Não se golpeia a democracia em nome da democracia
Os golpes no século XXI não utilizam mais de tanques e baionetas, mas de manipulação de argumentos jurídicos e políticos e que buscam usurpar o papel da soberania popular na escolha dos governantes, com diligente concurso de uma imprensa vergonhosa
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Assim como o Golpe de 1964 não foi fato isolado, o Golpe de 2016 também não foi, vamos pensar sobre isso
Durante os anos 1960 e 1970, golpes militares ocorreram sob patrocínio dos EUA e iniciaram ciclos de ditaduras em toda a América Latina.
Todos os golpes provocaram transformações políticas, sociais e econômicas em todos os países, especialmente no Brasil e Argentina, onde há feridas que nunca serão curadas.
Os golpes militares ocorreram no auge da Guerra Fria, um período um período de tensões políticas, ideológicas e interesses econômicos que opunham dois blocos: os Estados Unidos e a União Soviética.
Na América do Sul a Revolução Cubana, de 1959, inspirou guerrilhas, partidos comunistas e movimentos populares. Contudo, creio que no Brasil havia o sentimento e o desejo de mudar a história resistente das injustiças sociais, mas pela via democrática, sem rupturas democráticas, tanto que as guerrilhas surgiram como reação à ditadura e não para romper com o regime democrático.
Em 1964 quem rompeu com a democracia foi a elite nacional, que para atender interesses econômicos e políticos, seus e dos EUA, depôs um presidente legitimo, cassou políticos, partidos e lançou o país nas trevas.
O 247 publicou artigo batizado de “República dos golpes”1 no qual afirmo que nossa república é fruto de um golpe militar patrocinado por uma elite agrária vingativa e ressentida e cito ainda o grande Ricardo Lodi Ribeiro que com sua costumeira inteligência afirmou que os golpes no século XXI não utilizam mais de tanques e baionetas, mas de manipulação de argumentos jurídicos e políticos e que buscam usurpar o papel da soberania popular na escolha dos governantes, com diligente concurso de uma imprensa vergonhosa, uma imprensa que, segundo Millôr Fernandes, é a verdadeira oposição, o resto seria armazém de secos & molhados.
Ao final da ditadura militar de 1964 o país que voltou às mãos dos civis exibia uma inflação dois dígitos mensais, insolvência externa, imensas demandas sociais, éramos orientados por uma Constituição ilegítima e havia um atraso político renitente, enfim, os prejuízos dessa herança duraram décadas. E há incautos que desejam o retorno daqueles dias.
O Golpe de 2016 terá efeito ainda mais devastador... E tudo está em marcha: fim da CLT, teto de gastos, precarização dos serviços públicos, fim da previdência privada, fim dos programas sociais, privatização sem limites ou constrangimento, aumento de privilégios dos Juízes, Ministério Público e outras carreiras de Estado.
E para as classes médias que deram suporte ao golpe (através de manifestações convocadas pela imprensa corporativa, tudo regado a espumante e caviar na avenida paulista, com apoio ostensivo da FIESP e dissimulado da FEBRABAN) a conta já chegou...
Aliás, os estúpidos que foram às ruas com camisetas da corrupta e corruptora CBF tinham uma motivação adicional para apoiar o novo regime: o medo da cubanização ou venezuelização do Brasil e de uma guerra revolucionária que a implantaria, tudo objeto de propaganda delirante dos maus-caracteres e imbecis de todo gênero, especialmente o prócer neo-udenista mineiro, o eterno-neto. Nada mais fantasioso do que supor que a esquerda, seja em 1963-64 ou em 2016, se estivesse armando e preparando um golpe comunista. Patéticos esses paneleiros, patéticos e analfabetos.
A Judicialização da Política, a Politização do Poder Judiciário, a transformação das investigações e dos processos em espetáculos midiáticos, a criminalização da esquerda e de seus quadros, o banimento de Lula e de Zé Dirceu da vida pública e o estado de Exceção declarado pelo TRF4, movimentos que denunciamos desde 20082, fazem parte do método que busca legitimar o golpe, tudo regado a um moralismo hipócrita, moralismo que afirma combater a corrupção, mas o verdadeiro objetivo de tudo isso não é combater a corrupção.
