"Minha especialidade é matar": Jair e sua joia da coroa na seita do fim do mundo
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Desde que Bolsonaro foi derrotado nas urnas e fugiu do Brasil, armado até os dentes com toda a covardia que sempre caracterizou o capitão, aos poucos vêm sendo desaparelhadas todas as “suas” polícias que ocultavam crimes com que nem sequer sonhava a nossa vã filosofia. O “Estado” bolsonarista se transformou num Estado-máfia ou Estado-milícia que era tão somente usado como aparelho de poder para permitir que as barbáries mais impensáveis fossem executadas e acobertadas. Os episódios de arapongagem – quando um órgão estatal decide, de ofício, investigar alguém que não cometeu crime nenhum – se tornaram práticas inerentes ao Estado bolsonarista. Podemos dar como estreia simbólica dos arapongas oficiais o tribunal do santo ofício instalado por Moro, Dalagnol e sua trupe. O que foi esse caso de lawfare senão a implantação prática de estratégias usadas pelas máfias e pelas milícias? O tribunal particular de Moro, Dalagnol et caterva levou à prisão descabida de Lula em 2018. E, tão grave quanto isso, e cronologicamente anterior, alimentou a vetusta e macróbia opinião pública brasileira para que esta fomentasse todo o arcabouço do golpe de 2016 e desse “antipetismo” difuso, desorientado, anárquico e embaralhado que foi fundamental para a eleição de um ser como Jair Bolsonaro em sua escuridão abissal jamais disfarçada.
Outro exemplo de Estado-máfia ou Estado-milícia se deu quando descobrimos recentemente que quase meia dúzia de ministérios – MINISTÉRIOS! – foram empenhados e manuseados para se tentar conseguir consolidar o plano de contrabandear joias arábico-suíças (que par!) no valor de milhões de Euros. Isso para falar apenas do caso recentíssimo dos “colares” de diamante, relógios, braceletes, canetas, abotoaduras etc., que só permaneceram retidos na alfândega brasileira porque o instituto da estabilidade do servidor público, QUE É CONCURSADO, permitiu que os servidores lotados naquela aduana não precisassem se ajoelhar diante do então presidente da república e de seus MINISTROS indo, diuturnamente, EXIGIR que o contrabando fosse, enfim, contrabandeado.
A historiadora Lilia Schwarcz traçou um paralelo entre esse episódio envolvendo a alegada “Cinderela” brasileira com o episódio de 1882, em que as joias da então imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II, desapareceram, entulhando o imperador e a monarquia decadente de um desprestígio vertiginoso que culminou com a remoção definitiva da coroa brasileira em 1889.
Por essa e por outras, infelizmente, será necessário, por muito tempo, escrever crônicas a respeito da terra desolada que Jair deixou atrás de si. E não apenas nos quatro anos em que brincou de ser ditador-militar-sheik do Brasil – entre 2018 e 2022 –, mas também nas décadas em que foi se elegendo no baixíssimo clero da política nacional.
Tudo piorou muito quando entrou a gosma de Olavo de Carvalho, arremedo, paródia, simulacro do estadunidense Steve Bannon, do russo Alexander Dugin e do norueguês Abraham Vereide.
Foram décadas em que Jair Messias ia inserindo devidamente todas as suas ex-mulheres, os seus filhos e os seus correligionários, parceiros, cúmplices, sócios, comparsas, coparticipantes e coautores na mesma cornucópia nefasta que o bolsonarismo tentou fazer do Brasil, enraizada em milícias, traficantes, “igrejas” pseudoultraconservadoras, neopentecostalismo e toda forma de “cristianismo” freestyle que tem descrito tão bem os mafiosos e os gângsteres que existem por trás da familícia.
Lembremos, a título de ilustração, que o autoproclamado “gabinete do ódio” e sua milícia digital com máquina de produção em escala industrial de mentiras e... ódio... existe desde pelo menos 2013. Lembremos, também, que Bolsonaro galgou seu primeiro cargo como “político” no Brasil na década de 1980.
