Na visita de Maduro, Lula joga luz no viralatismo da mídia corporativa brasileira
'A mídia tradicional brasileira está entre as filhas reacionárias da Sociedade Interamericana de Imprensa, fundada pela CIA', diz o colunista Mario Vitor Santos
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A visita de Estado do presidente da Venezuela ao Brasil obrigou a mídia corporativa brasileira a explicitar mais uma vez a sua subserviência ao discurso do Departamento de Estado dos Estados Unidos para a região.
São ideias, a rigor, já em revisão até mesmo em Washington, mas que se mantêm como prancha de resgate a que se agarra o alquebrado jornalismo brasileiro.
O que seria dos veículos, editorialistas e seções de temas internacionais sem o recurso à ascendência estadunidense, diante de todos os veículos se prostram reverentes.
Lula ousou receber Maduro, dar-lhe assento e voz. Não o fez de maneira envergonhada. Defendeu o vizinho. Maduro e Lula retiraram a Venezuela a invisibilidade a que foi relegada pelo massacre jornalístico. A identidade de atitudes em relação à Venezuela entre a mídia corporativa e Bolsonaro é total. Ambos desejariam a continuidade do cancelamento do país vizinho.
Quando Lula, corajoso, fala que é preciso propagar uma outra narrativa sobre a Venezuela, imediatamente ele põe em questão um consenso irracional que tem a adesão até mesmo de alguns setores "de esquerda".
A lamentar que essa unanimidade narrativa conte com a cobertura flácida realizada pelos veículos subordinados à pública EBC, que se renderam a um acompanhamento rotineiro em lugar de contribuir para dar um tom mais plural ao noticiário.
Sim, há uma narrativa única que orienta a mídia conservadora brasileira e latino-americana subordinada a Washington.
Cobrir a visita de Maduro ao Brasil é um desafio para essa mídia. A mera presença oficial do presidente de uma Venezuela tão difamada aqui tem ares de heresia para essa mídia, que retorna à rotina de dar conselhos sobre o que Lula e agora a Venezuela devem ou não fazer.
Noticiar a visita foi um sacrifício, repercutir foi um strip-tease, tudo obrigando à ruptura daquilo que Maduro, na imperdível coletiva com Lula, chamou de "invisibilização".
Para cobrir a presença de Maduro, os meios são obrigados a transmitir ao menos parte do que falaram os dois presidentes, inclusive do próprio "ditador", logo satanizado como monstro violador da democracia e dos direitos humanos.
A cada notícia sobre a visita repete-se a litania. Os jornalistas seguem um roteiro, que inclui “pagar um pedágio”, como se diz nas redações. O pedágio equivale a jurar de alguma maneira fidelidade a Washington, numa vassalagem constrangedora. A censura das edições não tem limites. Não há escuta dos diversos lados envolvidos. Falta apuração de informações colhidas in loco. Chegar à Venezuela passa por Washington. Teme-se uma verdade não autorizada.
Os comentaristas convocados para examinar o evento, sem exceção, têm a mesma opinião. Indignada com Maduro, claro.
Como de hábito, não há qualquer colher de chá para governantes discordantes dos Estados Unidos (Putin, Xi, Ortega, Maduro ou Erdogan). Mesmo a Venezuela com quem o Brasil compartilha semelhanças históricas, geográficas e culturais, parece distante.
A interdição ao contraditório é total. Os adeptos da nova Guerra Fria advogam liberdade de expressão e pluralismo para os outros, mas não a praticam em seus veículos.
A mídia corporativa brasileira (e parte da de “esquerda”) manifesta-se toda ela no mesmo diapasão, a partir da luz que filtra do Departamento de Estado, penetra na mídia estadunidense associada a ele e assim influencia as direções provincianas dos meios brasileiros.
Em geral, mal preparados e desatualizados em temas internacionais, os jornalistas não arriscam.
Repetem relatórios questionáveis sobre direitos humanos na Venezuela advindos de ONGs bancadas pelos Estados Unidos. Os direitos humanos são usados como arma para intervenção estadunidense. Em nome deles, omite-se a referência às reais causas das dificuldades socioeconômicas: as “900 sanções impostas ao povo venezuelano”, como lembrou Maduro em seu pronunciamento.
A mídia segue a lógica e realiza na prática intervenção nos assuntos internos da Venezuela. É uma sanção adicional ao país. Lula resiste a ela ao pedir uma outra narrativa. O presidente joga de volta o foco então para a atitude da mídia, que, flagrada, esperneia.
Tolera-se, por exemplo, um fato que pode já ser classificado como o roubo do século: o confisco de 31 toneladas de ouro venezuelano pelo Reino Unido. Toda essa riqueza foi colocada nas mãos de Juan Guaidó, autoproclamado presidente do país, herói do "mundo livre", que Lula ontem definiu como "impostor".
Fica tudo por isso mesmo.
Repetem o evangelho anti bolivariano, reclamam de democracia, obscurecendo que o vizinho realizou 29 eleições em 24 anos, sendo 27 vencidas pelo PSUV, partido de Chavez e Maduro. A Venezuela é mais democrática que o Brasil.
A última eleição teve 4 governadores eleitos pela oposição. E eles seguem governando. Ditadura?
A Venezuela, acrescenta Maduro, mudou muito nos últimos tempos. Cresceu 15% no ano passado e deve crescer 5% neste ano.
Espera-se que uma mudança oficial da linha emanada de Washington chegue aqui. Guaidó já foi até destituído da liderança da oposição.
Washington já se rendeu às evidências e começou a transacionar sem alarde com Caracas (o que Moscou nunca, nem no auge da crise, deixou de fazer), a Venezuela vem tentando sair do fundo do poço, mas a mídia segue aferrada a seu credo intervencionista.
Como definiu a agência Bloomberg, a visita de Maduro ao Brasil constitui um "golpe na estratégia de isolamento da Venezuela praticada pelos EUA". Quem sabe não seja o golpe definitivo?
Já a mídia corporativa brasileira prossegue acomodada entre as mais reacionárias filhas da Sociedade Interamericana de Imprensa, fundada pela CIA para orientar os veículos da região. Mal-informada, ignora as mudanças da Venezuela dos últimos tempos. Maduro teve aqui a oportunidade de falar sobre a existência de um novo ambiente entre a classe média e empresários venezuelanos.
A quebra dos tabus geopolíticos operada por Lula ensina, pela diplomacia, um respeito à objetividade, equilíbrio, obediência aos fatos, ao pragmatismo e o respeito à autonomia e soberania de outros povos.
Qualquer ação do imperialismo (sim, ele existe) nossa mídia aceita e justifica. Hoje, o presidente uruguaio Lacalle Pou e o chileno criticaram Lula, para gáudio do partido da mídia conservadora. Nada que defenda a realidade de um mundo multipolar merece crédito. Há um batalhão de jornalistas ocupado em satanizar e semear o ódio contra qualquer um que os EUA elejam como inimigos.
O deputado Zé Trovão pediu ao governo estadunidense a prisão de Maduro. Alguém tem dúvida sobre se a mídia corporativa está ou não ao lado deste bolsonarista?
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