Na História, uma boa razão para ficar ao lado de Maduro
"Com todas as críticas que se pode fazer a Maduro, cujo governo não deve ser tratado como simples vítima de adversários, é evidente que, nas atuais condições de temperatura e pressão, sua queda só irá atender aos interesses imperiais de Washington e agravar as condições de vida do povo venezuelano e da América do Sul ", avalia o jornalista Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia; "A pauta principal é a chance de soberania da América Latina"
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Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia - É inaceitável, mas coerente na lógica de submissão absoluta a Washington, que o governo Bolsonaro tenha recebido um triunvirato de golpistas venezuelanos, prometendo engajar o país no esforço para derrubar o governo Maduro.
Nem aceitáveis, nem coerentes, são as críticas de lideranças da própria esquerda, inclusive do PT, para condenar a presença de Gleisi Hoffman na posse do presidente da Venezuela.
Minha opinião é simples. Com todas as críticas que se pode fazer a Maduro, cujo governo não deve ser tratado como simples vítima de adversários internos e externos, é evidente que, nas atuais condições de temperatura e pressão da América do Sul, sua queda só irá atender aos interesses imperiais de Washington, agravar as condições de vida do povo e fortalecer os esquemas de dominação colonial no continente. Quando os candidatos ao poder admitem que não tem capacidade de chegar ao palácio pelo voto e pedem ajuda a governos estrangeiros, está claro que estamos falando de uma operação que nada tem a ver com a democracia.
Diante dessa constatação, difícil de negar, é preciso fazer escolhas e definir prioridades.
Na noite de ontem, o governo brasileiro divulgou uma nota oficial sobre situação na Venezuela na qual dizia que o " sistema chefiado por Nicolás Maduro constitui um mecanismo de crime organizado. Está baseado na corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de dinheiro e no terrorismo".
Na conclusão, o anuncio escancarado de uma intervenção do governo Bolsonaro: "o Brasil tudo fará para ajudar o povo venezuelano a voltar a viver em liberdade e a superar a catástrofe humanitária que hoje atravessa".
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Num ambiente de disputa e mistificação, talvez seja útil tomar uma certa distância histórica e fazer uma pergunta que tem quase 80 anos. Como as lideranças que negam apoio a Maduro teriam reagido em 22 de junho de 1941, quando Hitler iniciou a invasão da União Soviética, na maior operação de guerra registrada pela história do planeta, com o objetivo derrotar Josef Stalin e transformar o país numa extensão do Reich que deveria durar 1000 anos?
Embora a comparação entre Stalin e Maduro seja abusiva em vários aspectos, tem a utilidade de colocar o debate de forma realista. Quando os tanques de Hitler atravessaram a fronteira, a liderança de Stalin estava longe de exibir o prestígio universal que iria adquirir anos depois, após a vitória dos aliados. O massacre de milhões de camponeses na coletivização forçada, a perseguição e execução da liderança bolchevique nos Processos de Moscou e o acordo de não-agressão com Hitler, em vigor até o momento da invasão, minavam sua credibilidade.
Dentro dos Estados Unidos, a influência dos aliados de Hitler era grande, impulsionava a atuação de adversários de Franklin Roosevelt e impedia a entrada no país na guerra, o que só ajudava a expansão do nazismo.
Padres e pastores de ultra-direita, que tinham uma formidável audiência em programas de rádio, lideravam campanhas contra a concessão de asilo às famílias de judeus que fugiam da Gestapo e desembarcavam no porto de Nova York. Também tentavam desqualificar toda aproximação com a União Soviética com uma expressão debochada: "ir para a cama com Stálin".
Seis semanas depois da invasão, quando um emissário de Roosevelt desembarcou em Moscou para um primeiro encontro no qual ofereceu ajuda militar a Stalin, boa parte da imprensa dos EUA fez o possível para boicotar a iniciativa. Porta-voz qualificado dos barões financeiros que combatiam a política econômica de Roosevelt para reanimar um país derrubado pelo colapso de 1929, o Wall Street Journal classificou a viagem a Moscou como um "insulto à moral".
Num esforço para minar a credibilidade do enviado de Washington -- Harry Hopkins, personagem lendário dos bastidores da Casa Branca, ideias de centro-esquerda -- outros jornais insinuavam que ele "sempre foi muito generoso com o dinheiro dos outros" e "multiplicava por dois" o tamanho da ajuda que os Estados Unidos poderiam oferecer ao novo aliado.
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Apesar da pressão contra, foi a partir dali que se criou a articulação dos países aliados contra o nazismo, consolidada pela presença do primeiro ministro britânico Winston Churchill, que conservou sua hostilidade a Stalin e ao comunismo até o fim da vida.
Seria uma mistificação banal imaginar que a vitória tenha sido produto de um acordo de cúpulas entre Stalin e Roosevelt, porém. A virada na guerra só foi possível pela mobilização da população soviética, que travou uma luta heróica, com dezenas de milhões de mortos, para defender conquistas arrancadas pela Revolução de Outubro -- situação expressa de modo exemplar na batalha de Stalingrado, que marcou a virada no conflito.
A vitória aliada, sabemos todos, esteve longe de criar um mundo perfeito. Mas mudou o resultado da Segunda Guerra e o padrão de existência de boa parte da humanidade nas décadas seguintes.
Claro que é preciso sublinhar que Donald Trump não é Hitler -- nem Maduro é Stalin. Mas é difícil negar que, apesar de todas as diferenças, assistimos hoje a evolução de uma ordem mundial na qual várias democracias se encontram à deriva, como também ocorria na Europa entre 1930/1940, onde se formavam ditaduras e semi-ditaduras que tentavam criar uma nova ordem no planeta. Sem voto, embora o país enfrente uma colapso econômico-social gravíssimo, a oposição venezuelana aposta num golpe com apoio externo para tentar retornar ao poder.
Decidiu boicotar eleições porque sabe que não tem condições de vencer. Este é seu jogo.
Ontem como hoje, é puro diletantismo acreditar que é possível encarar o desenvolvimento da crise no país vizinho com o distanciamento de quem assiste a um seriado no Netflix e faz opções a partir de seu gosto estético. Em pauta, encontra-se o destino de uma região do planeta com gigantescas reservas de petróleo, de metais preciosos, de água doce e imensas possibilidades de desenvolvimento próprio. O alvo principal é a chance de soberania da América Latina.
Para quem permanece em dúvida, Jair Bolsonaro gravou um vídeo onde se encarregou de mostrar aonde fica seu verdadeiro alvo. Procurando uma auto-justificativa para esse apoio ostensivo a uma inciativa condenável, ele volta a seu verdadeiro inimigo, interno: "Sabemos como esse desgoverno chegou ao poder, inclusive com a ajuda de presidentes que o Brasil já teve, como Lula e Dilma. E isso nos torna responsáveis pela situação em que vocês [venezuelanos] se encontram, em parte”.
Alguma dúvida?
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