Megalópole x Rússia: Guerra Total
A Operação Z é a primeira salva de tiros de uma luta titânica
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Por Pepe Escobar
(Publicado no site The Saker, traduzido por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247)
Após uma cuidadosa avaliação, o Kremlin está rearranjando o tabuleiro de xadrez geopolítico para acabar com a hegemonia unipolar da “nação indispensável”
Mas é o nosso destino / Não ter lugar algum para descansar, / Enquanto mortais que sofrem / Caem cegamente e desaparecem / De uma hora /
Para a outra, / Como água caindo / De penhasco em penhasco / Durante anos, para a incerteza.
Holderlin, A Canção do Destino de Hyperion
A Operação Z é a primeira salva de tiros de uma luta titânica: três décadas após a queda da URSS e 77 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial, após uma cuidadosa avaliação, o Kremlin está rearranjando o tabuleiro de xadrez geopolítico para acabar com a hegemonia unipolar da “nação indispensável”. Não espanta que o Império das Mentiras tenha pirado completamente, obcecado em expelir completamente a Rússia do sistema Ocidento-cêntrico.
Os EUA e os seus filhotes da OTAN não podem possivelmente assumir a sua perplexidade quando se veem frente a uma perda assombrosa: não existe mais o direito de permitir o uso geopolítico exclusivo da força para perpetuar os “nossos valores”. Não existe mais a Dominação de Amplo Espectro.
O micro-quadro também está claro. O Estado Profundo (Deep State) dos EUA está ordenhando até os Quintos dos Infernos (Kingdom Come) a sua jogada planejada para a Ucrânia de disfarçar o seu ataque à Rússia. O “segredo” foi forçar Moscou a entrar numa guerra intra-eslávica na Ucrânia a fim de quebrar [o gasoduto] Nord Stream 2 – rompendo assim a dependência alemã dos recursos naturais russos. Isto acaba – pelo menos para o futuro previsível – com a perspectiva de uma conexão Bismarkiana russo-alemã que, em última análise, causaria a perda para os EUA do controle do continente eurasiano que se estende do Canal Inglês ao Pacífico para um pacto China-Rússia-Alemanha.
Até agora, a jogada estratégica dos EUA tem funcionado maravilhas. Mas a batalha está longe de acabar. Os silos psico-neocon dentro do Estado Profundo (Deep State) consideram tanto a Rússia como uma ameaça séria à “ordem internacional baseada em regras” que estão dispostos a arriscar, senão a incorrer, numa guerra nuclear “limitada” fora da sua jogada. O que está em jogo é nada menos que a perda do [esquema de] ‘Mandar no Mundo’ pelos Anglo-Saxões.
Dominando os Cinco Mares
Baseada na paridade do poder de compra (PPP – Purchasing Power Parity), a Rússia é a sexta economia do mundo – logo após a Alemanha e à frente tanto to Reino Unido quanto da França. A sua economia “dura” é similar à produção da U.S. Steel – pode até ser a mesma -, porém a sua capacidade intelectual é vastamente superior. A Rússia tem aproximadamente o mesmo número de engenheiros que os EUA, mas estes são muito mais bem educados.
O Mossad (serviço de espionagem israelense) atribui o milagre econômico de Israel em criar um equivalente ao Vale do Silício na de um milhão de imigrantes russos. Este Vale do Silício israelense foi um ativo-chave do MICIMATT (Military-Industrial-Congressional-Intelligence-Media-Academia-Think-Tank complex) [complexo militar-industrial-congressional-inteligência-mídias-academia-centros-de-estudo) – como foi indelevelmente cognominado por Ray McGovern.
As mídias do OTANistão dizendo que o PIB da Rússia é do tamanho daquele do Texas é bobagem. PPP é o que realmente conta; isso e o fato de que os engenheiros superiores da Rússia são a razão pela qual as suas armas hipersônicas estão pelo menos duas ou três gerações à frente dos EUA. Basta perguntar ao indispensável Andrei Martyanov.
O Império das Mentiras não tem mísseis defensivos que mereçam este nome e nenhum equivalente ao Mr. Zircon e o Mr. Sarmat. A esfera da OTANostão simplesmente não consegue vencer uma guerra, ou qualquer guerra, contra a Rússia por esta razão apenas.
A ensurdecedora “narrativa” do OTANistão de que a Ucrânia está derrotando a Rússia sequer se qualifica como uma piada inócua (compare isso com a estratégia russa de “Entrar em Contato e Tocar Alguém”). O sistema corrupto dos fanáticos do SBU, misturado com as facções UcroNazistas está acabado. O Pentágono o sabe. A CIA não consegue admiti-lo como possível. O que o Império das Mentiras meio que venceu, até agora, é uma “vitória” nas mídias para os UcroNazistas e não uma vitória militar.