Há pouco tempo, houve certo delegado que virou subcelebridade instantânea com o bolsonarismo (que produz monturos em todas as esferas da vida brasileira), dizendo, do alto de sua insciência descomunal, que Bolsonaro é “o melhor presidente da história do Brasil” por duas ações que alegadamente teria executado: teria colocado a questão do aborto no âmbito das discussões nacionais e teria tratado com impiedade da corrupção.
Pausa dramática.
Esse tipo de gente vive onde? Do que se alimentam? Como se reproduzem? Com que sonham à noite?
Esse senhor é coach que adestra pessoas com problemas fálicos, presas na fase anal da maturação sexual descrita por Freud, a se armar com pistolas e espingardas. Certamente é também coach da atualíssima redpill, que ensina homens que lavam louça e dividem tarefas caseiras com a mulher – em resumo, os frouxos brocháveis, comíveis e morríveis que essa turma vem chamando de “homens beta” – a se tornarem “machos alfa”. Trata-se de MACHOS que devem abdicar de toda forma civilizada que levamos milênios para compreender, para regredirem aos homens pré-históricos que se limitavam a trazer a caça para a família (“o javali nas costas”, como sintetizou uma brilhante MULHER a favor desses machos primitivos), além de baterem nas mulheres e nos filhos e fazerem o que bem lhes vier à mente. Afinal, são machos, os donos da família. “A primeira propriedade privada existiu quando o homem se apropriou da mulher”, como lembra Engels.
Pensam que a descrição que fiz é exagerada? Busquem no Google os termos “macho alfa” e “redpill” e, depois, venham confrontar o que eu escrevi para ver se eu não fui até eufemístico e complacente na minha descrição...
MESMO QUE – “Ai que preguiça” (Macunaíma) – “falar de aborto e de corrupção” tivessem sido “conquistas” (???) de Bolsonaro; mesmo que Bolsonaro tivesse posto o Brasil como PRIMEIRA ECONOMIA da face da Terra redonda; mesmo que Bolsonaro tivesse acabado com a desigualdade de renda no Brasil; mesmo que... tivesse feito QUALQUER COISA de realmente espetacular; AINDA ASSIM seu governo teria sido o pior da história do Brasil e um dos mais catastróficos da história do planeta Terra (que é redonda), porque o modo como Bolsonaro se põe diante da ecologia ambiental e das outras duas ecologias (a ecologia social e a ecologia subjetivo-simbólica) cobraria um preço impossível de ser pago, uma vez que implica, na velocidade da luz, O FIM DA VIDA HUMANA NA TERRA.
Pensam que é exagero? Vejam o que aconteceu em São Sebastião em 2023. Não foi uma “catástrofe ambiental”. Foi, apenas, O MAIOR DESATRE NATURAL DE CAUSAS PLUVIAIS DA HISTÓRIA DO BRASIL. Há uma conexão direta de causalidade entre isso e toda a necropolítica, o extermínio de Estado implantado contra todas as formas de vida que Bolsonaro vem pondo em práticas há décadas, mais forçosamente desde que pulou do baixo clero para a cadeira da presidência.
A sua visão da Floresta Amazônica é tão somente “econômica”, numérica, rentista, tão bem metonimizada no genocídio dos Yanomami, que deveriam ter sido exterminados, de acordo com a bíblia bolsonarista, para que as motosserras de grileiros, milicianos e garimpeiros continuassem abrindo caminho para o “agronegócio” (afinal, como lembra o comercial da Globo, “o agro é pop, o agro é tudo”) em todas as suas formas de ver o meio ambiente como mero subproduto rentável do modo de produção que, em última análise, é ainda escravocrata, oligárquico, patriarcal – os “machos alfa” voltam à cena.
