Muito cuidado com o que dizem as pesquisas eleitorais e ainda mais com as análises sobre elas

Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Reuters)


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Vários fatores como gênero, raça/cor, religião ou local de moradia influenciam nas escolhas eleitorais da população, mas nada é mais determinante que sua condição econômica. Um entendimento mais profundo do rendimento das famílias brasileiras é fundamental para entender melhor como elas pensam e como tendem a votar.

O dado mais robusto disponível para esse entendimento é a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE que avalia as estruturas de consumo, de gastos, de rendimentos e parte da variação patrimonial das famílias e estabelece um perfil bastante detalhado das condições de vida da população a partir da análise dos orçamentos domésticos. 

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Os Institutos de Pesquisas Eleitorais também utilizam essas segmentações de gênero, raça/cor, religião local de moradia e condição econômica para construir as Amostras Estatísticas que fazem parte das Pesquisa Eleitorais. 

Se fizermos um exercício estatístico comparando as Amostras usadas pelos principais Institutos de Pesquisa com os números do IBGE veremos alguns desvios metodológicos importantes porque a maioria desses Institutos estão usando números defasados em suas Pesquisas. Isso que pode explicar alguns resultados aparentemente incoerentes nas sondagens de intenção de voto.

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Nas últimas Pesquisas Ipespe e FSB (maio / 2022), por exemplo, o recorte por renda mostra que a faixa de eleitores com renda familiar inferior a 2 Salários-Mínimos representavam 46% e 43% dos entrevistados; os eleitores com renda entre 2 e 5 Salários eram 35% e 39% da Amostra e acima disso, 19% e 17%, respectivamente. 

Estou usando esses 2 Institutos porque são os que disponibilizaram os critérios amostrais, mas vale para todos os demais.

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Enquanto os Institutos consideram apenas 3 ou 4 faixas de renda, o IBGE considera 7 faixas, sendo:

1) Até 2 Salários-Mínimos – 23,9%; 

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2) Acima de 2 e até 3 Salários-Mínimos – 18,6%;

3) Acima de 3 e até 6 Salários-Mínimos – 30,5%;

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4) Acima de 6 e até 10 Salários-Mínimos – 14,0%;

5) Acima de 10 e até 15 Salários-Mínimos – 6,4%;

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6) Acima de 15 e até 25 Salários-Mínimos - 3,9% e

7) Acima de 25 Salários-Mínimos – 2,7%. 

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Para facilitar a comparação vou agrupar as faixas do IBGE também em 3 faixas: até 2 Salários-Mínimos, como Baixa Renda; de 2 a 6 Salários-Mínimos como Renda Média e acima de 6 Salário-Mínimo como Alta Renda.

Portanto, enquanto para os Institutos os mais pobres representam cerca de 45% da população para o IBGE são 23,9%. Já a parcela da população com renda média são pouco mais de 1/3 nas Amostras das Pesquisas Eleitorais e 51,1% para o IBGE. E os mais ricos são cerca de 18% para os Institutos e 27% para o IBGE

Portanto, fica claro que os Institutos de Pesquisa trabalham com faixas de renda que nem de longe retratam a estúpida concentração de renda da sociedade brasileira. Antes de mais nada é importante destacar que o motivo dessa distorção é operacional e não ideológico. 

Devido a necessidade de apresentar resultados com uma frequência muito alta, muitas vezes quinzenalmente, não seria possível completar as Cotas Amostrais se fossem definidas faixas de renda mais realísticas.

Como as Amostras das Pesquisas, em geral, são compostas por cerca de 2.000 entrevistados, imaginem a dificuldade de encontrar cerca 50 entrevistados, com renda superior a R$ 25 mil que ainda atendam a critérios como raça/cor, religião ou porte da cidade onde moram. Praticamente impossível com amostras tão pequenas ou extremamente oneroso e demorado porque as pesquisas teriam que ser com amostras maiores, bem maiores.

No entanto, apesar de ser uma escolha eminentemente operacional e econômica, isso não impede que os resultados sejam analisados de maneira ideológica e esses desvios metodológicos sequer sejam mencionados para que as pesquisas não sejam desqualificadas na origem.

Em um momento em que a classe dos mais pobres (até 2 salários-mínimos) são os que mais sofrem com desemprego, inflação de alimentos e insegurança alimentar, trabalhar com uma Amostra que considera o dobro da população nessa parcela de renda, por óbvio, está favorecendo o candidato que alinha seu discurso com o combate à pobreza.

Por outro lado, no outro extremo a distorção também é importante. Para os Institutos os mais ricos são as pessoas que recebem pouco mais de R$ 5.000, que convenhamos, está longe proporcionar a quem quer que seja alguma tranquilidade financeira. 

Identificar essas diferenças nos ajudam a entender as prioridades políticas e o processo ideológico de cada eleitor e de sua classe. As prioridades de um funcionário público que receba o piso da maioria das carreiras de nível superior são completamente diferentes de um empresário que recebe 5 vezes esse valor por mês. 

Não é necessária uma Pesquisa muito aprofundada para saber que funcionários públicos com renda de 5 Salários-Mínimos tende a ser um eleitor do ex-presidente Lula, enquanto os empresários com renda acima de 25 salários estão muito mais propensos a votar em Bolsonaro.

Outros cortes também contribuem para uma maior imprecisão nesse tipo de Pesquisa. Os Evangélicos em todas as suas denominações, por exemplo, tiveram um crescimento espantoso nas últimas décadas. De apenas 6,6% em 1980 chegaram a 22,2% da população no Censo de 2010, mas os Institutos de Pesquisa trabalham com Amostras que se aproximam dos 30%. 

