Não é hora de fugir da luta

"Quando os aliados de Michel Temer fingem não ter ouvido a confissão da líder Rose de Freitas, para quem as 'pedaladas fiscais' não passaram de pretexto para o afastamento de Dilma Rousseff, cresce a importância de questionar o esforço dos aliados do governo do vice-presidente em exercício para transformar o golpe numa operação aceitável, com a qual é preciso se conformar", afirma Paulo Moreira Leite, colunista do 247; ele destaca que os debates da comissão do impeachment deixaram claro que "o governo Dilma passou o ano de 2015 promovendo cortes destinados a ajustar os gastos com as receitas disponíveis e encerrou os trabalhos com o maior contingenciamento da história"; "Quando foi que se feriu a meta?", questiona a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM)

"Quando os aliados de Michel Temer fingem não ter ouvido a confissão da líder Rose de Freitas, para quem as 'pedaladas fiscais' não passaram de pretexto para o afastamento de Dilma Rousseff, cresce a importância de questionar o esforço dos aliados do governo do vice-presidente em exercício para transformar o golpe numa operação aceitável, com a qual é preciso se conformar", afirma Paulo Moreira Leite, colunista do 247; ele destaca que os debates da comissão do impeachment deixaram claro que "o governo Dilma passou o ano de 2015 promovendo cortes destinados a ajustar os gastos com as receitas disponíveis e encerrou os trabalhos com o maior contingenciamento da história"; "Quando foi que se feriu a meta?", questiona a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM)
"Quando os aliados de Michel Temer fingem não ter ouvido a confissão da líder Rose de Freitas, para quem as 'pedaladas fiscais' não passaram de pretexto para o afastamento de Dilma Rousseff, cresce a importância de questionar o esforço dos aliados do governo do vice-presidente em exercício para transformar o golpe numa operação aceitável, com a qual é preciso se conformar", afirma Paulo Moreira Leite, colunista do 247; ele destaca que os debates da comissão do impeachment deixaram claro que "o governo Dilma passou o ano de 2015 promovendo cortes destinados a ajustar os gastos com as receitas disponíveis e encerrou os trabalhos com o maior contingenciamento da história"; "Quando foi que se feriu a meta?", questiona a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM) (Foto: Paulo Moreira Leite)


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A confissão de Rose de Freitas de que as pedaladas fiscais não passaram de um pretexto para afastar Dilma Rousseff e empossar o governo provisório de seu patrão Michel Temer ajudou a reforçar a certeza de que o país está diante de um golpe parlamentar e comoveu vozes que até agora nada enxergavam de errado. "Há golpe", reagiu o colunista Elio Gaspari.

Até agora, contudo, não há sinais de que uma notícia dessa importância tenha sido capaz de alterar o placar de votos do Senado que, lá pelo meio de agosto, irá resolver o destino de Dilma e, no mesma votação, definir a solidez das instituições democráticas erguidas pela Constituição de 1988. Essa conjuntura particular obriga reconhecer que o risco de a democracia brasileira -- que serviu a mais de 100 milhões de eleitores em outubro de 2014 --  ser conduzida como uma boiada para o matadouro, é muito maior do que se gostaria de imaginar.

O estudo técnico da denúncia que pode tirar Dilma de seu cargo mostra, na verdade, um dado ainda mais preocupante. Mesmo que Rose de Freitas tivesse ficado de boca fechada, e jamais tivesse dito em voz alta aquilo que seus pares reconhecem em voz baixa, bastaria um exame cuidadoso da acusação encaminhada ao Senado para se reconhecer o absurdo essencial. Não há a denuncia de uma fraude. Mas uma fraude transformada em denúncia, como você pode verificar mais adiante, através do gráfico publicado nesta reportagem, baseado em números oficiais do Tesouro.

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Quem denuncia crimes de natureza fiscal e pretende, com eles, conseguir a proeza de arrancar uma presidente eleita de seu cargo, atalho jamais experimentado em regimes democráticos que merecem ser imitados, deveria reconhecer que neste caso é preciso  cumprir a obrigação de oferecer números sólidos, indesmentíveis, para servir como prova -- devidamente acompanhados de indícios contra a presidente. Para motivar um debate sério, os dados precisariam, no mínimo, ter a clareza das contas suíças de Eduardo Cunha. Ou a força indesmentível das palavras gravadas de Romero Jucá e outros aliados de Michel Temer. Quem sabe o peso dos 470 quilos de cocaína do helicóptero do senador amigo de Aécio, cujo filho acaba de assumir uma secretaria no ministério de Esportes. Não é nada disso, como será possível demonstrar aqui.  

Conforme se pode ler na nota técnica número 109/2016, preparada pela Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado, uma análise dos gastos discricionários de 2015, base para o pedido de impeachment,  mostra uma situação fácil de entender. A visão vulgar sobre o governo Dilma em 2015 diz que ele promoveu  promoveu gastos descontrolados em 2015, que produziam déficit, geravam inflação e prejudicavam a economia em nome de um projeto bolivariano de poder. Os números reais  mostram outra realidade. Reduzem a "gastança" a uma mitologia vergonhosa e politicamente interesseira. Confirmam que, em vez de gastar cada vez mais, como programa de estímulos, que talvez fosse o melhor caminho para a retomada do crescimento, na visão de vários economistas de pensamento keynesiano, o Planalto de Dilma passou 2015 tomando medidas em série para gastar cada vez menos. Isso aconteceu porque, entre 2014, quando se fez a elaboração do orçamento, e  2015, quando a teoria saiu do papel para entrar na vida prática, o mundo havia ficado de ponta cabeça. Em vez de projeções que previam um crescimento de até 2%, visão partilhada inclusive pelo levantamento Focus do Banco Central, o país mergulhou no segundo ano consecutivo de recessão, porta de entrada para a pior crise econômica em décadas.

