Mais uma chantagem do Guedes
Sem a recuperação econômica prometida e com a possibilidade de um novo auxílio, Guedes quer empurrar novamente a PEC n°186
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A semana começou com algumas iniciativas e declarações do Ministro Paulo Guedes, dando a falsa ideia de que ele continua a pleno vapor. Na verdade, o que ocorreu foi exatamente o oposto. Todo mundo percebeu que ele tinha recolhido um pouco o time de campo. Guedes andou um pouco sumido das páginas dos jornais, das telas da televisões e até mesmo das “laivis”, que costumava entusiasticamente fazer com exclusividade para seus coleguinhas da nata do sistema financeiro. Esse recuo estratégico do “old chicago boy” até que é bem compreensível, pois qualquer observador da cena política percebe que a maré não está para peixe. Assim, na dúvida, ele preferiu se resguardar e se esconder.
Mas agora ele voltou à tona, justamente no momento que começou a esquentar o clima e o debate em torno da sucessão do comando no Congresso Nacional. No caso específico da discussão entre os candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, a questão fica mais perceptível. Ali a contraposição ao governo Bolsonaro é explícita em vários dos proponentes, de maneira que o plenário tende a converter-se em uma espécie de caixa de ressonância do que se manifesta no interior da própria sociedade.
As pesquisas de opinião começam a refletir uma tendência de inversão das curvas e dos índices de popularidade do governo. Aos poucos começam a chegar os efeitos de toda essa trapalhada que ele promoveu na questão da saúde. As evidências passam a gritar mais alto, como no caso desse verdadeiro genocídio no trato da questão da pandemia, incluído a tragédia que ocorre em Manaus, com a falta de oxigênio no sistema hospitalar. Com isso, Bolsonaro começa a sentir as repercussões desse desleixo, que ele mesmo tem promovido e estimulado, no aumento de sua rejeição entre a população.
Bolsonaro sente o calorzinho.
O vai-e-vem na abordagem da questão das vacinas também contribui para tanto. A incompetência do General que ele nomeou para o Ministério da Saúde já começa a oferecer uma retaguarda desguarnecida para o próprio Presidente da República. Bolsonaro se dizia contra as vacinas e sempre ridicularizou de público a iniciativa do governador de São Paulo e sua parceria com a empresa chinesa. Pois agora, resolveu correr atrás do tempo perdido e pretende surfar nas imagens dos imunizantes. A questão é saber se a população se deixará enganar mais uma vez nesse quesito.
Ao que tudo indica, o núcleo duro do governo já percebeu essa importante mudança na conjuntura. Assim, aparentemente começa a ser convencido da necessidade de promover alguma alteração de rota. Por pressão da opinião pública e mesmo de parlamentares de sua base aliada, os conselheiros de Bolsonaro perceberam que não tem como ele continuar sendo criticado, sem promover alguma reativação de mecanismo de proteção social. Afinal, ao contrário do que prometia a equipe de Paulo Guedes, a segunda onda chegou, se apresenta ainda mais forte do que a primeira e os efeitos sociais econômicos estão aí presentes no cotidiano para quem quiser ver.
Portanto, volta ao centro da agenda política a questão do auxílio emergencial. Aquele mesmo ao qual o Paulo Guedes se opunha desde o início, ainda nos primeiros sinais da pandemia em 2020. À época, ele propunha uma única parcela de R$ 200 e o governo foi derrotado no Congresso Nacional, uma vez que a proposta da oposição de um benefício a ser pago mensalmente no valor de R$ 600 foi aprovada em abril. Depois, em setembro, Paulo Guedes conseguiu convencer Bolsonaro a reduzir esse valor pela metade e mesmo esses R$ 300 tinham prazo de validade até 31 de dezembro. E assim foi feito: terminou o ano, acabou o auxílio.
Gravidade da crise exige auxílio emergencial.
Ocorre que a maioria da população dependia desse benefício e continuou passando por situações de penúria e de miséria. Ao contrário da falsa promessa da varinha mágica de Guedes, a retomada do crescimento da economia não ocorreu. A recessão continua e o desemprego segue bastante elevado. Com as perspectivas de necessidade de maior isolamento e confinamento colocados pelo agravamento da pandemia, o quadro social tende a se aprofundar.
Acuado pela crise e sem respostas a oferecer, o governo dá sinais de que vai tentar restabelecer algum tipo de auxílio. E aqui a gente entra no título do artigo. Por que a chantagem do Paulo Guedes? Trata-se de mais uma mais grande maldade que ele saca do bolso do colete, no momento em que todo mundo está meio atordoado pelas dificuldades que o cenário nos apresenta. Assim, o superministro aproveita esse instante de perplexidade generalizada para, mui espertamente, reavivar uma ideia que estava até um pouco esquecida no parlamento. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional nº 186, que o governo encaminhou ainda em novembro de 2019, antes que se tivesse qualquer notícia do coronavirus. Ela ficou conhecida como PEC Emergencial.
