Muito além da Previdência, a ingovernabilidade

"Jair Bolsonaro vem mostrando que só funciona na lógica do conflito, que continua sendo seu principal instrumento político mesmo depois de eleito. Haverá bombeiros e panos quentes na relação com Rodrigo Maia, e é até possível que voltem a conversar. Mas não haverá mais concordância", avalia a jornalista Helena Chagas, do Jornalistas pela Democracia; "A tentativa do presidente de grudar Maia à chamada velha política, inclusive à prisão de seu sogro, Moreira Franco, e os ataques de seus seguidores ao deputado nas redes estilhaçaram a louça. Não tem mais conserto"

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Muito além da Previdência, a ingovernabilidade


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Por Helena Chagas, no Divergentes e para o Jornalistas pela Democracia

Nós, jornalistas, o mercado, o establishment político e econômico, somos imediatistas. Na narrativa predominante, o primeiro, maior e mais desastroso impacto da crise provocada pelo quase rompimento entre os presidentes da República e da Câmara seria o naufrágio da reforma da Previdência – ao menos na forma enviada ao Congresso pelo ministro Paulo Guedes, com sua conta de R$ 1 trilhão de economia. Mas as conversas de bastidores das últimas horas indicam que haverá Previdência, ainda que desidratada, reduzida, minimalista. O perigo mesmo é o que virá depois.

Mesmo modesta, focada sobretudo na idade mínima, e sem prever a capitalização, a reforma que sair do Congresso desafogará um pouco o laço fiscal, dando sensação de que a (sobre) vida vai seguir na economia. O que não se sabe é como sobreviverá o sistema político diante da guerra de titãs que se desenhou nos últimos dias, e quem ficará vivo.

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Jair Bolsonaro vem mostrando que só funciona na lógica do conflito, que continua sendo seu principal instrumento político mesmo depois de eleito. Haverá bombeiros e panos quentes na relação com Rodrigo Maia, e é até possível que voltem a conversar. Mas não haverá mais concordância. A tentativa do presidente de grudar Maia à chamada velha política, inclusive à prisão de seu sogro, Moreira Franco, e os ataques de seus seguidores ao deputado nas redes estilhaçaram a louça. Não tem mais conserto.

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Só que Maia tem muito mais apoio no Congresso do que Bolsonaro. Até o partido do presidente, o PSL, anda costeando o alambrado, para lembrar uma expressão do velho Brizola. A aprovação de uma Previdência à imagem e semelhança do que quer o Congresso – e não a área econômica – moldará uma base parlamentar, que será de Maia e outros, não de Bolsonaro.

Depois dessa fase, é possível que a palavra impeachment volte a rondar na Câmara dos Deputados. Não é uma solução simples, e nem provável hoje. Mas já vimos esse filme outras vezes, embora não queiramos ver de novo.

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Ainda que isso não ocorra, teremos um presidente apartado da maioria do Congresso, que se ofende tanto quanto Maia ao ser carimbado como velha política e se ofende mais ainda por não receber os recursos de emendas, cargos e outras compensações. Esse pessoal terá nas mãos a agenda política, como soi acontecer no presidencialismo à brasileira. O orçamento, a reforma tributária, os projetos. Pode, se quiser, dar um nó e imobilizar o governo.

É possível que, já nesta semana, Bolsonaro tenha um aperitivo do estado de ingovernabilidade que o ameaça se o Congresso votar decreto legislativo revogando sua decisão de suspender vistos para americanos, canadenses e japoneses entrarem no Brasil. Também a medida provisória que reestruturou o governo está pendurada na espada de Dâmocles de deputados e senadores. Vai passar mais três anos e nove meses assim?

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Prisioneiro do próprio discurso, Bolsonaro ainda tem como voltar atrás e recompor um pouco, pelo menos ao nível de um comportamento civilizado, as relações com Maia, Centrão e companhia. Mais adiante, vai ficar impossível.E impossível é também prever o que vai sobrar.

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