Mais elementos para explicar o poder das gigantes da tecnologia no capitalismo de plataformas
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Venho tratando do tema do capitalismo de plataformas e da tecnopolítica em vários artigos, entrevistas e conferências virtuais nos últimos meses. Algumas delas podem ser vistas (aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui e aqui) e estão listadas nas referências ao final deste texto.
Hoje, eu trago mais alguns dados como elementos que auxiliam na interpretação, sobre a lógica das grandes companhias de tecnologia que atuam no setor, em especial aquelas que chamo de "Plataformas-raiz", que controlam e ganham com o uso de plataformas secundárias e com a "appficação" do mundo da internet móvel através dos celulares.
A americana Google, da Alphabet, com sede na Califórnia (EUA), é uma destas, cujos indicadores chamam a atenção. Esses indicadores reforçam a leitura sobre a ampliação expressiva do uso das plataformas digitais e sobre o fenômeno do gigantismo de poder e de concentração das "Big Techs" no interior do que chamo de capitalismo de plataformas.
Há que se observar ainda a velocidade deste processo. Vivemos hoje uma aceleração do tempo (Thompson) e o que o geógrafo americano David Harvey chamou de compressão do espaço-tempo, em que alguns locais são escolhidos, outros descartados. Um processo em que a Pandemia joga a favor do capitalismo, como uma espécie de "janela de oportunidades" auxiliando a antecipar o que iria ocorrer daqui a uma década para dois anos e o que iria ocorrer em dois ou três anos, já está ocorrendo.
Para ampliar nosso olhar sobre o fenômeno que venho chamando de "plataformização", eu escolhi alguns dados recentes para aprofundar o conhecimento sobre esse processo. Abaixo de cada um destes indicadores eu faço breves comentários. A leitura mais ampla deste processo eu já fiz em postagens e entrevistas anteriores. Sugiro a quem tiver interesse realizar a leitura nos links acima ou nas referências ao final deste texto.
1) Estima-se que no mundo hoje existam 4,4 bilhões de usuários de internet. O maior número de usuários encontra-se na China com cerca de 820 milhões de pessoas, seguido dos EUA e Índia com números de usuários em torno de 330 milhões de usuários. No mundo, em 2020, calcula-se a média de taxa de penetração da Internet em 55%, um crescimento de quase 50%, quando comparado aos 35% no ano de 2013.
Comentários: O fato se explica em boa parte pelo tamanho das populações destes países, embora nos países da América do Norte (EUA e Canadá), se tenha o maior percentual da população usando a internet: 88%. A penetração da internet com grande incidência no norte e baixa no sul global, mostra a apartação geográfica do mundo tecnológico, que define lugares escolhidos e descartados.
2) A Google é a gigante de buscas na internet com 75% das pesquisas dos usuários que cresce para 96% quando as pesquisas são feitas através dos celulares (smartphones), que já equivalem a cerca de metade do uso da internet no mundo. O uso de telefones celulares em 2020, já chegou a 5.19 bilhões de pessoas, num universo total de 7,8 bilhões de habitantes no mundo. 91% das pessoas nos Emirados Árabes Unidos acessam a internet pelo telefone, seguido por Cingapura com 88% e Arábia Saudita com 86%. Nos EUA apenas 57% das pessoas acessando a Internet através de um dispositivo móvel.
Comentários: Esse fato explica porque o Google consegue exercer o que eu chamo de "usina extratora de dados" dos usuários que realizam essas pesquisas. Isso confere a esta "plataforma-publicidade", uma enorme vantagem na venda de anúncios e publicidades online, direcionando através da plataforma, a intermediação deste cidadão-consumidor com o dono do produto e/ou serviços), com base nos gostos das pessoas, apurados em dados guardados no Big Data (BD) e processados por algoritmos e Inteligência Artificial (IA). O uso ampliado e proporcional dos celulares (smartphones) para acesso à internet amplia o e-commerce, porque se pode comprar estando a qualquer hora e em qualquer lugar (mobilidade) e também amplia convergência e integração de mídias e plataformas, com o exponencial crescimento da digitalização da vida social.
3) Diariamente, o Google processa entre 7 bilhões e 10 bilhões de consultas de pesquisa, sendo que 15% delas nunca foram pesquisadas antes.
Comentários: Todo esse colossal número de pesquisas serve para ampliar a usina de extração de dados dos usuários que se transformará em ganhos, com anúncios direcionados em função do maior conhecimento sobre o perfil de cada usuário.
4) 75% de pessoas nunca rolam para além da primeira página nos resultados de pesquisa. Sites que aparecem na 1ª página de resultados de pesquisa do Google têm uma velocidade média de carregamento de página de menos de 2000 milissegundos. O e-commerce avalia que o atraso de um segundo na velocidade de carregamento da página pode custar 7% de suas conversões de comércio eletrônico.
