Minas Gerais explica o impasse PT-PSB
Na crise partidária PT-PSB de que foi pivô em Minas Gerais e Pernambuco, o partido socialista mostra-se reflexo de anos em que teve seu projeto de representatividade social diluído pelo fisiologismo dos Governos de coalizão
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O fim de semana de convenções partidárias para definição das candidaturas e apoios em todo o país vem revelando o quão fragmentada emerge do golpe a cena política, em que as forças de direita convergem para um embate com a extrema-direita, ao passo que a esquerda entra numa batalha fratricida entre suas quatro forças principais: PT, PDT, PCdoB e PSB, sendo os dois últimos os fiéis da balança entre os dois primeiros. O partido socialista, em especial, revela em si as contradições das últimas duas décadas da política brasileira e torna-se, em Minas, o espelho do fracasso de certa e atabalhoada política de alianças empreendida por PT e PSDB, onde e quando foram Governo.
Neste sábado (4), em convenção que homologaria o ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda (2009-2016) candidato ao Governo contra o atual governador, Fernando Pimentel (PT), o cancelamento do evento pela executiva nacional da legenda, acordada com o PT a não lançar candidato em Minas em troca do apoio petista em Pernambuco e da neutralidade na disputa presidencial, terminou em pancadaria, boletim de ocorrência e promessa de Lacerda de recurso na Justiça. Se levado em conta o histórico recente do PSB em Minas Gerais, nenhum cenário interno expõe tamanha inconsistência política e ideológica quanto o do suposto "partido socialista", que nos últimos anos foi reduzido a um coringa ora de Aécio ora do PT, e termina desestabilizado pela falta de lideranças e diálogo com quaisquer segmentos da sociedade civil.
É bom lembrar que o PSB já foi o partido liderado pelo médico Célio de Castro, deputado-federal e presidente nacional da ainda legenda de Miguel Arraes, nos anos 1990, e que foi prefeito de BH entre 1997 e 2001. Sucessor de Patrus Ananias (PT) e cujo vice-prefeito era Fernando Pimentel, Célio, conhecido como Dr. BH, foi conselheiro frequente do ex-presidente Lula (PT, 2003-2010) e ajudou a fazer do ciclo Patrus-Célio-Pimentel um momento virtuoso da prefeitura de Belo Horizonte, com reformas estruturais e descentralização da economia e serviços da capital, transformando-a numa das principais metrópoles em qualidade de vida na América Latina. Ou seja, não se está falando de uma eterna legenda de aluguel, mas de uma aliada de primeira hora do PT, num projeto social-democrata pouco à direita do partido de Lula, garantidora de lastro social aos petistas junto à classe média e a setores da economia produtiva.
Sem Célio, doente em 2001, emigrado para o PT por rusgas internas em 2003 e falecido em 2008, no entanto, a legenda em Minas tomou dois rumos incertos e alternantes que ainda disputam a hegemonia interna. O deputado federal Júlio Delgado, juiz-forano de discurso pela moralidade e com certa pitada social e nacionalista que herda do pai, Tarcísio, ex-prefeito por três mandatos em Juiz de Fora, notabilizou-se como relator do processo de cassação do ex-deputado José Dirceu (PT) no caso "mensalão" em 2005. Ele transita, desde então, na ala nordestina que busca afirmação nacional do partido, capitaneada pelos pernambucanos e até 2014 pelo candidato a presidente Eduardo Campos. Esta, tem projeto semelhante ao do PT, de desenvolvimento nacional soberano, e hoje flerta com Ciro e Lula. Lacerda, por sua vez, ergueu-se como aliado de Aécio Neves e Fernando Pimentel na dificilmente explicável aliança PT-PSDB na sucessão municipal de BH em 2008, em que Pimentel não colheu os frutos que esperava das boas relações com Aécio e viu-se fazendo o sucessor e perdendo-o para as barbas tucanas já no primeiro ano do novo mandato. Portanto, Lacerda alinha-se à ala sul-sudeste do PSB, semelhante a Márcio França em São Paulo e Rodrigo Rollemberg no Distrito Federal, em que o partido traça o mesmo destino do PSDB dos anos 1990: deixa o caudilhismo nacionalista, com simpatias à esquerda e ao bem-estar social, e busca algo semelhante às sociais-democracias europeias, com governos liberais estabilizados num discurso e numa pitada de garantia social. Desta forma, ocupa um espaço que o PSDB vai deixando vago à medida que passa à extrema direita.
Por vezes moeda de troca de Ministérios e secretarias estaduais ao longo da Nova República, o PSB recusa-se, portanto, a ser uma confederação de interesses regionais, que oscila conforme as forças políticas vigentes. Apoiou o golpe vendo no impeachment certa possibilidade de viabilizar-se como força nacional, no longo prazo e na suposta decadência do PT, que não se confirmou. E os dois diferentes setores, agora enfraquecidos, não se encontram em condições de marchar com identidade própria e, estabilizados em distintas regiões do país, disputam Minas para seus aliados. Júlio em favor de Pimentel e do PT, Lacerda como regra-três do tucanato ameaçado pelo fantasma do golpe e de Aécio.
Na crise partidária PT-PSB de que foi pivô em Minas Gerais e Pernambuco, o partido socialista mostra-se reflexo de anos em que teve seu projeto de representatividade social diluído pelo fisiologismo dos Governos de coalizão, tomando a forma local dos perfis hegemônicos nas diferentes regiões do país, onde PT e PSDB comandaram direta ou indiretamente o Executivo e conduziram as relações com o Governo federal nos últimos 30 anos. Por isso, a quebradeira em Minas e o impasse pernambucano são, em grande parte, produto da interminável política de alianças que, em especial num Brasil assolado por dezenas de legendas de aluguel dispostas a tudo por cargos e financiamento privado, sacrifica legendas históricas que se desfazem na troca de favores e no caciquismo. Por seleção natural, expulsa os quadros ideológicos, como ocorreu com o doutor Célio, afasta os partidos de suas bases e concentra o país na polarização PT-PSDB, retroalimentando a política de alianças.
Sem a refundação da República numa Assembleia Constituinte, dificilmente o país estará livre de imbróglios e cenas como as que se viu em BH e Recife.
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