Na ONU, Bolsonaro foi Bolsonaro

O colunista Jeferson Miola analisa a fala de Bolsonaro na ONU e diz: "a partir da abordagem conservadora e reacionária de questões complexas e sensíveis – como política, família e religião, por exemplo – Bolsonaro cumpriu uma função-chave no processo de articulação da extrema-direita internacional e desta retórica fascista"

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa - PR)


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No discurso na Assembléia Geral da ONU, Bolsonaro não surpreendeu; Bolsonaro foi genuinamente Bolsonaro.

Ele foi autêntico e transparente, não disse nada diferente daquilo que estamos acostumados a ouvir e a acompanhar todo dia. E não transpareceu ser alguém menos torpe, tosco e vomitável que de fato é.

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A diferença, talvez, é que no discurso preparado para a ONU Bolsonaro concatenou entre si as peças da lógica destrutiva, mentirosa e perversa representada por ele. E, talvez por isso, visto no seu conjunto, o discurso pareceu mais infame, delirante e distópico que todo caos cotidiano que ele vem produzindo abertamente desde a eleição de 2018.

Bolsonaro é um mentiroso contumaz. Isso tampouco é novidade; é algo sabido desde sempre. Não é crível, por isso, alguém se surpreender ao vê-lo mentir, aos olhos do mundo inteiro, que concedeu auxílio emergencial de mil dólares a 65 milhões de pessoas; ou, então, alucinar que a floresta não é devastada pelos latifundiários cupinchas do seu governo, mas pelo “caboclo e o índio [que] queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”.

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Não faltou desfaçatez no discurso. Bolsonaro chegou a dizer que no Pantanal “os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação”, e que mantém “política de tolerância zero com o crime ambiental” [sic].

Não foi menos que patética a menção de que seu governo está “ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações […], inclusive, com a participação das Forças Armadas”, em alusão à fracassada coordenação do general e vice-presidente Mourão numa Amazônia que arde em chamas e vê seus povos originários dizimados.

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Um delirante como Bolsonaro, que morre jurando que a terra é plana, não hesitou em mentir que seu governo, que extermina povos indígenas, atendeu “mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à covid”; e, também, que seu governo, negacionista e anti-ciência, “estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença”.

Mentir assim, descaradamente, sem remorso e sem vergonha, não é para amador; é coisa de sociopata!

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Bolsonaro também afirmou a opção pelo arcaísmo e medievalismo no papel do Brasil como produtor rural do mundo, alheio à industrialização e ao desenvolvimento tecnológico de ponta.

O ignorante se jactou de que “o Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado” durante a pandemia. “Nossos caminhoneiros, marítimos, portuários e aeroviários mantiveram ativo todo o fluxo logístico para distribuição interna e exportação”, ele discursou.

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Do ponto de vista geopolítico, Bolsonaro deixou claro que é um vassalo de Donald Trump e da sua política criminosa no Oriente Médio. Aliás, Trump foi o único presidente citado por Bolsonaro no discurso – nem é preciso grande aprofundamento na obra do Freud para entender o caso.

Num gesto de fidelidade canina e de subserviência a Trump, Bolsonaro fustigou a Venezuela, acusando-a de causar um “criminoso derramamento de óleo” na costa brasileira em 2019.

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Bolsonaro também renovou o papel do governo militar como servo do capital internacional. No discurso, ele tranquilizou que está fazendo as reformas para aumentar a transferência de grande parte do orçamento nacional ao sistema financeiro, e garantiu que em breve entregará os setores de saneamento, petróleo e gás natural aos urubus nacionais e estrangeiros.

Bolsonaro ainda fez um curioso “apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. Isso mesmo: um apelo pelo combate à cristofobia!

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As 2 últimas frases dele antes do agradecimento final do discurso, foram: “O Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base. Deus abençoe a todos!”.

Como se vê, Bolsonaro não surpreendeu com seu discurso na Assembléia Geral da ONU. Ele foi o mesmo ser abjeto, nojento e vomitável que já se conhece.

Na ONU, portanto, Bolsonaro foi Bolsonaro.

A partir da abordagem conservadora e reacionária de questões complexas e sensíveis – como política, família e religião, por exemplo – Bolsonaro cumpriu uma função-chave no processo de articulação da extrema-direita internacional e desta retórica fascista.

Além de fortalecer a “internacional do ódio”, Bolsonaro discursou para fidelizar seu público doméstico – um esgoto adubado por valores retrógrados, autoritários e fascistas.

Esta é a nossa tragédia. E, também, a tragédia mundial. Na ONU, Bolsonaro confirmou ao mundo o monstro que é.

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