Mais uma elevação da Selic
Paulo Guedes nunca escondeu seu desejo de privatizar tudo e de apertar ao máximo possível o torniquete em termos de austeridade fiscal
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Esse povo do sistema financeiro adora encher a boca para carregar de elogios ao sistema de política econômica dos Estados Unidos. Para os arautos do neoliberalismo e defensores do modelo de perpetuação das desigualdades em nossas terras, os norte-americanos é que estão corretos na organização da sua economia e da sua sociedade. Talvez essa seja uma das razões pelas quais o discurso do candidato a todo-poderoso no comando da economia do governo Bolsonaro tenha encontrado tanta receptividade e eco junto a essa parcela da elite endinheirada. Afinal, Paulo Guedes nunca escondeu seu desejo de privatizar tudo e de apertar ao máximo possível o torniquete em termos de austeridade fiscal e de arrocho na política monetária.
Pois esse é o pessoal que adora dar uma esticadinha a Miami sempre que pode, mas fica enraivecido quando os setores da base de nossa pirâmide da injustiça social e da concentração econômica se atreviam a fazer o mesmo em suas férias. Quem não se lembra do sincericídio cometido por Paulo Guedes em fevereiro de 2020. Sim, o mesmo banqueiro que havia acabado de passar suas férias na Flórida, mas não admitia de forma alguma que a maioria da população brasileira pudesse fazer o mesmo:
(…) “Todo mundo indo pra Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia. Uma festa danada. Peraí. Vai passear ali em Foz de Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, cheio de praia bonita. Vai pra Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que tá cheio de coisa bonita pra ver” (…)
Ora, se a tal admiração pelo “american way of life” fosse realmente para valer, os integrantes da equipe econômica e seus bajuladores nos grandes meios de comunicação deveriam propor que o Brasil incorporasse também a sistemática de estabelecimento da política monetária vigente há décadas nos Estados Unidos. Pelas regras existentes na terra do Tio Sam, a missão da autoridade responsável pela economia é balizada por dois parâmetros. Por um lado, os dirigentes do Federal Reserve (o “Fed”, na forma carinhosa pela qual o Banco Central é chamado por lá) devem se preocupar com o nível geral dos preços, para evitar processos inflacionários. Mas, por outro lado, os sete membros do colegiado têm por missão também assegurar o maior nível de emprego possível. Tudo isso conjugado à preocupação em atender a sua função de órgão regulador do sistema financeiro, preservando taxas de juros moderadas no sistema de crédito.
American way of life, ma non troppo.
Se fosse por aqui, por muito menos deveriam ser logo taxados de comunistas, intervencionistas, demagogos e populistas. Afinal, vejam a “ousadia” que podemos encontrar na página do próprio Fed na internet:
“A política monetária nos Estados Unidos compreende as ações e comunicações do Federal Reserve para promover o máximo de emprego, estabilidade nos preços e taxas de juros moderadas de longo prazo – as metas econômicas que o Congresso instruiu o Federal Reserve a perseguir.” (em tradução livre do autor)
Caso esse tipo de abordagem estivesse valendo para a nossa realidade, com certeza os rumos da política monetária e da política econômica teriam sido muito diferentes daquilo que vem sendo praticada há décadas. Mas chama atenção, em especial, a realidade dos últimos tempos já durante o governo Bolsonaro. A evolução do comportamento da taxa oficial de juros parece obedecer a critérios extraterrestres e o diagnóstico que embasa as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) deve pertencer a entes atuantes em uma realidade paralela.
Esse colegiado que se reúne a cada 45 dias para deliberar a respeito do patamar da Selic é composto exatamente pelos 11 integrantes da diretoria do BC. A liturgia do cargo e do poder faz com que eles passem uma terça e uma quarta-feira para discutir sobre a realidade econômica brasileira e internacional, para então finalmente deliberar sobre a taxa de juros. Ocorre que toda essa pompa que reveste cada um dos encontros é praticamente desnecessária, uma vez que o comitê quase sempre opta por referendar as famosas “expectativas do mercado”. O BC realiza semanalmente uma enquete bem seletiva junto aos integrantes da alta direção de instituições privadas atuantes no sistema financeiro. Não são ouvidas vozes críticas às teorias da ortodoxia e do monetarismo. Afinal, não se pode correr o risco de “contaminar” a pureza da narrativa da ortodoxia e do doutrinarismo. Um banho de realidade e bom senso é sempre muito perigoso sob tais circunstâncias.