Pois é. O bolsonarismo ainda não está nem perto de ter sido decodificado. As tramas maléficas e ridículas que Olavo de Carvalho e seu séquito criaram estão começando a dar frutos. Certamente menos disfarçados. E, para nosso desprazer mas também regozijo, esses mesmos frutos já estão nascendo podres e sendo devidamente enquadrados em toda a apoteose patética, burlesca e manirrota que veste as almas bolsonaristas.
A compreensão dos inúmeros fatores que permitiram que essa seita eclodisse no Brasil ainda precisará de algum tempo de investigações em múltiplas áreas do ser humano. A psicologia social, a antropologia, a política, a história, a filosofia, a ciência, a diplomacia, a arte são apenas alguns exemplos de campos de conhecimento que precisarão dialogar cada vez mais para que possamos chegar perto do entendimento mínimo desse fenômeno que não consegue deixar de horrorizar as pessoas, por mais repetitivas que sejam as atrocidades e a estupidez que os bolsonaristas e Bolsonaro cometem.
Todos os analistas políticos, em que me incluo, partimos, de alguma maneira, dos movimentos nazifascistas e neonazistas e da extrema-direita mundial para começar a explicar minimamente o bolsonarismo. Mas todos nós acabamos percebendo também que esses movimentos de extrema-direita mundial, do passado ou do presente, apresentam incontáveis pontos de dissociação em relação ao bolsonarismo.
Isso porque os movimentos de extrema-direita continham e contêm um conjunto de “ideais”, sempre abstratos e calcados na pretensão da “vida após a morte” e da “superioridade imanente/transcendente de uns grupos sobre outros”, que, olhados com sinceridade, escapam dessa extrema-direita À BRASILEIRA, que se condensou e criou corpo no bolsonarismo. Quero dizer que essa extrema-direita à brasileira sequer apresenta, no mais das vezes, características da “idealização” que há nas demais formas de nazifascismo pelo mundo.
Também o tipo de pacto específico que a seita bolsonarista alimenta com as forças armadas é bem característico dessa extrema-direita tropical. O flerte com a caserna existe nos nazifascismos “clássicos”, soi-disant, mas de uma forma muito menos pantaneira em comparação com a que Bolsonaro concatenou com os quartéis da pátria amada. Um dos fatores que parecem emergir dessa DISTINÇÃO entre a extrema-direita mundial e o bolsonarismo, quero dizer, naquilo em que DIVERGEM, está na frase que Bolsonaro disse cheio de arrogância e altivez no que, pelo prisma da psicanálise, não sabemos se conseguimos diagnosticar como um ato-falho ou como um sintoma de surto psicótico mesmo, no que seria uma forma de forclusão, como diria Lacan. A frase de Bolsonaro a que me refiro foi: “Minha especialidade é matar”.
Pausa dramática.
Como alguém pode apoiar uma pessoa que se orgulha dessa “especialidade”?
De fato, diante dos outros movimentos de extrema-direita, históricos e contemporâneos, a tara absoluta pela pulsão de morte parece ser um dos elementos que distinguem essa extrema-direita à brasileira. Algo claríssimo nos “ideais” bolsonaristas é o extermínio, o genocídio, o ecocídio, o massacre completo de seres humanos como os Yanomami e até mesmo o esfacelamento de quaisquer vidas, como as das carpas e das emas do palácio do planalto, não esquecendo o plano de Bolsonaro de começar a implementar uma política pública de aniquilamento das pessoas mediante o desmonte da distribuição de REMÉDIOS, MEDICAÇÕES E VACINAS pelo SUS, que Bolsonaro já estava anunciando nos últimos dias de seu governo de perecimento.
