Manoel Soares e o racismo institucional onde a corda sempre arrebenta para o lado do mais preto
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Faz tempo que estamos acompanhando os desafios que o apresentador Manoel Soares da Rede Globo, tem enfrentado para desempenhar o seu trabalho e ser respeitado por sua colega de programa, a jornalista e apresentadora Patrícia Poeta, que, desde que os dois começaram a trabalhar juntos no “Encontro”, nunca fez questão de esconder que não estava muito satisfeita com a sua companhia. O desencontro entre ambos é tão constrangedor para quem assiste à atração, que o programa poderia se chamar “tirem esse preto de perto de mim” ou “alguém avisa a essa branca que eu também sou apresentador” Pesado, não é? Pois é! O racismo pesa mesmo. Sobre as suas vítimas, é claro.
Lendo o texto publicado pela jornalista Milly Lacombe na sua coluna no UOL, sobre o último episódio desconfortável envolvendo os dois apresentadores globais, me deparei com uma análise bem interessante pela articulista, que chama a atenção para as “muitas camadas de identidade” que atravessam a dinâmica entre os dois apresentadores. Milly evoca dois estereótipos que a estrutura racializada em que vivemos criou e que são difíceis de serem desconstruídos na mente da nossa sociedade. O da mulher branca dócil e privilegiada e o do homem preto submisso ao poder que institucionalmente emana da cor da pele dessa mulher. E Patrícia Poeta sabe muito bem como fazer uso desse “poder”. Tanto, que não será nenhuma surpresa - pelo menos para mim - se ela se transformar em vítima da história que ela mesma criou.
Há poucos dias discutiu-se o uso do termo “racismo estrutural”, quando o sociólogo Muniz Sodré, em entrevista à Folha de São Paulo, contestou o conceito e definiu o racismo como institucional e intersubjetivo, o que, na opinião do professor, o torna mais difícil de combater. Tomando como exemplo o caso de Patrícia e Manoel, percebemos que a relação entre os dois é intersubjetivada pelo comportamento de Poeta em relação ao seu colega, que está baseado na realidade social particular em que a apresentadora vive e que Soares é compelido a se submeter. No entanto, Manoel experimenta esse fenômeno de um local diferente, onde apenas um número ínfimo de pretos e pretas conseguem chegar. Isso atribui a essa relação uma característica ainda mais problemática. Afinal, Manoel Soares, em tese, estaria no mesmo patamar em que Patrícia Poeta, mas não é permitido a ele que se acomode naquele lugar como alguém pertencente a ele.
Se a relação entre os indivíduos dentro de um ambiente se localiza no campo da ação e na liberdade de ação, é necessário saber negociar com o outro para que essa relação, de fato, apresente um diálogo respeitoso e empático. O que não ocorre entre Patrícia e Manoel, porque a jornalista limita a liberdade de ação do apresentador por, talvez, se sentir superior a ele. E o fator racial está implícito nessa questão. O que me faz concordar com o sociólogo Muniz Sodré, uma vez que, apenas por um conceito institucional de racialização, Patrícia se sentiria tão à vontade para constranger Manoel Soares, ao vivo, a cores e para todo o Brasil assistir, sem nunca ter sido advertida pela direção da emissora onde ambos são contratados. Dentro de um conceito institucional de organização, uma empresa deve chamar a atenção do público para as suas características, valores e capacidade de realização. Deixando claro - sem trocadilhos ou licença patrícia-poética – a oficialização de um conceito.
No caso do racismo, a ideia oficial é de que o branco é superior e qualquer outro tipo de inclusão social é adaptação à regra. Sendo assim, o preto, que é o incluso, fica submetido à tolerância e à aprovação do “dono” do ambiente. E quando este não o enxerga com bons olhos, não é por racismo. É apenas uma espécie de rejeição natural a um corpo estranho ao meu lugar, ao meu habitat natural. A propaganda institucional racista não precisa apresentar pretos e pretas como inferiores, porque essa característica já está implícita nos privilégios detidos historicamente pela branquitude em todos os espaços sociais de poder e de visibilidade. Manoel Soares mesmo estando certo, está no lugar errado ou que deveria, por conceito institucional de uma sociedade racista, estar sendo ocupado por um branco. E não serão poucos aqueles que dirão que o erro foi ter colocado os dois juntos. Quando, na verdade, estão querendo dizer que o erro foi ter colocado o preto no ambiente em que a branca já reinava.
Enquanto uma estrutura pode ser derrubada, o mesmo não se aplica a um conceito. Ainda que muitos se oponham a ele, tal mentalidade perpassa gerações através do conservadorismo de seus entusiastas, que o transmite como uma virtude para a sua descendência. No máximo, ele se torna anacrônico. O que não extingue o seu grau de letalidade social, em casos de ideias concebidas através do preconceito e estabelecidas sob intolerância. O racismo à brasileira é tão complexo, que ficamos em dúvida se ele é estruturalmente institucional e institucionalmente estruturado. É como aquela antiga propaganda dos biscoitos tostines, que não sabíamos se vendia mais porque estava sempre fresquinho, ou se estava sempre fresquinho porque vendia mais. A única coisa que sabemos com alguma certeza, é que esse filme institucional termina com a corda arrebentando sempre para o lado do mais preto. Manoel Soares que se cuide!
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