Financismo, Focus, Copom, Bacen: relações incestuosas.
Assim, o resultado da pesquisa Focus aponta para aquilo que o Copom deverá decidir na sequência. E há 4 semanas, a nata do financismo tem apontado para a necessidade de uma taxa oficial no nível de 9,25% ao ano. As editorias de economia da grande imprensa se encarregam de apertar o cerco e colocar um bonito laço no pacote, criando a falsa ilusão de que existe um suposto consenso dentre os “especialistas” a esse respeito. Mentira! Ouvem apenas os que participam da pesquisa ou os que comungam da defesa dos interesses do sistema financeiro. E ponto final.
Caso o Copom promova mesmo mais essa sétima elevação da SELIC em sequência, teremos uma sequência ininterruptas desde a 237ª reunião realizada em março, quando a taxa saiu de 2,00% para 2,25%. Ou seja, ao longo de 9 meses a taxa teria sido multiplicada em quase 5 vezes, mais exatamente um crescimento de 356%. Uma loucura! Qual outro preço estratégico em nossa economia teria sofrido tal aumento em tão pouco tempo? Na verdade, as relações entre os integrantes da alta tecnocracia da área econômica é marcada por uma complexa rede de relações incestuosas, onde o interesse do financismo sempre prevalece na tomada de decisões do governo.
O recurso ao instrumento de arrocho da política monetária para combater a ameaça de um suposto “descontrole inflacionário” tampouco encontra amparo em qualquer manual básico de introdução à macroeconomia. Ainda mais em se tratando do caso atual vivido pela sociedade e pela economia brasileiras. O crescimento de preços verificados ao longo dos últimos meses (que é real, diga-se de passagem) não tem nenhuma relação com a chamada “inflação de demanda”. Aliás, muito pelo contrário. São movimentos observados em determinados setores e produtos e sobre os quais não existe nenhuma pressão de aumento de procura. Esse é o caso da energia elétrica, dos derivados de petróleo e dos alimentos, por exemplo. Quando a Aneel permite reajuste nas tarifas da conta de luz ou quando a Petrobrás realinha seus preços a cada subida da cotação do petróleo no mercado internacional, não o fazem por conta de um “indesejado aumento da pressão dos consumidores”. A elevação da Selic em nada altera a demanda sobre os mesmos e não provoca nenhum impacto para o rebaixamento de seus preços.
Alta da Selic: mais um tiro no pé.
Além disso, provocaram também um aumento generalizado de preços na economia os efeitos da desvalorização cambial premeditada, intencional, repentina e acelerada. Com a nossa moeda perdendo capacidade frente ao dólar e demais moedas estrangeiras, dá-se um aumento imediato dos preços internos dos produtos importados, sejam eles matérias primas, bens finais manufaturados ou de investimento. O mito liberaloide de acabar com barreiras e fronteiras, sem a concepção de nenhum tipo de estratégia de desenvolvimento por trás, termina por aprofundar a desnacionalização e a desindustrialização de nossa economia. E a política cambial adotada com viés de desvalorização implica em preços maiores quando transformados em reais.
Ora, sob tais condições, a elevação da taxa oficial de juros revela-se como um verdadeiro tiro no pé na absoluta maioria dos atores econômicos. A Selic em alta significa maiores custos financeiros de forma generalizada, ainda mais se considerarmos a complacência do BC no que se refere aos escandalosos spreads praticados pelos bancos e demais instituições financeiras em suas operações com os clientes. Assim, o que se verifica é um desestímulo ao aumento da capacidade instalada de produção de bens e serviços, com consequência direta sobre desemprego e rendimentos internos de todos os setores com exceção do financismo. Por outro lado, a taxa também remunera a nossa dívida pública, obrigando à realização de ainda maiores despesas do governo federal para o pagamento dos custos financeiros da mesma.
Em outras palavras, essa nova decisão do Copom revela-se como um obstáculo a mais à recuperação tão necessária do investimento e um impedimento à superação do quadro de estagnação e recessão que já dura desde 2015.
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