Mito e realidade no debate sobre a unidade da esquerda

É nos períodos pós-eleitorais, por ocasião dos balanços sobre a participação nos pleitos, que o assunto ganha mais relevância. Especialmente quando o resultado fica aquém do esperado como nesta eleição municipal

Manuela d’Ávila, Lula e Guilherme Boulos
Manuela d’Ávila, Lula e Guilherme Boulos (Foto: Ricardo Stuckert)


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É bem mais complexa do que parece vista a olho nu a questão da almejada unidade das forças progressistas e de esquerda. Muitas análises caem na armadilha de creditar a não concretização da união a uma mera falta de vontade política por parte das lideranças do campo popular.

E é nos períodos pós-eleitorais, por ocasião dos balanços sobre a participação nos pleitos, que o assunto ganha mais relevância. Especialmente quando o resultado fica aquém do esperado como nesta eleição municipal.

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Antes de entrar no mérito deste artigo, cabe destacar que em nenhuma avaliação que li ou ouvi, algumas exageradamente catastrofistas, mereceu atenção o fato histórico de que o forte da esquerda nunca foi a eleição municipal, em boa medida paroquializada, e sim a nacional, quando se debate o Estado, a política econômica e educacional, os projetos sociais de grande alcance, a soberania nacional e as relações internacionais.

Olhando pelo para-brisas para 2022 e a necessidade da construção de uma tática política e eleitoral que permita derrotar o governo neofascista, seguem alguns pontos para reflexão:

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1) Noves fora a obviedade de que é preciso superar as diferenças políticas e até rusgas pessoais, em nome do projeto maior de resgatar a democracia no Brasil, a realidade deve ser a medida de todas as coisas. E ela mostra claramente que o PDT, com Ciro Gomes cada vez mais se aproximando da centro-direita, e o PSB, que depois de ter apoiado o golpe contra a presidenta Dilma se afastou da esquerda, são cartas fora do baralho para uma eventual aliança eleitoral da oposição de esquerda.

2) É falso o discurso corriqueiro segundo o qual o “hegemonismo” petista se constitui no principal obstáculo para a unidade. Esse argumento fazia sentido no passado, mas hoje não retrata mais a realidade. Nesta eleição, focando só nas capitais, o PT apoiou as candidaturas do PSOL em Belém e Florianópolis, do PCdoB, em Porto Alegre, e apoiaria no Rio o deputado Marcelo Freixo, se o próprio PSOL não tivesse roído a corda.

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3) A cobrança ao PT por ter lançado um candidato pouco competitivo em São Paulo, em detrimento do apoio a Guilherme Boulos, embora tenha lógica, não pode desprezar um elemento de suma importância: a seção paulistana do PSOL se antecipou a qualquer discussão sobre aliança e lançou uma chapa completa, Boulos-Erundina.

4) É no mínimo discutível a tese de que as alianças visando eleições para os governos  esbarram na necessidade de os partidos lançarem candidaturas próprias com o objetivo de elegerem o maior número possível de parlamentares, escapando assim da cláusula de barreira. Vejamos os casos das duas maiores cidades brasileiras: no Rio, a candidata do PSOL, Renata Souza, teve uma votação pífia, mas o partido elegeu sete vereadores, a maior bancada junto com a do Republicanos ; em São Paulo, o PT foi mal na eleição para a prefeitura. Todavia, elegeu oito vereadores, formando a maior bancada ao lado do PSDB.

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5) Mesmo uma eventual aliança de esquerda para 2022 já no primeiro turno ficando restrita ao PT, PCdoB e PSOL, são inúmeros os desafios a serem enfrentados. Embalado pela ida ao segundo turno de Boulos, pela vitória em Belém e pelo aumento de sua bancada de vereadores nas capitais, o PSOL certamente planeja lançar candidatura própria a presidente. Flávio Dino, do PCdoB, faz ótimo governo no Maranhão, conquistou projeção no debate nacional e também se coloca como presidenciável.

6) Na hipótese de Lula não recuperar seus direitos políticos, a maioria do PT tende a optar pela candidatura própria, afinal ainda é o maior e mais capilarizado partido de esquerda do país. Com o cacife de 47 milhões de votos obtidos em 2018, Fernando Haddad seria o nome petista.

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7) Ainda que o PT, em prol da aliança, opte por uma saída do tipo Cristina Kirchner, abrindo mão da cabeça de chapa, restaria um senhor abacaxi a ser descascado: como acomodar o PSOL e o PCdoB na chapa, pois neste caso o PT dificilmente abdicaria de indicar o vice? O cobertor é curto.

8) Alguns dirigentes importantes do PT veem como insuficiente para alcançar a vitória uma chapa puro-sangue de esquerda. Por isso, vislumbram a repetição da fórmula José de Alencar, entregando a vaga de vice para um empresário nacionalista e não reacionário. O nome de Luiza Trajano, do Magazine Luiza, chega a ser comentado.

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9) Há um visível problema na relação dos outros partidos de esquerda com o PT. Sem cometer o erro grosseiro da generalização, mas é fato que alguns quadros desses partidos deixam escapar nas entrelinhas de suas falas a intenção de tentar aproveitar o antipetismo e a campanha sistemática da mídia empresarial e da burguesia contra o PT para tomar o lugar do partido no cenário nacional. Setores do PSOL inclusive são nitidamente antipetistas. Um grave equívoco, uma vez que o alvo dos ataques é toda a esquerda brasileira. 

Como se vê, a tão propalada unidade está longe de ser tarefa para amadores. 

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