Moro, treva e exceção. Lula, memória e democracia: as lições de Borges e Carl Sandburg
Como adepto explícito da exceção, o que Moro fez com o Direito – falsas imperícias e habilidades aparentando descuidos – Sandburg fazia com a poesia: este todavia revelava com a sua memória e método a luz da poesia, mas Moro produzia com seu esquecimento vergonhoso nada mais do que a injustiça na treva da exceção
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No vídeo de 1m27 s que circula nas redes Moro – Juiz de Direito – mente ao Bial que lia biografias e não sabe dizer quais são. Lula responde ao Roberto D’Ávila sobre as várias biografias que leu e dá sua opinião segura sobre elas. Lula e Moro conformam ali um momento político antológico onde o Juiz e o operário Presidente se revelam por inteiro. Mais além de todos os debates que ocorreram no país nos últimos dez anos e acima de todas os desvarios demonstrados por um Presidente eleito de forma ilegítima, Lula e Moro conformam um quadro que talvez seja o documento-síntese mais importante do ciclo de decadência republicana que vivemos no Brasil.
Não é raro que alguns fragmentos da história possam servir de exemplos para a interpretação de toda uma época. Jango saindo para o exílio a fim de evitar uma guerra civil. Tancredo chamando de canalhas os golpistas de 64, em pleno golpe. Churchill prometendo nada mais do que sangue, suor e lágrimas. Obama dizendo “nós podemos”. Lenin arguindo “paz e terra”, Brizola defendendo a legalidade e Hitler desfilando em Paris, junto ao Arco do triunfo, são pontos de inflexão do passado para um futuro incerto que depois é desvendado em cada presente.
O preso condenado Lula e seu algoz Moro – sem o saber – em entrevistas e momentos diferentes se mediram de maneira definitiva e iluminaram todo um processo que ainda está em curso.E o fizeram de uma forma que vai facilitar aos professores de História do futuro a explicação de uma tragédia épica: como uma classe dominante rústica e mal preparada – “treinada” mas não ilustrada – perdeu a mínima vergonha no poder e se imolou no gozo do seu atraso ignorante. E o fez para tentar matar o novo, no caso a tenra democracia brasileira originária de uma pulsação democrática, quando o povo resgatou o prazer de viver uns poucos anos na via democrática, melhorando a vida com esperança de futuro.
Um dos vários encantos da literatura de Borges são as suas “aporias” = paradoxos, impasses, bloqueios – que desorganizam o sentido dos seus textos, logo ali recuperado, através de metáforas, de frases literárias ou de fragmentos de um poema. Borges sempre trabalha formas que recompõem a desordem no absurdo e assim fazem o leitor refletir mais um pouco sobre a condição humana! Morávia enfrenta suas “aporias” – por exemplo – contando a trajetória de um livro seu durante o fascismo (“La Mascherata”, 1940), que embrulhado nos censores incompetentes para julgá-lo fez com que o mesmo chegasse até a mesa de Mussolini, para ser liberada pelo próprio Duce. E um mês depois ser recolhido pelos esbirros intermediários do regime.
Num volume das suas Obras Completas – Volume IV- Borges diz, sem ironia, que o conto policial “tem mantido suas virtudes clássicas” e não “precisa de defesa”, pois ele “salva a ordem numa época de desordem”. Poucas páginas depois ele diz que “nós somos feitos, em boa parte, de nossa memória” (e) “essa memória em grande parte, é feita de esquecimento”. E ainda, mais adiante: “Consideremos o momento presente. O que é o momento presente?” (…) “é o momento que contém um pouco do passado e um pouco do futuro.” Arrematando: ” o presente em si é como o ponto finito da geometria.”
Moro não tem memória ou é acostumado a mentir sobre as suas virtudes. Lula pode estar errado, mas é verdadeiro na busca dos exemplos para o que entende como servir ao povo no passado como já o fez, bem como no presente, já mais perto do ponto finito da sua geometria de vida. Na vida de cada um destes dois homens operaram o “esquecimento” e a “memória”, que lhes deram uma determinada personalidade em cada papel a eles revelado pela vida que ambos escolheram. Um é o verdugo sem fundamento, cuja memória é um vácuo sem explicação; o outro, é a vítima coerente das suas verdades explícitas, que ficarão encravadas na metáfora da exceção, como foi este diálogo indireto.
Com as revelações que estão sendo feitas pelos jornalistas do Intercept, a definição do que ficará de ambos -para as futuras gerações- ficou clara como um amanhecer que rasgou com a luz de janeiro a noite que se fez memória. No mesmo volume -mais adiante- Borges comentando a poesia de Carl Sandburg diz que que “em seus poemas há um incessante jogo de falsas imperícias e de habilidades que tentam parecer descuidos”. Como adepto explícito da exceção, o que Moro fez com o Direito – falsas imperícias e habilidades aparentando descuidos – Sandburg fazia com a poesia: este todavia revelava com a sua memória e método a luz da poesia, mas Moro produzia com seu esquecimento vergonhoso nada mais do que a injustiça na treva da exceção.
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