A morte, como apresentada nas próprias palavras de Bolsonaro – “Minha especialidade é matar” –, era realmente a tônica, senão talvez a única face, de seu “governo”. A sua joia da coroa. O elemento recorrente que mobiliza sua seita do fim do mundo. É claro que falo da morte de grupos específicos, negados, anulados e afligidos pelos “ideais” delirantes de pessoas que, na história do Brasil, sempre se alinharam com políticas de aniquilamento de quem quer que ouse ser diferente delas.
Não é à toa que o “governo” de Bolsonaro tenha aberto a porteira para armas de fogo, que abrigaram em si chacinas como a promovida pelos bolsonaristas na sinuca do município de Sinop, Mato Grosso, e o assassinato do petista Marcelo Arruda, também cometido por um bolsonarista, no Paraná.
Não é à toa que o “governo” de Bolsonaro tenha permitido que um número e quantidade inigualável de agrotóxicos fossem despejados nas comidas; que trabalho escravo fosse mantido cuidadosamente, sob a proteção do Estado, como nas vinícolas do sul do Brasil, relativizado de forma atroz por bolsonaristas; que já fosse anunciado o desmonte da distribuição de remédios, vacinas etc. pelo SUS nos estertores de sua necropolítica. Tudo isso é MORTE, evidentemente. Mas MORTE não aleatória, e, sim, rigidamente calculada para se alinhar aos interesses da ELITE DO ATRASO, nas palavras de Jessé Souza, que compõem o Brasil desde os anos 1500.
Essa elite, que sempre prefiro chamar de oligarquia, vem repetindo suas estratégias e seus chiliques há séculos no Brasil. O vereador gaúcho que chamou os trabalhadores baianos “em situação análoga à escravidão” – soi-disant – de sujos, preguiçosos, ingratos, “tocadores de tambor” etc., etc., não é uma voz isolada nos rincões, cercanias, entornos, arredores, arrabaldes, domínios, proximidades, paragens, vergéis e páramos de um sul brasileiro sabidamente nazifascista. Nada disso! É um dos milhões de ecos que estalam e rebombam nos almoços da tradicional família brasileira, em que os tiozões e as tiazonas do Zap são soberanos e soberanas nas casas-grandes de que nunca se descolaram.
A renitência dessa oligarquia casa-grandística a favor de se manterem os juros altíssimos do Banco Central, que Lula revelou ao mundo inteiro serem os juros mais altos do planeta, é muito parecida com as birras e os faniquitos que essa mesma oligarquia deu em 1888. Naquele ano, a escravidão foi abolida no Brasil, e o “mercado” da época – que era bem representado pelas oligarquias cafeeiras –, para se vingar, depôs o império no ano seguinte, 1889. O desprestígio e a galhofa em que se transformara a já então obsoleta monarquia também foi elemento vital (ou mortal...) para o fato.
Para isso, essas oligarquias oitocentistas apoiaram os militares (as quarteladas brasileiras de volta ao texto) para forjarem uma república às pressas, naquele que seria talvez o primeiro da série de golpes militares (a guerra do Paraguai, anterior, é outra história, que tratarei em momento oportuno) que, numa democracia tão frágil como a brasileira, quase voltaram a ter eco entre 2018 e 2022. Ponho o marco de 30 de dezembro de 2022 como o fim desse desconchavo específico, quando o ex-presidente Bolsonaro, já derrotado nas urnas, escapuliu covardemente para os Estados Unidos. Aliás, essa foi uma cena que, evocando a história e a memória de novo, tem lá seus paralelos com a fuga medrosa e acabrunhada da corte portuguesa para o Brasil, com pânico de Napoleão, em 1808.
Isso significa que, ao lado do conhecimento naquelas disciplinas que mencionei há pouco – a psicologia social, a antropologia, a política, a história, a filosofia etc. –, também será necessária uma espécie de ARQUEOLOGIA muito sincera e muito analítico-sintética para se compreender essa seita. Quero dizer que é preciso escavar em sítios arqueológicos até então inauditos.