O General Aleksandr Dvornikov, famoso desde a Síria, tem um mandato claro: conquistar todo o Donbass, libertar totalmente a Crimeia e preparar a ofensiva na direção de Odessa e da Transnístria, enquanto reduz a traseira da Ucrânia ao status de estado falido, sem acesso ao mar.
O Mar de Azov – ligado ao Mar Cáspio pelo canal do Don-Volga – já é um lago russo. E o Mar Negro é o próximo, a conexão-chave entre o continente e o Mediterrâneo. O sistema dos Cinco Mares – Negro, Azov, Cáspio, Báltico e Branco – consagra a Rússia como uma potência naval continental de facto. Quem precisa de águas mornas?
Movendo-se “à velocidade da guerra”
De agora em diante, o mostrador da dor subirá sem parar. A realidade – como fatos no terreno – logo ficará aparente, mesmo para a LugenPresse [Mídia de Mentiras (Lügen)] abrangente do OTANistão.
O chefe “woke” do Estado Maior das Forças Armadas dos EUA, Gen. Mark Milley, espera que a Operação Z dure anos. Isso é bobagem. As forças armadas russas podem se dar ao luxo de serem bastante metódicas e tomarem o tempo necessário para desmilitarizar adequadamente a Ucrânia. O Ocidente coletivo, da sua parte, está pressionado pelo tempo – porque o contragolpe da economia real já está operando e é obrigado a se tornar vicioso.
O Ministro da Defesa [russo] Shoigu deixou bastante claro: quaisquer veículos da OTAN que tragam armas para Kiev serão destruídos como “alvos militares legítimos”.
Um relatório feito pelo serviço científico do Bundestag [parlamento federal alemão] comprovou que o treinamento de soldados ucranianos em solo alemão pode ser considerado como participação na guerra, segundo as leis internacionais. E isso se torna ainda mais complicado quando é acoplado às entregas de armas da OTAN: “Somente se, em adição ao suprimento de armas, a instrução de participantes do conflito ou o seu treinamento para o uso de tais armas também for uma questão, isso deixa a área segura do “não-guerra”.
Agora fica pelo menos irreparavelmente claro que o Império das Mentiras “se move à velocidade da guerra” - como foi descrito publicamente por um vendedor de armas transformado em chefe do Pentágono – Lloyd “Raytheon” Austin [ministro da defesa dos EUA]. Em Pentagonês [a língua do Pentágono], isso foi explicado pela proverbial “autoridade” como “uma combinação de call-center, um centro de observação, salas de reuniões. Eles executam um ritmo de batalha para apoiar os tomadores de decisões.”
O “ritmo de batalha” pentagonês oferecido a uma suposta “força militar crível, resiliente e capaz de combater” é alimentado por um sistema EUCom que, essencialmente, passa as ordens de armas dos armazéns do Pentágono nos EUA para subsidiárias do Império de Bases na Europa e, dali, para o front leste da OTAN na Polônia – de onde são enviados por caminhão para a Ucrânia, bem a tempo de serem devidamente incinerados por ataques de precisão russos: a pletora de opções [russas] inclui mísseis supersônicos P-800 Onyx, dois tipos de [mísseis] Iskander e o Mr. Khinzal lançado de [aviões] Mig-31Ks.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, salientou que Moscou está perfeitamente ciente que os EUA, a OTAN e o Reino Unido estão transferindo não só armas, mas também montes de informações de inteligência. Em paralelo, o Ocidente coletivo vira tudo de cabeça para baixo 24/7, moldando um novo ambiente totalmente voltado contra a Rússia, sem se importar com sequer alguma aparência de parceria em qualquer área. O Ocidente coletivo sequer considera a possibilidade de diálogo com a Rússia.
Consequentemente, falar com Putin é “uma perda de tempo”, a não ser que uma “derrota russa” na Ucrânia (fazendo eco ao estridente relações públicas de Kiev) o tornasse “mais realista”. Apesar de todas as suas falhas, O Pequeno Rei (Le Petit Roi) Macron/McKinsey tem sido uma exceção, quando falou com Putin ao telefone mais cedo nesta semana.
A Hitlerização Orwelliana de Putin o reduz, mesmo entre a chamada Euro-intelligentsia, ao status de ditador de uma nação cloroformizada no seu nacionalismo do século XIX. Esqueça-se de qualquer semelhança com uma análise histórica/política/cultual. Putin é um Augustus tardio, travestindo o seu Império como uma República.
Na melhor das hipóteses, os europeus pregam e rezam – como chihuahuas obedecendo à Voz do Seu mestre – por uma estratégia híbrida de “contenção e enfrentamento” a ser desencadeada pelos EUA, papagueando desajeitadamente os rabiscos dos habitantes daquela 'no-fly zone' intelectual, o Think Tankland [a terra dos centros de estudo].
