Não há crime, nem ato incompatível com o decoro

É graças aos movimentos sociais que a população em geral toma conhecimento da urgência do enfrentamento de demandas nas cidades

(Foto: Divulgação)


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 A ocupação de imóvel pelo “Movimento de Mulheres Olga Benário”, está dando dor de cabeça ao Vereador Paulo Bufalo, contra quem já há, pelo menos, dois pedidos para que ele perca o mandato por “ato incompatível com o decoro parlamentar”.

 Eu assisto as sessões da Câmara de Vereadores pela TV e alguns vereadores usaram a tribuna, no pequeno expediente da 26ª Reunião Ordinária, para tratar do assunto. Alguns preocuparam-se em defender, desnecessariamente, a propriedade privada e o proprietário, outros em repreender o vereador Paulo Bufalo ou solidarizar-se com ele, mas não trataram das questões principais, quais sejam: (i) a alegada insuficiência de casas de acolhimento para mulheres vítimas de violência em Campinas e (ii) as causas do abandono de imóveis em toda a cidade.  

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 Minha opinião – O vereador Paulo Bufalo, nem sempre simpático aos governos Jonas Donizette e Dário Saadi, os quais apoiei e apoio – mas sempre cordial -, não cometeu nenhum crime, nem ato incompatível com o decoro parlamentar.  

 Sejamos cordatos, ao solidarizar-se com o “Movimento de Mulheres Olga Benário”, o vereador apenas cumpriu sua função primordial: representar os interesses da população, o que ele fez ao diligenciar ao local da ocupação e verificar as razões e pertinência.

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 E é inegável o interesse da cidade em ampliar os espaços de acolhimento às mulheres vítimas de agressão, tanto que o Prefeito Dário inaugurou a “sala Lilás” no âmbito da Guarda Municipal.  

 Ademais, o vereador, até onde eu sei, não é o responsável pela ocupação, nem participou dela, apenas expressou sua opinião, por isso ele está protegido pelo artigo 12 da Lei Orgânica do Município.

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 É graças aos movimentos sociais que a população em geral toma conhecimento da urgência do enfrentamento de demandas nas cidades - e não estou sozinho nessa opinião –, pois, o Juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal determinou que o DF se abstivesse de remover pessoas de uma casa ocupada, pois, segundo ele: o Movimento de Mulheres Olga Benário demonstrou exercer atividade de elevadíssimo interesse social, relativa ao abrigamento e proteção de mulheres em situação de especial vulnerabilidade” (https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa).  

 Ocupação em Campinas – O movimento ocupou um imóvel privado o qual, segundo uma das coordenadoras da ação, não tem condições de uso. Por que ocupar uma casa sem condições de uso?

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 Ademais, não se luta contra a institucionalidade numa democracia. A tarefa dos movimentos sociais numa democracia é aperfeiçoá-la, denunciar fragilidades e omissões do Poder Público e a ele apresentar soluções, projetos e sugerir caminhos.

 Mas qual seria o caminho? Trabalhar com o Estatuto das Cidades.

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 Estatuto da Cidades - Não me convence o argumento de que a ocupação ocorreu para denunciar a ausência de serviços de acolhimento suficientes na cidade e a existência de imóveis abandonados pelos proprietários; penso que o movimento deveria ter recorrido ao “Estatuto das Cidades” e indicado ao Poder Público a desapropriação do imóvel, ao invés de ocupá-lo.  

 A partir de 1988, com a nova Constituição do Brasil, surgiu a preocupação com a “política de desenvolvimento urbano”, com objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das cidades e garantir o bem-estar de seus habitantes.

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 Em 1963 o presidente João Goulart promoveu o “Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana”, o evento ocorreu em Petrópolis, RJ, mas com o golpe militar e a instauração da ditadura, a mobilização da sociedade civil pelas reformas sociais, inclusive a urbana, foi substituída por um planejamento urbano tecnocrático e autoritário.  

 O artigo 182 da CF ordena que a propriedade é direito e que deve observar sua função social, a qual só existe quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.   

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 E, em não atendendo as exigências do plano diretor, pode-se exigir que o proprietário - do terreno, do imóvel subutilizado ou não utilizado -, promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessiva, de “I – parcelamento ou edificação compulsório; II – imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.  

 Em 2001 a Lei n° 10257, “Estatuto da Cidade”, deu efetividade ao artigo 182 e estabeleceu diretrizes para o planejamento e desenvolvimento urbano e é verdadeiro instrumento de cidadania.  

 A Lei 10257/01 é dividida em cinco partes que tratam, respectivamente de: normas sobre: (i) o uso da propriedade urbana visando ao interesse coletivo; (ii) à segurança e ao bem-estar do cidadão e ao equilíbrio ambiental; (iii) instrumentos da política urbana; plano diretor; (iv) gestão democrática da cidade; (v) penalidade para o não cumprimento da lei e prazo máximo para a elaboração do plano diretor.  

 Um imóvel fechado por décadas não me parece estar tendo o uso de interesse coletivo, nem contribui com o bem-estar do cidadão e da cidade.

 Conclusões – A meu juízo os ocupantes - não obstante a legitimidade dos movimentos sociais -, cometeram erros - tático e estratégico -, foram irresponsáveis e, ao não observarem o que dispõe o artigo 161 §1º, inciso II, do Código Penal, ofereceram argumentos àqueles que não reconhecem os movimentos sociais.  

 Já o vereador Paulo Bufalo não cometeu nenhum crime ou ato incompatível com o decoro parlamentar.  

 Essas são as reflexões.

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