Na companhia do Ditão

É possível o Brasil superar este momento amargo da sua história e retomar o caminho de construção da sua soberania, solidária e fraterna



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Eu tenho um amigo especial, o Ditão. Ele gostava de passear, mas agora é idoso e prefere conversar e gosta que eu leia para ele, é paciente comigo, ouve em silêncio minhas dores e sonhos, sabe até o que penso, não me julga, ao contrário, oferece sempre amor incondicional e companhia necessária, pede pouco em troca. 

Ditão está encarnado no corpo de um labrador preto. Ele apareceu na minha vida, já adulto, pelas mãos do querido Carlinhos Barreto, que o encontrou perdido logo após a prematura perda do Jow, labrador chocolate que esteve ao meu lado por uma década.

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Bem, as pessoas que têm cães vivem vidas completamente diferentes. Sabem que não estão sozinhas, e por mais difícil que seja o seu dia, quando chegam em casa podem contar com o amor incondicional de seus grandes amigos, que têm o poder de transformar suas vidas. 

E, para alguns espíritas, os cães também estão em evolução, e assim que morrem, reencarnam como nós. Também dizem que, quando compartilham uma conexão muito verdadeira com seus donos, é possível que voltem novamente para eles, no corpo de um cãozinho recém-nascido.

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Bem, com o Ditão ao meu lado, li o artigo do professor José Luís Fiori, a quem peço licença para usar parte de seus argumentos, contidos no artigo “Brasil diante do ‘duplo movimento’ de Polanyi”, na construção desse modesto artigo, o que faço como uma homenagem a ele. Eu leio em voz alta (essa é uma das minhas muitas esquisitices) e algo me diz que o Ditão gosta e me entende.

Eu não conhecia Polanyi, citado por Fiori no artigo, mas o Ditão sabia tratar-se de cientista social que formulou uma ideia sobre a evolução das sociedades liberais e das economias de mercado da Europa nos séculos XVIII e XIX; para ele as sociedades seriam movidas por duas grandes forças que atuam de forma simultânea e contraditória apontando a um só tempo: (i) uma na direção da abertura, desregulação e internacionalização dos seus mercados e dos seus capitais, e (ii) outra na direção da proteção, regulação estatal e nacionalização destes mesmos mercados. 

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De fato, a História confirma este “duplo movimento” e testemunhamos, o que Fiori chama de “surtos internacionalizantes” e “reversão protecionista”. 

Durante os tais “surtos” o capitalismo promoveria o aumento simultâneo da desigualdade entre os povos e as nações e a “reversão” buscaria a retomada da soberania e independência de uma nação em relação aos demais Estados, em busca de diminuir a desigualdade. 

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Coube à extrema-direita, representada por Trump, a liderança mundial da reação nacionalista contra o movimento internacionalizante. O curioso é que foram os EUA que o desencadearam e lideraram a partir dos anos 1970. Biden prometeu retomar o caminho do liberal-internacionalismo, mas manteve, a seu modo, o “nacionalismo econômico” e a proteção social da população americana por cima de qualquer outro objetivo internacionalista que não seja o das suas guerras imperiais ao redor do mundo. 

Segundo o Ditão no mundo todo é a direita que lidera o movimento de reação, mas na América Latina o movimento social contra o fracasso da globalização neoliberal vem sendo liderado pelas forças progressistas, por coalizões com a direita democrática, do centro e partidos de esquerda. 

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Essa diferença pode ser uma oportunidade para América Latina consolidar sua soberania dentro do sistema internacional. Por quê? Porque EUA enfrentam grandes dificuldades, não tem recursos suficientes para envolver-se, simultaneamente, na Europa Central, na Ásia, no Oriente Médio e ainda na América Latina, por isso seria uma boa hora para renegociarmos os termos da relação do continente com os EUA.

Com Lula o Brasil poderá renegociar e retomar o caminho de consolidação dos direitos sociais de sua população, proteção da sua natureza, expansão de sua soberania internacional, além do desenvolvimento econômico, pois, temos a nosso favor - numa conjuntura mundial de guerra entre as grandes potências, de crise energética, alimentar e hídrica em quase todo o mundo – a nossa autossuficiência em fontes de energia, em grãos e em disponibilidade de águas.

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Contudo, temos que resolver problemas que parecem crônicos: (i) a forma desigual em que esta riqueza está distribuída e (ii) a grande resistência de nossa classe dominante a qualquer tipo de política redistributiva. 

O Ditão lembrou que a redução da desigualdade social interna exigirá do novo governo brasileiro a declaração de uma verdadeira guerra interna contra a miséria.

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Eu disse a ele que não será fácil, pois segundo Fiori, vivemos sob o “fanatismo ideológico e religiosos de uma “nova direita” que somou seu fascismo caboclo ao ultraliberalismo econômico da “velha direita” primário-exportadora e financeira, que agora é liderada pelo agrobusiness do centro-oeste, formando uma coalizão de poder “líbero-teológico-sertanejo” que financia a sua “vanguarda miliciana carioca”, o que, tragicamente inclui também o assanhamento autoritário dos militares brasileiros que voltaram à cena política, aliados à extrema-direita. 

É possível o Brasil superar este momento amargo da sua história e retomar o caminho de construção da sua soberania, solidária e fraterna, demarcando seu lugar dentro deste novo mundo. Não temos inimigos na América Latina, pelo contrário, por isso podemos liderar e ocupar o lugar de uma “grande potência pacificadora” dentro do sistema na América Latina e internacionalmente. 

Mas, como o Ditão diz, com outra vitória do OlavoBolsonarismo de orientação Neopentecostal será impossível ao país retomar o bom caminho.Apresentado o Ditão, essas são as reflexões.

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