Pois agora, Guedes retoma o tema, por meio dessa medida que ele mesmo havia proposto lá atrás. Algo na linha do “até topo estabelecer algum benefício agora, mas vocês precisam aprovar a PEC 186 como contrapartida”. Trata-se de uma medida absolutamente oportunista e demagógica de prometer, pela enésima vez, a solução da crise fiscal por meio da redução dos direitos dos funcionários públicos. Sim, pois através dela se pretendia promover uma redução compulsória dos seus salários em 25%, por meio da obrigatoriedade de uma jornada de trabalho também menor.
Custo do auxílio é muito maior do que as maldades da PEC
O argumento esgrimado agora é que a PEC seria a forma de compensar eventual aumento de despesas por conta do renovação do auxílio emergencial para enfrentar as dificuldades da pandemia. Como o governo foi irresponsável e não incluiu as despesas com auxílio no orçamento para 2021, agora pretende cortar os salários com a desculpa mentirosa de que isso seria uma necessidade para não descumprir o teto de gastos. Sim, pois a Emenda Constitucional nº 95 promoveu o congelamento das despesas orçamentárias por longos 20 anos. Por isso, é tão necessária e urgente a sua revogação.
Mas nem assim o argumento de Guedes não fica de pé, inclusive frente aos dados oficiais do próprio governo. Em 2020 foram gastos R$ 322 bilhões com o pagamento do auxílio de abril a dezembro. A PEC emergencial tinha uma previsão inicial de redução das despesas da ordem de R$ 22 bi com a redução salarial. Mas as pressões dobre o Senador Bittar, relator da medida, levaram a que seu relatório preliminar apresentasse uma previsão de diminuição de gastos de apenas R$ 1 bilhão. Ou seja, muito longe das necessidades impostas pelo necessário retorno do auxílio emergencial para 2021. Na verdade, essa nova chantagem de Guedes pretende apenas aprovar sua intenção permanente de destruir o Estado e promover o desmonte das políticas públicas.
A gente não precisa se assustar com o valor do auxílio emergencial. Esse montante fica até reduzido se imaginarmos os seus positivos sobre a vida das famílias, sobre a saúde pública, sobre a atividade econômica de uma forma geral e inclusive sobre as finanças públicas. Basta indagar o quão mais profunda teria sido a recessão em 2020 caso o auxílio não tivesse sido implementado. Há uma avalição quase consensual entre os analistas de que a instituição do benefício contribuiu de forma importante para a manutenção daquilo que o economês chamada de “demanda agregada”. Ainda que em valor reduzido por família, o auxílio garantiu o consumo em condições mínimas, minorou as perdas dos pequenos negócios em época de crise e evitou uma queda ainda maior na produção de uma forma geral.
Em suma, o auxílio manteve o nível da atividade economia de uma forma ampla e permitiu inclusive que os próprios tesouros públicos (federal, estaduais e municipais) arrecadarem mais em função desse estímulo. É sabido que a arrecadação tributária é uma função direta do consumo, da produção, da oferta de serviços e mesmo do recebimento de rendas sob a forma de salários. Por essas e outras razões é que o restabelecimento do mesmo torna-se uma imposição da realidade. E será mais uma grande derrota de Paulo Guedes. Ao perceber a inevitabilidade da aprovação de algum tipo de benefício, ele agora pretende dar o seu troco por meio da PEC 186.
Auxílio emergencial e guerra nuclear.
Além de se constituir em mais um ataque a direitos dos servidores, a medida faz parte de uma estratégia de reduzir ainda mais as capacidades estatais no Brasil. Imaginemos o que seria da pandemia na ausência de um Estado sem instituições como Fiocruz ou o Butantã? Ou como seriam ainda mais catastróficas as respostas na ausência de um modelo como o do Sistema Único de Saúde (SUS). Pois esse é o sonho dos liberaloides tupiniquins: uma sociedade com Estado mínimo, onde as pessoas e todas as relações sejam submetidas apenas à lógica do sacrossanto mercado. Uma loucura!
Pois Paulo Guedes parece não considerar esse argumento suficiente. E agora lança mais uma ameaça catastrofista sobre a cabeça dos congressistas e da própria sociedade. Ele promove uma comparação completamente irresponsável entre o nosso momento e uma ameaça de guerra nuclear. Assim, na visão do banqueiro travestido de ministro, a aprovação de algum tipo de benefício emergencial seria equivalente a apertar o botão da bomba.
"Não é só pegar o dinheiro e sair correndo. Tem que fazer todo o sacrifício"
" Aqui é a mesma coisa. Se apertar o botão, vai ter que travar o resto todo", disse. "É que nem um botão [de bomba] nuclear. Apertou, paga o preço"
Na verdade, a passividade do governo é que detonou um morticínio ainda maior, que já beira a casa das 220 mil mortes provocadas pela pandemia. E quem está pagando preço dessa política criminosa é a grande maioria da população, desprotegida sem emprego, sem auxílio e sem serviços públicos de qualidade. Já a seleta turma dos amiguinhos do ministro, esses vão muito bem obrigado. Afinal, estudos comprovam que a renda e o patrimônio dos bilionários só fizeram aumentar desde o início da pandemia. Ora, e Guedes ainda tem a cara de pau de pedir sacrifício para o restante da sociedade?
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