Pensemos sobre as coincidências...
Não podemos esquecer que Dilma Rousseff, de centro-esquerda, sofreu impeachment por cometer uma infração que, tecnicamente, não justificaria a sua retirada do poder, por não envolver propina ou enriquecimento pessoal e não caracterizar crime de responsabilidade.
Voltemos à proposta de reflexão: golpe de 2016 no Brasil não foi fato isolado e contou com inegável apoio do Departamento de Estado dos EUA.
No Chile o neoliberal Sebastian Piñera, apoiado pelos EUA, venceu as eleições presidenciais em meio a denúncias de corrupção contra a ex-Presidenta Michelle Bachelet de centro-esquerda (método da criminalização dos lideres progressistas), se Piñera tivesse perdido as eleições por certo Bachelet viveria por lá o que Dilma viveu por aqui.
No Peru Ollanta Humala, de centro-esquerda, foi preso sob acusações de corrupção envolvendo a Odebrecht como parte das investigações da Lava Jato, vejam os nossos shitboys a serviço dos interesses do liberalismo. E o atual Presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, também de centro-esquerda, enfrentou a ameaça do impeachment a partir da mesma investigação.
Na Argentina nas eleições para o Senado Christina Kirchner enfrentou acusações de corrupção por um juiz conservador que era aliado de Carlos Menem, um neoliberal.
Fato é que os golpistas do mundo todo têm vergonha de assumirem-se golpistas e canalhas, mas essas características compõem de forma indelével sua essência.
Curioso como a direita nega o que é...
Não debate, por exemplo, que o golpe brasileiro, travestido de impeachment, repete os fatos e o método que ocorreram em Honduras. Lá ocorreu um Golpe de Estado após o qual surgiu um regime despótico.
Esse fato é inegável, tanto que a Corte de Direitos Humanos da OEA caracterizou a deposição do presidente de Honduras como um Golpe de Estado.
Sim, a deposição do presidente de Honduras foi reconhecida como um golpe de estado e isso é incontroverso na OEA e na ONU.
E há ainda o caso do Paraguai, similar ao de Honduras e ao caso brasileiro, que até onde sei tramita na OEA.
Mas e quanto a afirmação de apoio do Departamento de Estado dos EUA?
Bem, o brilhante Paulo Henrique Amorim trouxe essa resposta no artigo “Moro e Dallagnol não passam de fantoches dos EUA” 3 no qual revela afirmação de Kenneth A. Blanco, subprocurador-geral do Departamento de Estado dos EUA, através da qual admitiu publicamente que está colaborando com a operação Lava-Jato. O Departamento de Estado dos EUA orienta o Juiz Sergio Moro desde 2009.
É inegável que a Operação Lava Jato poderia ter méritos, mas ela não busca combater a corrupção, ela mira quase que exclusivamente em partidos de centro-esquerda, em toda a América do Sul, enquanto ignoram acusações muito mais graves de propina e lavagem de dinheiro contra conservadores, especialmente políticos do PSDB.
Por quê?
Porque o objetivo é abrir mercados e reduzir impostos para empresas dos EUA operarem na região e reabrir as negociações para o Acordo de Livre Comércio na América, modelo fortemente rejeitado pela maioria da população latino-americana, mesmo que o custo seja o fim da democracia no país.
Mas o Tempo é aliado da verdade e eles alimentam a História e ela [a História] vai marcar de forma indelével na biografia (ou ficha de antecedentes) deles todos justa designação: golpistas, canalhas, vendidos e hipócritas.
1 https://www.brasil247.com/pt/colunistas/pedromaciel/231590/Rep%C3%BAblica-dos-golpes.htm
2 https://www.conjur.com.br/2008-set-26/sistema_judicial_politico_rota_colisao
3 https://www.conversaafiada.com.br/mundo/moro-e-dallagnol-nao-passam-de-fantoches-dos-eua--
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