Na verdade, os europeus gostariam de “isolar” a Rússia – como se 12% da população mundial estivesse “isolando” 88% da população do mundo (obviamente, a sua “visão” Ocidentofixada ignora completamente o Sul Global). A “ajuda” para a Rússia só virá quando as sanções forem eficazes (leia-se: nunca; o contragolpe será a norma), ou – o sonho molhado último – quando houver uma troca de regime em Moscou.
A Queda
A agente de relações públicas UcroNazista Ursula von der Lugen apresentou o sexto pacote de sanções da (Des)União Europoodle.
O topo da relação é excluir mais três bancos russos do SWIFT, incluindo o Sberbank. Já foram excluídos sete bancos. Isso fará cumprir o “isolamento total” da Rússia. É inútil comentar sobre algo que só engana a LügenPress [imprensa de mentira, em alemão].
Depois, vem o embargo “progressivo” nas importações de petróleo. Não haverá mais petróleo cru importado para a União Europeia dentro de seis meses, e não mais produtos refinados até o fim de 2022. Ficando como está, o IEA mostra que 45% das exportações de petróleo da Rússia vão para a União Europeia (sendo 22% para a China e 10% para os EUA). A Voz do Seu Mestre continua e continuará a importar petróleo russo.
E, obviamente, outras 58 sanções “pessoais” também são apresentadas, visando personagens muito perigosos como o Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa [Russa] e a esposa, o filho e a filha do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Esta assombrosa exibição de estupidez terá que ser aprovada por todos os membros da União Europeia. É garantida a revolta interior, especialmente da Hungria, ainda que tantos sigam dispostos a cometer um suicídio de energia e de bagunçar enormemente as vidas dos seus cidadãos para defender um regime neonazista.
Alastair Crooke chamou a minha atenção para uma interpretação surpreendente e original sobre o que está ocorrendo, oferecida em russo por um analista sérvio, o Prof. Slobodan Vladusic. A tese principal dele, resumidamente, é: “A Megalópole odeia a Rússia porque esta não é Megalópole – ela não entrou na esfera do anti-humanismo e é por isso que ela permanece sendo uma civilização alternativa. Consequentemente, aí está a Russofobia”.
Vladusic afirma que a guerra intra-eslava na Ucrânia é “uma grande catástrofe para a civilização Ortodoxa” - espelhando a minha recente tentativa de abrir um debate sério sobre o Choque de Cristianismos.
No entanto, o cisma maior não é sobre a religião, mas sobre a cultura: “A diferença-chave entre o antigo Ocidente e a atual Megalópole é que a Megalópole renuncia programaticamente à herança humanista do Ocidente.”'
Agora, então, “é possível apagar não só o cânone musical, mas também a herança humanística europeia inteira: toda a literatura, as artes finas, a filosofia” por causa de uma “trivialização do conhecimento”. O que sobra é um espaço vazio, na verdade é um buraco negro cultural, “preenchido por termos promocionais como 'pós-humanismo' e 'trans-humanismo'.”
E aqui, Vladusic chega ao cerne da questão: a Rússia se opõe ferozmente ao 'Great Reset' forjado pelas “hackeáveis” autodenominadas “elites” da Megalópole.
Sergey Glazyev, que agora coordena o rascunho de um novo sistema financeiro/monetário para a União Econômica da Eurásia (EAEU – Eurasia Economic Union) em parceria com os chineses, adota Vladusic para os fatos no terreno - aqui em russo e aqui numa tradução imperfeita ao inglês [nota do tradutor: ver a tradução deste mesmo ensaio de Glazyev ao português, preparada para o Brasil 247].
Glazyev é muito mais brusco aqui do que nas suas meticulosas análises econômicas. Enquanto assinala os objetivos do 'Deep State' de destruir o mundo russo, o Irã e bloquear a China, ele salienta que os EUA “não serão capazes de vencer a guerra híbrida global”. Uma razão-chave para isso é que o Ocidente coletivo “colocou todos os países independentes frente à necessidade de encontrar novos instrumentos monetários globais, mecanismos de segurança de riscos, restaurar as normas da lei internacional e criar os seus próprios sistemas de segurança econômica.”
Sim, então, isto é 'Totalen Krieg' [guerra total, em alemão] – como Glazyev decifra sem atenuação, e como a Rússia denunciou esta semana na ONU: “A Rússia precisa se opor aos EUA e à OTAN na sua confrontação, levando-a à sua conclusão lógica, de modo a não ser despedaçada entre eles e a China, que está irrevogavelmente tornando-se a líder da economia mundial.”
A História poderá, 77 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, registrar que os psicóticos neocons/neoliberalcons nos silos de Washington que instigaram a guerra inter-eslava ao ordenar que Kiev lançasse uma guerra-relâmpago contra o Donbass foi o que levou à Queda do Império dos EUA.
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