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A denúncia envolve um orçamento elaborado num momento em que era possível enxergar as planilhas de um país em direção ao crescimento -- mas realizado quando o mesmo governo executava um ajuste para baixo. Um observador honesto poderia apontar para uma falha clamorosa na bússola econômica da equipe de Dilma. Mas jamais teria o direito de apontar desvios de caráter criminoso, muito menos irresponsável do ponto de vista fiscal. O discurso pode ser útil para o palanque de quem quer aprovar um impeachment de qualquer maneira, especialmente com falsidades e demagogia. Mas é falso, incoerente, após um exame de lógica elementar. Se há alguma observação a fazer, é que se adotou um comportamento zeloso -- quem sabe até demais.

A tabela mostra que o total inicialmente autorizado pelo Congresso para gastos discricionários -- aqueles que podem ser alterados pela presidência da República --  para o ano de 2015, chegava a R$ 200,5 bilhões. Reforçada por sucessivas dotações autorizadas, a soma final subiu para R$ 211,7 bilhões. Na hora de gastar os recursos,  no entanto, o governo já havia assumido que 2015 seria um ano de ajustes e cortes e agiu na direção inversa. Entre a verba autorizada e a empenhada, aquele montante que é encaminhado para pagamento real, ocorreu uma redução para 65,6%. O total encolheu para R$ 138,9 bilhões. Foi só o primeiro corte.

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Em função daquele fenômeno conhecido por toda pessoa familiarizada com os ritos burocráticos e acidentes de percurso no caminho percorrido das verbas oficiais que deixam o cofre para encontrar a luz do dia, os cortes não ficaram aí. Nem tudo o que fora  empenhado (R$ 138,9 bi) acabou sendo efetivamente gasto (R$ 88,8 bi). Neste caso, a diferença foi de R$ 50,1 bilhões -- para menos.

Comparando a dotação inicial autorizada pelo Congresso, com o gasto real até o final de 2015, chega-se a uma diferença de RS 112 bilhões -- para baixo. Enfrentando uma dramática queda de receitas ao longo do ano, em dezembro o governo propôs e o Congresso aprovou um contingenciamento de R$ 69,9 bilhões, o maior da história.

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Como diz a nota técnica, "é cristalino que todos os créditos adicionais abertos, inclusive por decreto, não tiveram qualquer efeito no atingimento da meta." Isso quer dizer o seguinte. Se três entre os quatro decretos suplementares autorizaram novas despesas -- o quarto já foi descartado porque não representou gasto algum -- elas foram compensados, por recursos que foram economizados, em outras áreas, e por isso não afetaram o gasto final.

Num Estado que funciona com regras muito mais rígidas e limites muito mais estreitos do que se costuma imaginar, boa parte dos decretos destinam-se apenas a autorizar setores da administração pública que tiveram um ganho extra de receita -- e precisam de um "crédito" para poder gastar o que receberam. Estamos falando de universidades federais que receberam donativos, instituições que engordaram o caixa com a aceitação acima do previsto de serviços vendidos e assim por diante.

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Como era previsível, o exame de cada um dos decretos legislativos mostra a mesma situação, num conjunto que coloca em questão a tese política de um governo que seria irresponsável com dinheiro público, num discurso que todos sabemos aonde pretende chegar.  O Plano Safra, que chegou a ser o carro forte da denúncia contra a Dilma, foi retirado de cena, pois não há meios de ligar qualquer um de seus desdobramentos a caneta presidencial. As pedaladas foram arquivadas. Dos quatro decretos suplementares, entre centenas que a presidente assinou no período, ficaram três. Eram quatro, mas um deles não chegou a representar um centavo de gasto. Capazes de apontar a responsabilidade de Dilma pelos decretos -- numa versão mal empregada da teoria do domínio do fato -- os peritos chamados a dar um parecer sobre as contas do governo não foram capazes de definir qual a natureza da irregularidade cometida nem responder a questão principal. Se houve crime fiscal, qual o prejuízo que causou?

Apoiada nestes números, que contrariam frontalmente a denúncia contra a presidente, a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM) fez a pergunta da semana na Comissão Especial sobre o Impeachment. "A perícia tem que responder: quando foi que se feriu a meta? Quando a presidenta não tinha autorização legal para fazer o que fez? É isso o que está acontecendo: o Brasil passa por seu pior momento, pelo mais difícil, mas tem pessoas aqui querendo incriminar, tirar o mandato de quem foi eleito pelo povo. Isso não é impeachment, é golpe."

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Colocada em seu devido lugar, a confissão da líder do governo merece elogio pela franqueza. Mas incomoda pelo conformismo de quem acha que é assim mesmo que as coisas deveriam ocorrer. O silêncio de seus aliados, que nem se deram ao trabalho de confrontar o que ela disse -- até para manter as aparências -- mostra que há um esforço silencioso para se transformar um ataque histórico à democracia num evento aceitável, com o qual seria bom se conformar. A postura de fingir que não há nada de escandaloso, inaceitável, neste processo, é uma tentativa de anestesiar consciências e distorcer os fatos.

Aqui reside o perigo. Se a agenda econômica e social de Michel Temer é uma tragédia, o projeto de regressão política pode ser ainda mais duradouro e pernicioso.

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