Marielle e a volta ao trágico-normal

"Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres", avalia o colunista do 247 Aldo Fornazieri; para ele, os líderes da esquerda precisa dizer ao País que não admitem mais o desmantelamento de direitos; "Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece"

"Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres", avalia o colunista do 247 Aldo Fornazieri; para ele, os líderes da esquerda precisa dizer ao País que não admitem mais o desmantelamento de direitos; "Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece"
"Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres", avalia o colunista do 247 Aldo Fornazieri; para ele, os líderes da esquerda precisa dizer ao País que não admitem mais o desmantelamento de direitos; "Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece" (Foto: Aldo Fornazieri)


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A brutal execução da vereadora Marielle Franco provocou uma onda de choque emocional que atingiu praticamente todo o Brasil. O choque despertou forças anímicas de indignação, revolta, tristeza, compaixão, solidariedade e dor nos mais diversos setores sociais. Fora algumas manifestações hipócritas é de se crer na sinceridade dessas diversas manifestações sentimentais com o ocorrido.

Com o início da nova semana, contudo, a onda de choque perde poder de propagação e as forças anímicas se enfraquecem e tudo voltará ao trágico-normal da sociedade brasileira. Claro, Marielle será uma heroína no PSol e inspirará dezenas de ativistas em torno das causas das mulheres e negras, dos jovens pobres e negros das periferias, dos direitos humanos e assim por diante. Mas o trágico-normal será mais forte com o passar dos dias e a dor silenciosa e persistente ficará apenas na alma dos familiares de Marielle e de seus amigos e amigas mais próximos.

O que é o trágico-normal? É a tragédia naturalizada no Brasil, integrada ao nosso cotidiano de violência, que entra em nossas mentes pela TV, pela Internet, pelo noticiário. A aceitamos como algo normal em nossas vidas, como algo constitutivo da paisagem social, cultural, política e mental do nosso dia-a-dia. O trágico-normal é a morte do menino Benjamin de apenas um ano, atingido na Favela do Alemão. O trágico-normal são as mulheres grávidas baleadas e os ainda não nascidos atingidos por balas perdidas no ventre das mães.

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O trágico-normal são as milhares de mulheres espancadas no silêncio do lar ou nas ruas e, muitas delas, assassinadas pelos seus companheiros ou ex-namorados. O trágico-normal são os jovens pobres e negros assassinados todos os dias, muitas vezes pela própria polícia que deveria protegê-los. São mortos simplesmente por serem jovens pobres e negros.

O trágico-normal são os mortos e torturados da ditadura, é a execução de Chico Mendes é o assassinato de líderes indígenas, sem terra e ativistas ambientais e dos direitos humanos. Nos últimos 5 anos foram quase duzentas assassinatos documentados de líderes e ativistas. Só nos lembramos deles nos momentos de ondas de choque emocional. É até por isso que não devemos alimentar muito a ilusão de que Marielle se tornará uma heroína nacional estampada em estandartes, cartazes e bandeiras seguidos por milhões de negras e negros, de jovens, trabalhadores, estudantes e intelectuais a desfraldarem as suas insígnias na praça dos Três Poderes, no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Seria a suprema e merecida homenagem a essa lutadora corajosa. Mas não somos capazes de glorificá-la a este ponto. Seria também a suprema homenagem aos outros bravos lutadores que tombaram pelas balas covardes dos sempre atocaiados contra a justiça e a igualdade.

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Diga-se, ainda, que o trágico-normal são os 174 assassinatos diários, os quase 62 mil assassinatos anuais, fora as outras formas de violência. Em oito anos de guerra na Síria, com superpotências envolvidas e com uma brutalidade inominável, morreram de 511 mil pessoas - cerca de 62,8 mil por ano. No silêncio do nosso trágico-normal matamos, praticamente, tanto quanto.

Os assassinos de Marielle, tenham sido eles milicianos, policiais ou traficantes, foram apenas executores das ordens emanadas de um sistema criminoso e corrupto. Note-se que há o assassinato seletivo de líderes e ativistas em todo o Brasil: são assassinados aqueles ativistas que estão lá na ponta, aqueles que têm a coragem de enfrentar e denunciar os males e a brutalidade do sistema lá em baixo, onde nós, intelectuais, parlamentares, líderes partidários, estudantes, advogados, não chegamos.

