Mandetta e a desconexão com a realidade dos municípios brasileiros
A visão deturpada do ministro Mandetta é a visão míope de quem age como coronel do cangaço sul mato-grossense. Apenas demonstra sua pequenez no que se refere a cordialidade e respeito às cidades
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A fala no parágrafo abaixo é do ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta e ele fala sobre o CORONAVÍRUS e usa como exemplo uma situação ocorrida em Cotia, cidade da Grande São Paulo, em razão do combate à pandemia do Coronavírus; não se sabe o que é mais impressionante: se a postura arrogante e pouco sensível com o esforço da cidade em construir uma ação política no combate ao coronavírus ou a pouca disposição em compreender o funcionamento da democracia no nosso país.
“Não adianta pensar lá na sua estrutura municipal, ahhh, eu preciso, teve aí um prefeito em Cotia. Ele entrou, falou, já que a fábrica é aqui no meu município eu peguei uma liminar, e teve um juiz que deu a liminar. O senhor está errado também de ter dado também essa liminar, para que ele entrasse lá dentro e retirasse 30 respiradores da fábrica. É inadmissível, porque em Cotia pode ser necessário, 5, 10, 15 mas pode ser que aqui do lado no Rio de Janeiro esteja precisando de desesperadamente de 1 ou 2. Não pensem que vocês vão, todo o Brasil, vai colocar em toda cidade brasileira um enorme CTI porque não existe nem sequer pessoas suficientes para operar C.T.I´s onde não existe essa expertise”
Luís Henrique Mandetta, Ministro da Saúde em entrevista coletiva no dia 28/03/2020.
A visão deturpada do ministro Mandetta é a visão míope de quem age como coronel do cangaço sul mato-grossense. Apenas demonstra sua pequenez no que se refere a cordialidade e respeito às cidades, bem como um desconhecimento absoluto sobre o plano de ação da municipalidade Cotiana, mas isso é esperar muito de quem é subalterno de Jair Bolsonaro. Parece que ser grotesco é um pressuposto para ocupar um ministério neste governo. Isso sem contar na dificuldade que ficou explícita em sua compreensão do que significa separação de poderes, obediência à lei e ao direito.
É legítimo a qualquer cidadão brasileiro, peticionar e buscar socorro no Poder Judiciário quando se sentir atingido pela ação de outrem ou do estado. O direito de petição é constitucionalmente assegurado pelo art. 5.º, XXXIV, "a", da CF/88, nos seguintes termos: "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder". Quando esse direito de se socorrer ao Poder Judiciário nasce de um representante da sociedade, no caso um prefeito, então, isso se potencializa de forma absoluta, como preceitua o Art 1º, Parágrafo Único, da Constituição Federal.
Um representante eleito já não fala mais por si, pois “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. No mesmo artigo primeiro da Constituição esta a razão que faz urgente a busca de antecipação das ações antes do impacto da pandemia que se avizinha, III - a dignidade da pessoa humana;
A outra excrescência é um Ministro de Estado dizer que um juiz está errado em dar uma liminar! Onde já se viu um negócio destes! Até bem pouco tempo atrás, ordem judicial não se discutia, se cumpria. Agora, o governo Bolsonaro inaugura um novo tempo. Diz o sacripanta ministro “eu peguei uma liminar, e teve um juiz que deu a liminar. O senhor está errado também de ter dado também essa liminar, para que ele entrasse lá dentro e retirasse 30 respiradores da fábrica. É inadmissível”.
Então, agora, ministros de Bolsonaro vão determinar quando um juiz federal está certo ou errado em conceder decisões com base na lei?? Vamos montar um birô na porta de cada ministério e pedir análise na Esplanada dos Ministérios do que deve ou não deve fazer um juiz?
Dito isso, é necessário compreender como se originam as leis. Como se sabe, somos guiados pela Constituição Federal. E lá no artigo 84, IV de nossa Constituição, está a permissão para que representantes do Poder Executivo lancem mão de decretos governamentais para socorrer a sociedade em situações como estas que estamos vivenciando neste momento, podendo decretar situação de calamidade pública. É o que aconteceu em Cotia e em todo o Brasil.
