ao poder porque tiraram o líder popular de cena – com a mãozinha imprescindível de Moro.

Forças do centro e da centro-direita do espectro político, por outro lado, têm recorrentemente demonstrado incômodo com os discursos de Lula. Dizem que a “radicalização” e o “esquerdismo” só servirão para fortalecer Bolsonaro, agregando em sua volta as turbas antipetistas. Querem um Lula, quieto, que “tenha aprendido” com o opróbio que sofreu. Pretendem-no um eunuco no espaço politico, um placebo, um bibelô para ser admirado por uns, mas largado na vitrina das preciosidades do canto da sala.

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O discurso de que “radicalizar” seria um tiro no próprio pé do PT vem acompanhado de cínicas comparações entre Lula e Bolsonaro, como se fossem dois lados de uma mesma moeda, que teria que ser lançada ao lago, para a razão, o centro, prevalecer.

Não. Lula e Bolsonaro nada têm em comum. Bolsonaro é precisamente um fruto da perda de rumo do tal centro, que, radicalizando, ele sim, o processo político, foi a força motriz do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff, apoiado nas midiáticas devassas travestidas de investigações da Operação Lava-Jato. Foi Aécio Neves que, não aceitando o resultado das eleições, fez coro com o protofascismo tupiniquim. Se as forças que o apoiavam, no establishment, nas instituições e na política, pensavam que poderiam tungar a soberania popular e se eternizar na cadeira que não lhes pertencia, erraram redondamente: quando os atores da política institucionalizada se digladiam, ganham os da anti-política, as vozes do esgoto, da falta de ética, que esbravejam sem nada terem a perder. “Wenn sich zwei streiten, freut sich der Dritte“ - diz o provérbio alemão (quando dois brigam, regozija-se o terceiro).

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Durmam com isso: Bolsonaro é o Doutor Jekyll do simpático Mr. Hyde da moderação centrista. Tem muito mais em comum com os apascentadores hipócritas que querem Lula de boca fechada, do que com o PT que tacham de “radical”. Foram esses fariseus que romperam com a ordem constitucional de 1988, um frágil pacto político engendrado com a maestria de gente do tope de Ulysses Guimarães, Severo Gomes e Jarbas Passarinho, entre tantos. Não têm moral para reclamar de “radicalização” depois que incendiaram seu playground.

As forças incomodadas pelo apelo de Lula por justiça, pela legítima indignação com a maquinação que o tirou das eleições presidenciais, se dão muito bem com seu alter-ego fascista. Quando promoveu a maior desapropriação de direitos da classe trabalhadora, elas estavam lá, aplaudindo e apostando no mercado futuro, especulando com a riqueza nacional para fazer ganhos de um capital que é social. Como Lula pode ser igual a Bolsonaro? O que o Dr. Jekyll tirou, Lula quer repor! 

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O incêndio social em vários países latino-americanos, cada um com suas particularidades e dinâmica próprias, deveriam servir de lição aos que querem calar Lula: a receita de cortar na carne das políticas públicas de distribuição de riqueza não serve para repor a gordura perdida pelos agentes financeiros com a crise global. A saída está em ousar mais democracia, como dizia Willy Brand ao colocar a mão à palmatória pelas atrocidades alemãs da Segunda Guerra.

Mais democracia é mais inclusão. Somente assim, o mercado se recuperará. Mais inclusão é mais demanda. Mais inclusão é melhor infraestrutura. Mais inclusão é redução de custo de produção. Mais inclusão é investimento e não déficit fiscal! A receita viável para a recuperação do Brasil tem gosto de fel apenas para os míopes que insistem na riqueza rápida às custas de sua sustentabilidade ou para os que estão com os miolos fritos pelo lança-chamas de parvoíces disseminadas por um caçador de ursos da Virgínia que, nas horas vagas, gosta de filosofar sobre a coprologia.

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O simpático Mr. Hyde dado a conselhos a Lula tem que colocar na sua cabeça que a luta do Ex-Presidente por direitos nada tem de subversivo. É uma luta por valores universais, compartilhados por um mundo que se transformou à custa de muito sangue inocente derramado. O devido processo legal e o julgamento justo são conquistas culturais que protegem a todos nós de um estado que não se contém. E se ele não se contém com Lula, não se contém com ninguém. Michel Temer que o diga.

Não se trata, aqui, na nova etapa de lutas que se inicia com o discurso do maior líder popular na história republicana, de conflito entre esquerda e direita, mas, muito mais profundo do que isso, do confronto ético entre o que é certo e o que é errado. E nesse, como no jogo de xadrez, só há peças brancas e pretas. Não existem cinzas: seus cinquenta tons podem servir para atiçar a libido, mas não para construir uma Nação.

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