Como não há dados oficiais recentes, o dado mais utilizado é uma Pesquisa do Datafolha de 2020 que aponta que os Evangélico Missionários, Pentecostais e Não-determinados chegam a 31%, mas como considera uma Amostra de pouco mais de 2 mil entrevistados também pode haver um desvio considerável e esse número ser até maior, mas não se pode afirmar isso sem o risco de reforçar o erro e o viés metodológico.

Esse desvio é bastante importante porque os Evangélicos, em sua maioria vindos dos estratos com condições indicativas de pobreza e com pouca instrução formal, demonstram ter afinidades e identificação com o discurso da direita no espectro ideológico, ou o contrário, e sua filiação religiosa tende a se traduzir em lealdades políticas quase que automáticas, traduzida por "irmão vota em irmão". Em uma Pesquisa Eleitoral esse desvio é bastante crítico.

Posições tradicionalistas dos evangélicos em relação ao aborto e ao homossexualismo, por exemplo, foram incorporadas no discurso da extrema direita o que seduziu ainda mais esse eleitorado que, via de regra, são pouco expostos aos meios de comunicação de massa, ao mesmo tempo em que, diferentemente de qualquer grupo religioso, têm um grau bastante elevado de exposição e alinhamento às autoridades religiosas de seus respectivos cultos.

O crescimento desse eleitorado fiel à orientação religiosa somado a um discurso alinhado aos posicionamentos de candidatos mais conservadores, fizeram aumentar a representação política institucional, tanto nos Executivos quanto nos Legislativos de todas as esferas de Governo. 

Associe-se a isso que, por diversos motivos, neste mesmo período houve um brutal afastamento (ou rejeição) da Igreja Católica e dos Movimentos Sociais nas periferias das grandes cidades e dos interiores mais distantes e temos o caldo de cultura necessário para formação dessa onda conservadora, política e religiosa. 

Ou seja, mais Evangélicos na população gerou mais representantes políticos que alinharam seus discursos para um público específico. Isso levou a uma mobilização popular que elegeu um governo e um congresso ainda mais conservadores, contrários a um Estado Laico. O resto é apenas consequência, mas as Pesquisas Eleitorais podem não estar capturando essas dinâmicas religiosas.

Outro viés importante diz respeito a natureza dos municípios selecionados para as Amostras. Em geral são considerados 3 categorias: Capitais, Outros municípios da Região Metropolitana e Interior. 

Isso, por exemplo, coloca na mesma categoria municípios como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília, todos com mais de 3 milhões de habitantes e Rio Branco, Vitória e Palmas todos com população entre de 300 e 400 mil habitantes. 

Por outro lado, municípios como São José do Campos, Feira de Santana ou Joinville com população entre 600 e 730 mil habitantes são considerados municípios do Interior, embora sejam polos regionais e ficam na mesma categoria de quase 5.000 outros municípios com menos de 60 mil habitantes.

Claro que, como já foi dito, a logística para chegar a um dos cerca de 1.200 municípios de fato pequenos, com menos de 5 mil habitantes, e lá encontrar um eleitor que atenda aos requisitos das cotas amostrais é muito maior do que ir a um município como Dracena ou Jales no Interior de São Paulo ou Capão da Canoa e Tramandaí no litoral do Rio Grande do Sul, todos com população abaixo de 60 mil habitantes.

Também de acordo com esses critérios a Pesquisa de intenção de votos mostra que Bolsonaro e Lula performam de modo diferente. 

Enquanto Bolsonaro tem maior intenção de votos nas Capitais e nas Regiões Metropolitanas, Lula tem um desempenho melhor nas cidades do Interior que, como demonstrado acima, são sub representadas. Por óbvio, isso também distorce o resultado geral da Pesquisa. 

Por fim, mas não menos importante, há um importante viés nas Pesquisas eleitorais no que se refere à construção das Amostras pelo corte do nível de escolaridade. 

Os percentuais da Amostra das Pesquisas eleitorais por Faixa de Escolaridade em geral são distribuídos da seguinte forma: Ensino Fundamental – 39%, Ensino Médio - 40% e Ensino Superior 22%. 

Já a mesma divisão do total da população brasileira segundo a última PNAD do IBGE nos dá os seguintes percentuais. Ensino Fundamental – 46,6%, Ensino Médio – 27,4% e Ensino Superior 17,4%.

As Amostras das Pesquisas não consideram o percentual da população de analfabetos que está em torno de 6,6% da população total (2019). Ou seja, como são considerados analfabetos as pessoas com idade acima de 25 anos, as Pesquisas simplesmente não consideram 14 milhões de eleitores, ou cerca de 10,7% do eleitorado.

Considerando que nas Amostras das Pesquisas há um percentual maior para as Faixas de Escolaridade de Nível Superior e Médio e menor para o Nível Fundamental e Analfabetos em relação ao total da população e que Bolsonaro tem seu melhor desempenho entre eleitores com nível de Escolaridade Superior e Médio e Lula tem seu melhor desempenho entre os que tem até Nível de Escolaridade Fundamental, o viés e a distorção metodológica são evidentes: os índices de intenção de votos de Bolsonaro podem estar super dimensionado e os de Lula podem estar sub dimensionados, sugerindo que a diferença de pode ser maior, mas não se pode afirmar sem considerar todas as outras distorções já apontadas.

Portanto, muito cuidado com as “verdades” apontadas pelas Pesquisas Eleitorais e ainda mais com as “análises” sem critérios técnicos que estão sendo feitas à Direita e à Esquerda.

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