Assim, determina a Constituição no art. 23 de nossa lei maior que diz: “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção à saúde pública”. Não está dito na lei que as cidades precisam pedir autorização ao governo federal para traçar sua estratégia de proteção à saúde de sua cidade.
Mas está no art. 196 da carta maior a explicitação do que significa a responsabilidade de cada um dos entes federados o dever de promover a saúde pública. Tal ato não é apartado! É corresponsabilidade, entre a União, os estados e os municípios.
“Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em 11 de março de 2020 que o CORONAVIRUS se tornara uma PANDEMIA GLOBAL, a Câmara dos Deputados, em 18 de março de 2020, e o Senado Federal, em 20 de março de 2020, reconheceram a existência de Calamidade Pública Nacional, o governo do estado de São Paulo através do Decreto nº 64.879, também em 20 de março de 2020, reconhece o estado de calamidade pública no Estado de São Paulo e, finalmente a cidade de Cotia, diante da situação, no dia 23/03/2020 baixa o DECRETO Nº 8.689, que declara estado de calamidade pública no Município de Cotia, para o enfrentamento da pandemia decorrente do COVID-19 (Novo Coronavírus).
Essa é a razão de correr contra o tempo e preparar estruturas hospitalares como as que estão sendo construídas em Cotia e em algumas outras cidades da Grande São Paulo. Isso se dá em razão de duas constatações muito explícitas. A primeira é a falta de capacidade que as cidades das regiões metropolitanas em atender o público que se prevê que necessitará de assistência e não terá com a atual estrutura e a segunda é a irresponsabilidade com que o Presidente da República vem tratando o tema da pandemia global do novo Coronavírus.
No exemplo de Cotia, temos uma população oficial de 250.000 habitantes. Se a média de complicações atingir 1% da população, teremos a necessidade de ao menos 2.500 atendimentos. Esse número deixa os prefeitos apavorados com a perspectiva de não oferecer respostas mínimas à sua comunidade. Mas digamos que seja metade disso! Esse número chegaria a absurdos 1.250 enfermos graves. Mas para efeito de comparação e debate, imaginemos que a quantidade seja ¼ do esperado! Daria absurdos 625 pacientes com alguma complexidade e necessidade de atenção. A atual estrutura da cidade não dá conta sequer de 50 pacientes graves ao mesmo tempo. A expectativa é possamos chegar a quase 350 pacientes com necessidade de atenção em C.T.I ou U.T.I.
É essa conta que precisa ser compreendida para que se entenda o que significa a aflição e pressão que estão submetidos os alcaides locais. Essa proporção serve para qualquer outra cidade brasileira. A diferença é que provavelmente, menos de 5% destas cidades tem condições financeiras de arcar com o custo de uma estrutura, mesmo que temporária, como a que Cotia está se propondo financiar.
E isso, evidentemente gera um alívio na estrutura atual do SUS e ao invés de agradecer e procurar se interessar em conhecer a proposta, o governo federal dá de ombros, ofende e desmotiva iniciativas tão importantes como essa, diante da situação de caos que se forma à nossa frente na rede pública de saúde. Cotia propõe uma alternativa. O governo federal, através do seu insensível ministro diz para o prefeito em rede nacional em uma entrevista coletiva que “Não adianta pensar lá na sua estrutura municipal”, ora!
Mas se o prefeito não puder mais pensar na estrutura municipal, quem é que vai pensar? O ministro da saúde? O que quer o ministro? Que as cidades fiquem esperando pela boa vontade de Bolsonaro para começar a tratar o COVID-19 como uma pandemia e não como uma gripezinha? Estamos vendo a ação do governo federal todos os dias. A maior contribuição que o presidente deu até agora, foi instruir comerciantes e donos de empresas a processar os prefeitos pelas demissões que eventualmente o decreto municipal faça ocorrer, esquece o sabujo presidente que o primeiro decreto de calamidade é dele próprio.
Defender os interesses da sociedade não é apenas dever de ofício dos prefeitos. É obrigação. O prefeito de Cotia tem que estar protegido em sua função de defender os interesses de nossa cidade. Os juízes e o Ministério Público, garantidos em sua independência e autonomia e o governo federal precisa começar a governar o país, ou renunciar para que alguém com capacidade possa fazê-lo.
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