Nada que agride deve ser cultural
Antes de criticar o filme Marighella ou qualquer outra coisa, o mínimo que devemos fazer é que tenhamos argumentos fortes, confiáveis. E para isso, devemos buscar informações
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Desconstruir é difícil, mas é necessário e urgente. Como dizia Umberto Eco, as redes sociais deram voz aos imbecis. E digo isso não em um sentido pejorativo, mas na definição literal da palavra: “pessoa de profunda deficiência intelectual; pessoa de idade mental de 2 anos ou menos, incapaz de se proteger contra perigos comuns”.
A recente divulgação do lançamento do filme “Marighella” – sob aplausos e crítica positiva – desencadeou uma enxurrada de comentários absurdos e irracionais por parte dos “cidadãos de bem” das redes sociais, sempre muito (des)informados pelos memes e manchetes, sem qualquer aprofundamento sobre os assuntos – e no caso específico, sem sequer terem assistido ao filme.
Antes de criticar qualquer coisa, o mínimo que devemos fazer, como sempre alerto meus alunos e alunas, é que tenhamos argumentos fortes, confiáveis. E para isso, devemos buscar informações. Saber quem foi Marighella, qual era o contexto da época (na ditadura militar, ou você matava, ou morria!), o que ele e demais “comunistas” defendiam e lutavam. Isso faz toda a diferença.
Desconstrução também deve ser feita em nosso dia a dia, em falas e jargões que são cotidianos, mas trazem sua origem em conotações misóginas, racistas e preconceituosas. Vivi recentemente essa experiência. Em um final de semana com minha família, eu, minha esposa e minha enteada jogávamos uma partida de “Can Can” (jogo que eu conhecia como “Uno”) e estávamos empatados. Como a hora da janta estava chegando, disse a célebre frase: “vamos jogar a última partida e tirar a nêga”. Naquele momento, a frase soou estranho e me fez pensar no que realmente significava aquilo. Olhei para minha esposa e indaguei-a, deixando-a igualmente curiosa.
Terminando o jogo, recorri ao Google e achei uma matéria com o título “9 expressões populares com origens ligadas à escravidão”, explicando muita coisa que jamais imaginamos. E lá estava “tirar a nêga”: quando senhores feudais disputavam algum esporte/jogo, o prêmio era uma escrava. Ou seja, expressão que remete à escravidão, misoginia e estupro.
A partir de então, passei a me fiscalizar quando vou expressar alguma frase. “Judiação”, “clarear as ideias”, “situação está preta”, “denegrir a imagem” e tantas outras devem ser repensadas e evitadas. É fácil? De jeito nenhum! Mas é preciso. O conhecimento do que é errado, nos tornamos responsáveis por modificar nossas atitudes.
“Ah, mas é cultural!”, alguns podem alegar. (E pasmem!, ouvi – e vi – muito “esquerdista” cometendo esse mesmo erro e postagens e comentários).
A escravidão, por exemplo, era cultural, mas hoje é condenável – assim como deveriam ser os zoológicos e uso de animais em qualquer tipo de entretenimento humano, como farra do boi, vaquejada, rodeios e touradas, para aproveitar o gancho e desmistificar mais essa ideia absurda!
Passar por um processo de desconstrução exige sair de nossa zona de conforto e até mesmo “comprar briga”. Mas é o que deve ser feito. Não cabe mais subjugarmos mulheres, negros, gays, animais senscientes e muito menos perpetuar atitudes que vão contra princípios éticos e morais. Se sabemos que somos todos iguais, por qual motivo ainda temos atitudes que nos desrespeitem?
Falo isso olhando para mim mesmo: durante anos, por convivência em uma família conservadora – mesmo sem conseguir entender até hoje tal motivo – sempre fui “educado” a criticar Lula, o PT, a esquerda, o comunismo. Nunca contestei, apenas replicava o que ouvia dentro de casa (a mesma casa que até hoje lê “Estadão”, assiste Globo e votou no Bozonazi). Fui abrir minha mente e aprender a contestar somente na faculdade, já com meus 17 anos. E dali em diante, jamais aceitei imposição alguma sem antes questionar. Criei em mim um senso crítico, defensor de ideias e ideais socialistas. E como disse anteriormente, não foi fácil, principalmente enquanto morava sob o mesmo teto. Desconstruí-me bastante, e ainda tenho muito a ser desconstruído, afinal, é um processo que demanda tempo e, acima de tudo, disposição.
Mas é isso que precisamos. É disso que a sociedade necessita. E isso, obviamente, incomoda o clã que manipula livremente seus analfabetos políticos e “isentões”, e temem que sejam formados cidadãs e cidadãos críticos (não à toa, tentam a qualquer custo cercear o direito ao livre ensino nas escolas, via projetos absurdos como a tal “Escola Sem Partido”).
Assim sendo, essa pequena reflexão é acima de tudo um convite para que façamos nossa parte para mudarmos nossos atos e, consequentemente, tornarmos nossa sociedade cada vez mais justa e igualitária.
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