Não morre um canalha

Marcel Mauss chamava isso de expressão obrigatória dos sentimentos. Esse rito irritante nada tem a ver com o morto, nem com a morte, é apenas um teatro barato de atores de araque

Rua do Cemitério Judaico, em Praga, um dos mais antigos e belos de toda a Europa.
Rua do Cemitério Judaico, em Praga, um dos mais antigos e belos de toda a Europa. (Foto: Lelê Teles)


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"Bom pai, bom filho, esposo amantíssimo".

Dizem as lápides.

Nunca vi uma onde se pudesse ler:

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"Foi tarde. canalha, devia a Deus e o mundo, espancava as crianças e a esposa, votou errado a vida inteira, pagava mal os empregados e ainda batia na cara da mãe".

Ou uma anárquica pixação tumular, lacônica, honesta e sincera:

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"Vim aqui só pra mijar na cova deste covarde".

Mas, por Zeus, o que se vê normalmente, em dia de finados, é a velha hipocrisia humana.

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Nos cemitérios, contritos, chorosos, estão os parentes de algum defunto, convertidos em carpideiras ocasionais, tentando fingir-se humanos.

Porque a lágrima humaniza o animal cívico.

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Marcel Mauss chamava isso de expressão obrigatória dos sentimentos.

Esse rito irritante nada tem a ver com o morto, nem com a morte, é apenas um teatro barato de atores de araque...

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Dos vivos para os vivos.

Palavras sapienciais.

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