Malan escolhe Kissinger para ironizar Lula

Recomendar Henry Kissinger como conselheiro requer apagamento histórico. A sinistra figura contribuiu fortemente para a ascensão da Nova Direita

Henry Kissinger
Henry Kissinger (Foto: Reuters/Annegret Hilse)


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Paulo Henrique Arantes

Agora é Pedro Malan quem se arvora a dar conselhos ao governo. O ex-comandante da economia durante os anos neoliberais de Fernando Henrique Cardoso o faz mediante reprodução, no Estadão do domingo 11, de lições de Henry Kissinger a “aspirantes a líder”. Malan arrisca uma ironia a Lula, nitidamente posicionando-o como alguém que almeja a uma liderança ainda não alcançada. A forma como o presidente brasileiro é recebido e ouvido mundo afora torna inepta a tentativa de Malan.

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De todo modo, a escolha do palpiteiro indireto deveria ser repensada. O centenário ex-secretário de Estado americano costuma ser cultuado pela inteligência ímpar e o talento diplomático, assim como pela capacidade de tirar leite de pedra nas relações internacionais, como demonstrado na improvável aproximação que costurou entre Richard Nixon e Mao Tsé Tung há 50 anos, na assinatura de tratados de desarmamento e em outras iniciativas louváveis. Mas nada disso pode falar mais alto que a frieza com que idealizou a invasão do Camboja, por exemplo, cujo resultado foram milhares de mortos civis em um país neutro na guerra do Vietnã.

Há farta literatura biográfica sobre Kissinger, quase sempre classificando-o como paranoico. Seymour Hersh, em “The Price of Power”, de 1983, trata-o como um paranoico presunçoso, oscilante entre a crueldade e a bajulação, a buscar antes de tudo o avanço na carreira. Talvez a obra mais completa, documentalmente, seja “Nixon e Kissinger – Parceiros no Poder”, de Robert Dallek, publicada em 2007. São 700 páginas que nos brindam logo na “orelha” com sentenças como estas: “Nixon e Kissinger tramaram ações inescrupulosas, como o devastador bombardeio do Vietnã do Norte em dezembro de 1972 – sorrateiramente decidido quando o Congresso dos Estados Unidos estava em recesso. Também conspiraram contra Salvador Allende no Chile, apesar dos muitos relatórios, procedentes de todos os lados do governo americano, afirmando que o socialista não era uma ameaça. Ainda fizeram de tudo para encobrir os escândalos mais variados que rondavam os salões da Casa Branca, e que resultaram no caso Watergate e na renúncia de Nixon”.

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Malan não poderia escolher pior fonte para ironizar Lula, desde sempre um antibelicista.

Outra obra biográfica sobre Henry Kissinger, menos documental e mais espirituosa, é “A Sombra de Kissinger”, esta de 2015, de Greg Grandin. O autor nos dá conta de que, “produto de uma nova meritocracia pós-guerra, Kissinger rapidamente aprendeu a usar a mídia, manipular jornalistas, cultivar elites e influenciar a opinião pública em seu beneficio”.

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Grandin nos apresenta Kissinger como “um mestre em promover a proposição de que as políticas dos Estados Unidos e a violência e a desordem no mundo não têm nenhuma relação, em especial quando se tratava de prestar contas pelas consequências de suas próprias ações”.

Recomendar Henry Kissinger como conselheiro, com faz Pedro Malan no Estadão, requer   apagamento histórico. A sinistra figura contribuiu fortemente para a ascensão do que hoje se convenciona chamar de Nova Direita. Mais uma vez, vale citar Greg Grandin: “Ao longo de sua carreira, ele (Kissinger) promoveu um conjunto de premissas que seriam adotadas e ampliadas por intelectuais neoconservadores e formuladores de políticas: de que palpites, conjeturas, vontade e intuição são tão importantes quanto fatos e informações sérias para orientar políticas, de que conhecimento demais pode enfraquecer a determinação, de que a política externa precisa ser arrancada das mãos de especialistas e burocratas e entregues a homens de ação e de que o princípio da autodefesa prevalece sobre o ideal de soberania”.

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Tais princípios “kissingerianos” mantêm vivo o imperialismo americano.

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