O método da navalha de Occam pode e deve, também, ser evocado. Em outras palavras, podemos começar a pensar a cognição bolsonarista a partir de elementos bastante simples e com a maior quantidade possível de variáveis com comprovação ou empirismo. Por outro lado, lembrar Lacan também é imprescindível, principalmente quando o sábio pós-freudiano lembra que “é preciso tomar cuidado para não se compreender rápido demais”. Assim como a psicanálise se exime de conclusões precipitadas sobre o que quer que lhe diga respeito, evitando o que Freud chamou de “psicanálise selvagem”, assim também esse fenômeno horrendo que pragueja no Brasil precisa de raciocínio e reflexão, conhecimento teórico e sensibilidade, mas sobretudo coragem intelectual para ser vislumbrado exatamente como é, sem ser subestimado nem superestimado.
Nesse sentido, dou voz à Hildegard Angel, em fala à TV 247 do dia 26 de fevereiro de 2023, com um laconismo extremamente lúcido sobre o bolsonarismo:
“O que que é o bolsonarismo? Não é nada. O bolsonarismo é a perversidade corporificada no Jair Bolsonaro. Ele é a personificação da maldade, da crueldade, da perversidade. E isso atrai atenção. Assim como os seriados com violência e sanguinários atraem a atenção, o Bolsonaro atrai a atenção das pessoas que têm dentro delas esse potencial de maldade, de perversidade, de crueldade. E que não são os brasileiros, é a humanidade. A humanidade tem esse potencial e isso são questões civilizatórias. Os mais civilizados são mais trabalhados, são mais lapidados, raciocinam, refletem, têm princípios, têm ideais, têm conceitos, têm ética. E mais essa massa de estrume que veio, liderada por Bolsonaro, que é um zero, e que há de sumir do horizonte, eu espero e torço por isso. Porque a gente nem pode classificá-lo como nazista, como fascista, porque o nazismo e o fascismo tinham os seus princípios. O princípio do Bolsonaro é o nada, é o vácuo, é o buraco negro em que ele quis enterrar o Brasil.”
A íntegra está na TV 247, no link https://www.youtube.com/watch?v=8WSpcf4kfLQ
Partir desses parâmetros que a Hildegard aponta é extremamente eficaz. O triste é que, apesar de Bolsonaro e o bolsonarismo serem, em essência, exatamente o que ela descreve, esse movimento também pega carona, ainda que de forma enviesada, nos movimentos da extrema-direita contemporânea mundial, que por sua vez não só bebem da fonte, mas cantam loas ao nazismo e ao fascismo e às práticas totalitárias e de necropolítica internacionais.
Em resumo, articulando o que a Hildegard fala a essa outra constatação, inferimos que o bolsonarismo está muito próximo do que se pode entender como SEITA. Uma SEITA inconsequente, delirante e que não tem a menor consciência do estrago irreversível nas ecologias ambiental, social e subjetivo-simbólica que o bolsonarismo poderia causar, se fosse mantido. O meio ambiente, a sociedade e as subjetividades seriam solapadas de forma incontornável se o “mito” permanecesse. É uma SEITA cuja maior crença, ainda que parcialmente inconsciente, é a crença no FIM DO MUNDO. Em outras palavras: lições práticas de necropolítica e de pulsão de morte, como escrevi em outro artigo meu aqui no 247.
De fato o melhor substantivo coletivo, ainda que possivelmente provisório, para se listarem os bolsonaristas sob a égide de um elemento em comum, é este: SEITA.
Isso porque eles e elas se agrupam ao redor de “ideais” que, muitíssimo frequentemente, fogem dos domínios da racionalidade e sensorialidade mais básicas, e penetram nos densos submundos da fantasia, do delírio, do fanatismo, das emoções reprimidas, do ressentimento, dos recalques, das depravações inconfessáveis, da frustração, da egodistonia.
