Mulheres encarceradas

Hoje quem escreve é a Marina Dias, advogada criminal e idealizadora do filme Sem Pena. #AgoraÉQueSãoElas

Hoje quem escreve é a Marina Dias, advogada criminal e idealizadora do filme Sem Pena. #AgoraÉQueSãoElas
Hoje quem escreve é a Marina Dias, advogada criminal e idealizadora do filme Sem Pena. #AgoraÉQueSãoElas (Foto: Paulo Teixeira)


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Algumas mulheres são mais invisíveis do que outras. Invisíveis no sentido de não se fazerem ver, nem ouvir. É o caso das mulheres trans, por exemplo, e das mulheres economicamente excluídas, tão fortes quanto marginalizadas, como as catadoras, as mulheres em situação de rua e as mulheres encarceradas. Como parte da campanha #AgoraÉQueSãoElas, convidei a Marina Dias para escrever aqui, já intuindo que ela iria abordar exatamente este tema: a invisibilidade das mulheres no cárcere. Marina é advogada criminal, ex-presidente e conselheira do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), conselheira da Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo e empreendedora cívica da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Há dois anos, Marina idealizou e produziu o documentário Sem Pena, que trata exatamente do sistema prisional e do cotidiano dos detentos. Dos detentos e das DETENTAS, palavra tão raramente escrita ou lembrada que até o editor de texto sublinha em vermelho, como se houvesse erro de português ou digitação. A imagem que ilustra este post é uma cena do filme. Parabéns pela iniciativa, Marina, e pela ousadia habitual de botar o dedo nas feridas.

Mulheres Encarceradas

Por Marina Dias

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A mulher no cárcere é um não-tema. Pouco se fala sobre elas, apesar de a população prisional feminina ter aumentado significativamente em comparação com a população masculina nos últimos 10 anos. Atualmente, 63% das mulheres presas foram acusadas do crime de tráfico de drogas, em sua grande maioria em razão de pequenas quantidades de entorpecente.

Segundo levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 80% das mulheres presas são mães. A prisão de uma mulher é, na maioria das vezes, decisiva para a desestruturação familiar. As consequências para as crianças e adolescentes são desastrosas.

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As mulheres sofrem com muito mais intensidade a perversidade do sistema punitivo. As prisões são construídas para os homens. Elas são punidas duplamente, pelo crime e por terem transgredido com o papel que é esperado delas na sociedade. Trata-se de uma punição extra. A capacidade de ser mãe, cuidar e educar são colocadas em dúvida. Existe a perda da liberdade e do direito à maternidade. Existe também a dor e a insegurança de viver uma gravidez no cárcere e o momento da separação forçada dos filhos. Fora isso, a família se afasta. As mulheres recebem menos visitas do que homens e muitas são abandonadas. Sem contar que não raro faltam nas prisões itens básicos de higiene feminina, como absorventes.

A vida dessas mulheres é também marcada por histórias de violência e abusos sexuais. Entre 1999 e 2000, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) realizou uma pesquisa no sistema prisional feminino do Rio de Janeiro que trouxe um diagnóstico assustador: mais de 95% das mulheres presas sofreram violência em pelo menos uma das três ocasiões: na infância/adolescência, no casamento ou nas mãos da polícia (entre xingamentos, humilhações, espancamentos e abusos sexuais); 75% foram vitimadas em pelo menos duas dessas ocasiões; e 35% em todas as três ocasiões.

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A pesquisa enfatiza que tais experiências não podem ser entendidas por si só como responsáveis pela entrada dessas mulheres na criminalidade. Mas a prisão vem perversamente intensificar esse repertório de violência. Registre-se que muitas dessas mulheres cometeram crimes não violentos de modo que o encarceramento é uma resposta completamente desproporcional e opressiva do Estado.

O machismo, a violência, o abuso sexual, o assédio, a tortura psicológica e física continuam a marcar o cotidiano das mulheres no cárcere, embora estejam sob a custódia do Estado. Não existe para onde fugir. A ameaça é presente, opressiva e institucionalizada. Ao denunciarem os abusos, as mulheres são frequentemente punidas ou desacreditadas. O medo e o desespero de perder definitivamente a guarda dos filhos são comumente utilizados como instrumentos de ameaça e manipulação. Infelizmente não é prática incomum a manutenção das algemas durante o trabalho de parto. Recentemente uma mulher com 41 semanas de gestação teve seu filho em uma solitária, enquanto cumpria castigo. Tempos da idade média.

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É preciso priorizar uma política criminal focada nas necessidades específicas da mulher, saúde, maternidade e a manutenção dos vínculos familiares, evitando a institucionalização das crianças e o seu desamparo.

Por fim, nesta semana a juíza Kenarik Boujikian publicou um artigo no site viomundo em que enfatizou a iniciativa de inúmeras entidades feministas e de direitos humanos que estão pleiteando que a concessão de indulto de 2015 tenha como parâmetro as especificidades da mulher. "Diversos documentos internacionais e regionais recomendam que se preste maior atenção às questões das mulheres que se encontram na prisão, inclusive no tocante aos seus filhos", escreve a juíza.

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Não podemos mais tolerar o silêncio. O silêncio pelo medo, o silêncio pela omissão, o silêncio pelo abandono, o silêncio pelo descaso, o silêncio ensurdecedor da prisão e da perda do direito à maternidade. Não podemos mais nos calar. Precisamos dar voz a todas as mulheres, especialmente àquelas que sentem na carne a seletividade do sistema punitivo e sofrem a violência perpetuada pelo Estado e pelos seus braços coniventes.

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