Mansueto quer eliminar Federação comprando estados a prestação
O Governo federal se propõe comprar por 30 dinheiros a soberania dos Estados. Trinta dinheiros, no caso, são 10 bilhões de reais por ano para que os Estados se transformem em simples apêndices administrativos do Governo federal
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O Governo federal se propõe comprar por 30 dinheiros a soberania dos Estados. Trinta dinheiros, no caso, são 10 bilhões de reais por ano para que os Estados se transformem em simples apêndices administrativos do Governo federal, praticamente sem autonomia política. Para receber migalhas – imagine 10 bilhões por ano, para 27 Estados! – os governos estaduais devem vender todas as suas empresas, eliminar incentivos fiscais como instrumento de política econômica regional e, o filé da proposta, privatizar a água.
É uma violência à Constituição, pela porta dos fundos. Aproveitando-se de uma crise de finanças públicas estaduais que ele próprio criou, o Governo atropela o princípio constitucional que estabelece em seu artigo 18º : “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição.” A regra é clara: a autonomia dos Estados não pode ser vendida. Mesmo que alguns governadores queiram.
Paulo Guedes deu a um subalterno, Mansueto Almeida, a concepção desse plano para destruir a soberania política dos Estados e a Federação. Mansueto, como ele, é uma espécie de pau para toda obra no campo da violação de princípios de finanças públicas. Por onde passou reduziu as finanças públicas a cortes de gastos e a ameaça de aumento de impostos. É como se, no arsenal de medidas econômicas que manejam, não existe política financeira – isto é, juros que remuneram a dívida pública – e política monetária, isto é, emissão de dinheiro.
O chamado Plano Mansueto é a proposta mais arrogante, mais grotesca, mais pretensiosa, mais infame que se poderia conceber para regular relações entre União e Estados. Quer colocar os Estados de joelhos diante do Governo federal e reduzi-los a um papel de simples gerentes administrativos, privados, na prática, de iniciativa política no campo do investimento. Só tem um mérito: admite que a União pode dar R$ 10 bilhões por ano aos Estados. Isso significa que, com pressão no Congresso, pode dar mais, e sem contrapartida.
O tal Plano Mansueto ignora a razão última da crise financeira dos Estados, isto é, a dívida que lhe foi imposta com uma negociação draconiana em 1998. Dessa dívida espúria, inicialmente de R$ 111 bilhões, nada menos que R$ 277 bilhões foram pagos até 2016, restando a pagar absurdos R$ 512 bilhões. Note-se o que foi pago indevidamente. Mas do lado do crédito, os Estados tem a receber da União mais de R$ 500 bilhões referentes a compensações pela Lei Kandir. E existe ainda ressarcimento pela DRU, cujo valor não estimei.
Se houvesse algum grau de honestidade e de respeito a princípios federativos na discussão com os Estados, o Governo federal começaria por restituir o que foi pago por eles, indevidamente, por pagar o que lhes deve pela Lei Kandir e, obviamente, perdoar a dívida remanescente, por indevida. Com a DRU, chegaríamos facilmente a cerca de 1 trilhão de reais para os Estados. Sabem o que deveria ser feito com esses recursos? Um grande programa regionalizado de pleno emprego e de relançamento da economia, nos moldes do New Deal.
Esse programa deveria ser inscrito na própria lei que o aprovaria. Com isso, se afastaria o preconceito de que os Estados são sempre gastadores e incompetentes, e não poderiam ter à mão muito dinheiro. Quanto ao financiamento, poderia ser feito em três ou quatro tranches, com base em títulos da dívida pública. Numa recente polêmica, o economista André Lara Resende, um dos maiores pensadores econômicos do país, mostrou, usando “finanças funcionais”, que um Estado que emite a própria moeda não tem limites para emissão (de dívida) enquanto houver capacidade ociosa na economia, ou seja, oferta maior que demanda. Essa é justamente a situação em que estamos.
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