Ministro e comandantes militares abrem guerra contra a verdade histórica
"Não é de se estranhar que num governo conduzido por um genocida sociopata os altos comandos militares homenageiem um regime de terror, de arbítrio e de assassinatos e falsifiquem a história", escreve o colunista Jeferson Miola, após o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, afirmar que o golpe de 64 foi um marco na democracia brasileira
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O Ministro da Defesa e os comandantes das três armas divulgaram a Ordem do Dia alusiva ao 31 de março de 1964 que será lida nos quartéis e instalações das Forças Armadas.
É um texto revisionista, farsesco, que falsifica e distorce a história da primeira à última frase. Começa dizendo que o golpe civil-militar de 1964, que foi um atentado à ordem jurídica e constitucional, é “um marco para a democracia brasileira” [sic].
O ministro e os comandantes bolsonaristas referem-se às políticas do governo legítimo de João Goulart como “Ingredientes utópicos [que] embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados”.
Num relato mentiroso que omite o processo de desestabilização econômica e política orquestrado na época pela burguesia com o governo dos EUA para derrubar Jango, os signatários sustentam que “As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante das pressões de grupos que lutavam pelo poder”.
Confundindo vitalidade democrática e participação social com caos político, afirmam que “As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle”.
O conluio das classes dominantes, do empresariado, da Igreja Católica e da imprensa com os quartéis é tratado candidamente como um evento espontâneo, em que “A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram”.
A Ordem do Dia reserva um papel heróico aos golpistas fardados que violentaram a Constituição: “As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis”.
Ocultando as atrocidades das torturas, dos exílios forçados, os assassinatos bárbaros e covardes e as perseguições políticas, o comunicado adota tom ufanista e insinua que os brasileiros “Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo”.
Esta mentira sobre a situação econômica é contrarrestada pela herança desastrosa do período ditatorial: corrupção disseminada, inflação alta, arrocho salarial, endividamento brutal, pobreza e miséria e, naturalmente, assassinatos de brasileiros e brasileiras por agentes do Estado de Terror nos porões do regime.
Os militares atribuem-se, ainda, uma função não prevista na Constituição, o “propósito de manter a paz e a estabilidade”.
A Ordem do Dia termina com uma manifestação asquerosa e lacônica: “O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou”.
Não é de se estranhar que num governo conduzido por um genocida sociopata os altos comandos militares homenageiem um regime de terror, de arbítrio e de assassinatos e falsifiquem a história.
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MINISTÉRIO DA DEFESA
Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964
Brasília, DF, 31 de março de 2020.
O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época.
O entendimento de fatos históricos apenas faz sentido quando apreciados no contexto em que se encontram inseridos. O início do século XX foi marcado por duas guerras mundiais em consequência dos desequilíbrios de poder na Europa. Ao mesmo tempo, ideologias totalitárias em ambos os extremos do espectro ideológico ameaçavam as liberdades e as democracias. O nazifascismo foi vencido na Segunda Guerra Mundial com a participação do Brasil nos campos de batalha da Europa e do Atlântico. Mas, enquanto a humanidade tratava os traumas do pós-guerra, outras ameaças buscavam espaços para, novamente, impor regimes totalitários.
Naquele período convulsionado, o ambiente da Guerra Fria penetrava no Brasil. Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engodos que atraíam até os bem-intencionados. As instituições se moveram para sustentar a democracia, diante das pressões de grupos que lutavam pelo poder. As instabilidades e os conflitos recrudesciam e se disseminavam sem controle.
A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis.
Aquele foi um período em que o Brasil estava pronto para transformar em prosperidade o seu potencial de riquezas. Faltava a inspiração e um sentido de futuro. Esse caminho foi indicado. Os brasileiros escolheram. Entregaram-se à construção do seu País e passaram a aproveitar as oportunidades que eles mesmos criavam. O Brasil cresceu até alcançar a posição de oitava economia do mundo.
A Lei da Anistia de 1979 permitiu um pacto de pacificação. Um acordo político e social que determinou os rumos que ainda são seguidos, enriquecidos com os aprendizados daqueles tempos difíceis.
O Brasil evoluiu, tornou-se mais complexo, mais diversificado e com outros desafios. As instituições foram regeneradas e fortalecidas e assim estabeleceram limites apropriados à prática da democracia. A convergência foi adotada como método para construir a convivência coletiva civilizada. Hoje, os brasileiros vivem o pleno exercício da liberdade e podem continuar a fazer suas escolhas.
As Forças Armadas acompanharam essas mudanças. A Marinha, o Exército e a Aeronáutica, como instituições nacionais permanentes e regulares, continuam a cumprir sua missão constitucional e estão submetidas ao regramento democrático com o propósito de manter a paz e a estabilidade.
Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres.
O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou.
FERNANDO AZEVEDO E SILVA
Ministro de Estado da Defesa
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