Mito e realidade no debate sobre a unidade da esquerda
É nos períodos pós-eleitorais, por ocasião dos balanços sobre a participação nos pleitos, que o assunto ganha mais relevância. Especialmente quando o resultado fica aquém do esperado como nesta eleição municipal
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É bem mais complexa do que parece vista a olho nu a questão da almejada unidade das forças progressistas e de esquerda. Muitas análises caem na armadilha de creditar a não concretização da união a uma mera falta de vontade política por parte das lideranças do campo popular.
E é nos períodos pós-eleitorais, por ocasião dos balanços sobre a participação nos pleitos, que o assunto ganha mais relevância. Especialmente quando o resultado fica aquém do esperado como nesta eleição municipal.
Antes de entrar no mérito deste artigo, cabe destacar que em nenhuma avaliação que li ou ouvi, algumas exageradamente catastrofistas, mereceu atenção o fato histórico de que o forte da esquerda nunca foi a eleição municipal, em boa medida paroquializada, e sim a nacional, quando se debate o Estado, a política econômica e educacional, os projetos sociais de grande alcance, a soberania nacional e as relações internacionais.
Olhando pelo para-brisas para 2022 e a necessidade da construção de uma tática política e eleitoral que permita derrotar o governo neofascista, seguem alguns pontos para reflexão:
1) Noves fora a obviedade de que é preciso superar as diferenças políticas e até rusgas pessoais, em nome do projeto maior de resgatar a democracia no Brasil, a realidade deve ser a medida de todas as coisas. E ela mostra claramente que o PDT, com Ciro Gomes cada vez mais se aproximando da centro-direita, e o PSB, que depois de ter apoiado o golpe contra a presidenta Dilma se afastou da esquerda, são cartas fora do baralho para uma eventual aliança eleitoral da oposição de esquerda.
2) É falso o discurso corriqueiro segundo o qual o “hegemonismo” petista se constitui no principal obstáculo para a unidade. Esse argumento fazia sentido no passado, mas hoje não retrata mais a realidade. Nesta eleição, focando só nas capitais, o PT apoiou as candidaturas do PSOL em Belém e Florianópolis, do PCdoB, em Porto Alegre, e apoiaria no Rio o deputado Marcelo Freixo, se o próprio PSOL não tivesse roído a corda.
3) A cobrança ao PT por ter lançado um candidato pouco competitivo em São Paulo, em detrimento do apoio a Guilherme Boulos, embora tenha lógica, não pode desprezar um elemento de suma importância: a seção paulistana do PSOL se antecipou a qualquer discussão sobre aliança e lançou uma chapa completa, Boulos-Erundina.
4) É no mínimo discutível a tese de que as alianças visando eleições para os governos esbarram na necessidade de os partidos lançarem candidaturas próprias com o objetivo de elegerem o maior número possível de parlamentares, escapando assim da cláusula de barreira. Vejamos os casos das duas maiores cidades brasileiras: no Rio, a candidata do PSOL, Renata Souza, teve uma votação pífia, mas o partido elegeu sete vereadores, a maior bancada junto com a do Republicanos ; em São Paulo, o PT foi mal na eleição para a prefeitura. Todavia, elegeu oito vereadores, formando a maior bancada ao lado do PSDB.
5) Mesmo uma eventual aliança de esquerda para 2022 já no primeiro turno ficando restrita ao PT, PCdoB e PSOL, são inúmeros os desafios a serem enfrentados. Embalado pela ida ao segundo turno de Boulos, pela vitória em Belém e pelo aumento de sua bancada de vereadores nas capitais, o PSOL certamente planeja lançar candidatura própria a presidente. Flávio Dino, do PCdoB, faz ótimo governo no Maranhão, conquistou projeção no debate nacional e também se coloca como presidenciável.
6) Na hipótese de Lula não recuperar seus direitos políticos, a maioria do PT tende a optar pela candidatura própria, afinal ainda é o maior e mais capilarizado partido de esquerda do país. Com o cacife de 47 milhões de votos obtidos em 2018, Fernando Haddad seria o nome petista.
7) Ainda que o PT, em prol da aliança, opte por uma saída do tipo Cristina Kirchner, abrindo mão da cabeça de chapa, restaria um senhor abacaxi a ser descascado: como acomodar o PSOL e o PCdoB na chapa, pois neste caso o PT dificilmente abdicaria de indicar o vice? O cobertor é curto.
8) Alguns dirigentes importantes do PT veem como insuficiente para alcançar a vitória uma chapa puro-sangue de esquerda. Por isso, vislumbram a repetição da fórmula José de Alencar, entregando a vaga de vice para um empresário nacionalista e não reacionário. O nome de Luiza Trajano, do Magazine Luiza, chega a ser comentado.
9) Há um visível problema na relação dos outros partidos de esquerda com o PT. Sem cometer o erro grosseiro da generalização, mas é fato que alguns quadros desses partidos deixam escapar nas entrelinhas de suas falas a intenção de tentar aproveitar o antipetismo e a campanha sistemática da mídia empresarial e da burguesia contra o PT para tomar o lugar do partido no cenário nacional. Setores do PSOL inclusive são nitidamente antipetistas. Um grave equívoco, uma vez que o alvo dos ataques é toda a esquerda brasileira.
Como se vê, a tão propalada unidade está longe de ser tarefa para amadores.
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