Na busca por compreendermos cada vez mais nitidamente esse fenômeno de extrema-direita à brasileira, de vez em quando podemos proceder às crônicas do dia a dia, coletando fatos espantosamente comuns e cada vez mais “normais” à seita bolsonarista e seus excêntricos militantes.
Um conjunto de acontecimentos recentes, tendo como epicentro personagens dessa farsa extremista, apontam para um fato comum: o bolsonarismo, ele próprio, começa a colher aquilo que plantou. E essa colheita tem ocorrido no âmbito das três ecologias, fato que é, sem nenhuma dúvida, essencial para se compreender a complexidade da simples estupidez que emana do bolsonarismo e dos bolsonaristas.
A crise nas igrejas neopentecostais que tanto apoiaram o bolsonarismo nada mais é do que o fruto que elas estão colhendo por terem endeusado um presidente-fantoche que empobreceu de forma abismática a população brasileira. O resultado disso? “Quem tem fome tem pressa”, como lembrou Betinho, e o dízimo, amigos pastores e pastoras, vai ser dado ao Deus do “planeta fome”, como diria Elza Soares. Também vejo que, como efeito colateral à crueldade bolsonarista, o prestígio e a influência das igrejas neopentecostais, e mesmo de outras seitas, muito mais milenares..., entrou em declínio.
Na ecologia subjetiva, o aumento do fascismo introjetado ou microfascismo foi exponencial. Creio que, desde o tempo dos capitães do mato e dos bandeirantes, nunca se viu em terras brasileiras tanta gente alucinada que procede operosa e prestimosamente contra si própria e contra seus próprios grupos. O que explica gays bolsonaristas, negros bolsonaristas, mulheres bolsonaristas, umbandistas e candomblecistas bolsonaristas... senão um estrago e uma verdadeira devastação nos próprios psiquismos transbordando numa constrangedora falta de consciência de classe em todo o seu espectro?
Na ecologia social, também é impressionante que tenha havido bolsonaristas que, oficialmente, vieram a público para “JUSTIFICAR” a escravização nas vinícolas sulistas brasileiras. Alegam (protejam o estômago) que aquele tipo de “trabalho” só foi necessário porque não há mão de obra disponível já que as políticas assistencialistas do PT (e isso ocorreu durante o governo Bolsonaro) deixavam as pessoas preguiçosas, o que fez ser imprescindível se recorrer à escravidão como modelo de trabalho no Brasil do século XXI.
Bem, a dissociação cognitiva, que também ajuda a explicar as abstrusas mentes de bolsonaristas, esclarece os bloqueios psíquicos amargos que a seita impõe.
“Minha especialidade é matar.” A introjeção psíquica e anticivilizatória do versículo bolsonarista precisará de muito trabalho para ser desbaratada.
O Brasil e o mundo não podem se dar ao luxo de conivir e conjurar com práticas de terra devastada. É o mundo, em todas as suas ecologias, que está em jogo. Revelar a face mortífera da extrema-direita é obrigação subjetiva, social e ambiental.
Foi preciso deixar de tatear muito rapidamente nesse novo-velho fenômeno de extrema-direita brasileira. Foi preciso que a democracia e a consciência de classe brasileiras amadurecessem muito rápido. Foi preciso mobilizarem-se todas as classes socioculturais e socioeconômicas do Brasil em torno de, literalmente, se evitar o fim do mundo. Foi preciso recorrer a questões como a teoria do inconsciente e do recalcamento de Freud, a dissociação cognitiva, a retórica do ódio, a guerra pela eternidade, o par “mercantil-salvacionista” que Darcy Ribeiro engonça nas origens quinhentistas usurpadas da Nação brasileira, o microfascismo.
Mas, no fundo, como numa água parada lutulenta, é preciso também concordar profundamente com Hildegard Angel e sua navalha de Occam: “O bolsonarismo é a perversidade corporificada no Jair Bolsonaro. Ele é a personificação da maldade, da crueldade, da perversidade”.
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