Mas vocês não pregavam “aceitação” de decisões da Justiça?
O que sobra é a hipocrisia, o oportunismo, a literal falta de vergonha na cara dos que, há poucos dias, pregavam que decisões do STF tinham que ser aceitas incondicionalmente
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Não poderia haver prova maior da hipocrisia surreal que se estabeleceu neste país a partir do julgamento da Ação Penal 470 (vulgo mensalão) do que a reação da mídia e de parte dos ministros do STF ao perderem a última etapa de um jogo que ganharam de lavada em 2012 ao conseguirem condenar a penas duríssimas os condenados pelo julgamento daquela ação.
Ironicamente, pouco antes de o Supremo votar os embargos infringentes interpostos pelos condenados ao fim da primeira etapa do julgamento em tela, os jornais antipetistas exaltaram a conduta do delator do mensalão, Roberto Jefferson, ao proclamar que aceitaria a pena que lhe fora imposta, à diferença do que fizeram os condenados petistas, o próprio PT e seus simpatizantes, que teimam em repelir aquele juízo.
Uma apresentadora de telejornal chegou a propor a concessão de uma "medalha de honra ao mérito" ao delator, condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Para que não reste dúvida, vai, abaixo, a locução estarrecedora de alguém que vem dando sucessivos shows de irracionalidade ao vivo, à cores e em uma concessão pública.
A farta apologia à submissão incondicional às decisões da Justiça, assim, vai se mostrando a farsa que sempre foi.
Na Folha de São Paulo de 27 de fevereiro, por exemplo, manchete principal de primeira página tratou de pressionar os ministros que ainda não tinham votado pela rejeição do crime de formação de quadrilha ao praticamente criminalizar a decisão do ministro Luis Roberto Barroso, que rejeitou o crime de quadrilha a 8 réus do mensalão.
Uma colunista desse jornal chegou a qualificar a revisão do STF sobre sua decisão de apenar os condenados do mensalão por formação de quadrilha como "Cena própria de Santos versus São Paulo".
Na sessão do Supremo transmitida para todo o país pela televisão no mesmo 27 de fevereiro foi a vez da minoria de juízes que manteve a condenação por quadrilha de se pronunciar, haja vista que, no dia anterior (26), à exceção do ministro Luiz Fux, fora a vez da maioria que absolveria aqueles réus.
Os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Joaquim Barbosa excederam Fux, que manteve sua decisão de 2012, e passaram a acusar veladamente os ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber.
Aliás, Barbosa acusou Barroso, explicitamente, de ter chegado ao Supremo Tribunal Federal com a missão de votar como votou, sugerindo que seguia ordens da presidente Dilma Rousseff, que o nomeou...
Mendes, os dois Mellos e Barbosa aludiram a uma "maioria conjuntural" que absolveu os réus, insinuando que, caso a constituição do STF fosse outra, tais réus teriam sido condenados.
A pergunta que não quer calar, pois, é a seguinte: a reviravolta no STF não prova que quem condenou os réus em 2012 a quadrilha e a outros crimes também integrou uma mera "maioria conjuntural"?
Em que a "maioria conjuntural" de hoje é menos legítima do que a de ontem? Maiorias só são legítimas quando votam como querem esses ministros ora derrotados e a mídia à qual tanto agradaram no ano retrasado?
A verdade dos fatos é uma só: os ministros do STF têm preferências políticas. A maioria que votou agora tem uma posição política e ideológica diferente da maioria que votou em 2012. Se o ex-presidente Lula e a presidente Dilma tivessem sido mais criteriosos ao escolher alguns ministros que escolheram e se um ex-presidente não tivesse colocado um correligionário naquela Corte antes de entregar o poder ao PT as condenações de políticos petistas poderia nunca ter existido.
A condição de Corte politizada que tem o STF, pois, fica evidenciada na decisão de quarta (26) para quinta-feira (27). É o que deve ser entendido. Muitos não gostaram da decisão dessa Corte em 2012, tantos outros tampouco gostaram da decisão inversa de agora. Que todos reflitam, pois, sobre a fórmula para escolher ministros do Supremo.
José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha foram condenados politicamente por uma maioria conjuntural e, por conta do viés político daquela condenação, alguns dos que poderiam não ter sido condenados acabaram sendo, pois suas condenações serviram a propósitos políticos.
Esses são os fatos.
É fato, também, que a posição política dos ministros que chegaram ao STF só no ano passado reverteu as condenações de quadrilha e, como temem (com toda a razão) os ministros ora derrotados, com isso desmoralizou a decisão anterior favorável àquelas condenações.
Eis por que a irritação – e até mesmo o descontrole emocional – que atingiu Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa, ainda que Luiz Fux tenha se preservado ao não dar chilique.
Resta dizer que quando se alude a posições políticas dos ministros não vai aí nenhum juízo demeritório contra eles. Nesta tese, aceita-se posicionamento político como decorrência do processo de escolha de ministros do STF, ou seja, através de decisões de políticos – do presidente da República e do Senado.
O que sobra, portanto, é a hipocrisia, o oportunismo, a literal falta de vergonha na cara dos que, há poucos dias, pregavam que decisões do STF tinham que ser aceitas incondicionalmente inclusive pelos condenados do mensalão, mas que, quando aquela Corte os contraria, jogam tal premissa no lixo e se entregam ao bom e velho jus sperneandi.
Ao menos disfarcem a incoerência, senhores.
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