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Marielle não foi morta por ser vereadora do PSol, mas porque era vereadora do PSol que enfrentava o sistema onde ele manifesta a sua face mais criminosa: lá onde estão os pobres, onde estão as periferias. Pode-se ser radical nos parlamentos, nas universidades, mas não nas periferias. Não junto aos pobres.

Milicianos e organizações criminosas são o Estado operando na ilegalidade, são expressão desse Estado e desse sistema criminosos. Não nos iludamos quanto a isso. Milicianos e crime organizado são males que precisam ser combatidos. Mas será como enxugar gelo se forem combatidos apenas em si mesmos, sem mudar esse sistema.

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Em todos os lugares, o Estado ilegal e violento só é possível enquanto operador do Estado legal quando este se tornou presa de esquemas e quadrilhas de corruptos e criminosos. Quadrilhas governamentais corruptas e criminosas são cúmplices e avalistas do Estado ilegal delinquencial e violento. O Estado legal é prisioneiro de grupos particularistas, que o saqueiam sistematicamente para auferir renda e riqueza, transferindo recursos dos pobres para os ricos. Foi este sistema que matou Marielle e tantos outros ativistas, escolhidos para morrer de forma seletiva.

Os líderes progressistas precisam assumir uma responsabilidade maior

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A forma brutal com que Marielle foi ceifada e os emblemas de suas lutas conferiram-lhe grande reputação e poder simbólico. Para combater estas significações, desencadeou-se uma guerra pérfida na Internet, eivada de mentiras monstruosas, contra a sua reputação, contra a sua dignidade e contra a sua memória. Essa guerra é assimilada por pessoas das classes médias baixas e pessoas pobres. Eles têm em seus celulares vídeos, que foram produzidos às dezenas pelos centros de operação dessa guerra, para mostrar que Marielle "defendia bandidos", simplesmente por combater a morte de jovens negros e pobres. Essas pessoas, enganadas em sua boa fé, amedrontadas com a falta de segurança e de perspectivas, simpatizam com Bolsonaro. Trata-se de um enorme problema para as esquerdas porque as esquerdas ficam indignadas contra essas canalhices, o que é justo, mas as esquerdas não sabem fazer esta guerra.

As esquerdas precisam acordar de seu sono entorpecedor e perceber que estamos imersos numa guerra de vastas proporções, travada em várias frentes e de forma sofisticada, envolvendo valores e interesses. Aqueles que avaliam que a batalha está vencida porque o governo está desmoralizado e porque Lula lidera as pesquisas e, se não puder ser candidato elegerá um ungido, enganam-se. Assim como agem para impedir e silenciar Lula, agirão para desmoralizar qualquer substituto seu. O fato é que as esquerdas não estão preparadas e nem aparelhadas para enfrentar a guerra em curso, cuja última instância é o assassinato.

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Passada a onda de choque, a tendência natural das esquerdas é a de se voltarem para embate eleitoral. Uns defenderão Lula, outros o Boulos, terceiros a Manuela e quartos o Ciro Gomes. Esta é a realidade posta. Mas, neste momento, é preciso um freio de arrumação em tudo isso. A realidade cobra uma responsabilidade maior dos líderes. Esses candidatos deveriam sentar-se numa mesma mesa, não para buscar uma unidade que não virá, mas para definir um manifesto à nação, ao povo brasileiro, traçando uma linha divisória, um risco no chão, para dizer que não admitirão que ele seja cruzado pelas forças corruptas e criminosas que mandam no país e que têm seus braços operacionais no Estado ilegal e violento. Esse manifesto deveria ser uma diretriz de luta de todos os partidos e movimentos progressistas.

Estes lideres, de forma conjunta, precisam dizer que lutarão por uma democracia que não existe para a imensa maioria dos brasileiros. Precisam dizer que não admitem mais o desmantelamento de direitos. Precisam dizer que os brasileiros não suportam mais a desigualdade, a injustiça e a violência contra o povo e os pobres. Precisam dizer que não aceitarão mais a violação da ordem constitucional pelo próprio Judiciário. Se fizerem isto, estarão prestando a homenagem que Marielle merece.

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