Comentários: O fato reforça o poder que tem a "plataforma-raiz" de buscas do Google, para alterar com seus algoritmos, os direcionamentos a mais ou a menos de páginas na internet, canais no YouTube, etc., conforme interesses comerciais e/ou políticos. A relação entre velocidade de processamento nas buscas e os resultados do comércio eletrônico ampliam a concentração pelas companhias gigantes do setor e fragilizam as pequenas empresas que ficam sem nenhuma condição de competir.
5) Também em 2020, o Chrome do Google lidera com 62% entre os navegadores de internet em todo o mundo.
Comentário: Esse extraordinário uso do navegador e tradutor do Google, o Chrome, amplia ainda mais a usina de extração de dados dos usuários.
6) 56% de todo o tráfego da Internet é de uma fonte automatizada, como ferramentas de hackers, raspadores e spammers, imitadores e bots. Cerca de 40% do tráfego da Internet restante provém de seres humanos.
Comentários: O fato reforça a tese sobre o potencial das pirâmides de robôs dos "gabinetes" e "redes de ódio" utilizados tanto para fins comerciais quanto - e cada vez mais - para a disputa desigual no mundo da política que favorece à plutocracia, no mundo além dos usos de interesses de publicidade e comerciais.
7) 63% de todos os anúncios de pesquisa são hoje produzidos para celular.
Comentário: Esse fato amplia o poder das lojas de aplicativos da gigantes: Apple Store e Play ou Google Store com o uso por mais tempo da internet, na medida em que se tem mobilidade oferecida pelo aparelho móvel.
8) As vendas de comércio eletrônico atingiram US$ 2.29 trilhões em 2017 e a previsão é a de que neste ano de 2020, a despeito (ou com a ajuda da Pandemia), ela chegue na casa dos US$ 3.5 trilhões, sendo boa parte do varejo online, um dos setores que mais crescem no capitalismo global. A expectativa é que 47% da população mundial faça compras online em 2020. 47% de todos os pedidos online incluem frete grátis. Compradores online gastarão 30% a mais por pedido, quando o frete grátis está incluído.
Comentários: O fato reforça a concentração do comércio de varejo nas grandes redes e nas plataformas gigantes como a Amazon, que além das vendas diretas realizam ganhos com o "market-place", onde oferecem espaços para negócios entre lojistas menores. Incluindo a venda entre lojistas das mesmas região/país, mas com o envio de percentuais de comissão para estas plataformas-raiz. O frete grátis como chamariz para as vendas reforça a concentração e leva ainda, a uma maior precarização das entregas, para além daquelas de comida/alimentação como no cado do IFood, Rapi e outras; como bem mostra o filme "Você não estava aqui" (2019) do diretor Ken Loach.
Enfim, a ampliação do uso das plataformas digitais deve ser observado em várias dimensões. Nestes últimos artigos, eu tenho chamado a atenção para seis dimensões em especial: econômica; tecnológica; precarização do trabalho; cultural e comunitária; espacial, geoeconômica e geopolítica; e por último, mas não menos importante a da tecnopolítica que abordei no texto anterior (veja aqui).
Referências:
Postagens anteriores (em ordem cronológica) no blog e no portal 247 de doze textos sobre o tema da plataformização, home office e capitalismo de plataformas:
a) Postagem em 14 de fevereiro de 2020
Capitalismo de plataformas e a falsa economia do compartilhamento: 99 e Uber somam hoje mais de 1 milhão de motoristas ativos no Brasil enriquecendo seus investidores globais
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/02/capitalismo-de-plataformas-e-falsa.html
b) Postagem em 15 de março de 2020
Se as plataformas digitais são neutras (“e do bem”), por que elas ajudam tão pouco em situações de crise como na pandemia do coronavírus?
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/03/se-as-plataformas-digitais-sao-neutras.html
c) Postagem em 2 de abril de 2020:
O que os primeiros dias de intensificação do trabalho em casa (home office) já permite enxergar
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/04/o-que-os-primeiros-dias-de.html
d) Postagem 13 de maio de 2020:
A plataformização digital da vida pós-Covid ampliará a vampirização da renda do trabalho num processo de retroalimentação do sistema
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/05/a-plataformizacao-digital-da-vida-pos.html
e) Postagem em 3 de junho de 2020:
O aumento da digitalização altera o modo de produção e nos remete à fase de um capitalismo financeiro e de plataformas
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-aumento-da-digitalizacao-altera-o.html
f) Postagem em 10 de junho de 2020:
O fenômeno da intensificação da plataformização dos negócios durante e pós-pandemia
Link: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/o-fenomeno-da-intensificacao-da.html
g) Postagem em 3 de julho de 2020: Capitalismo de plataformas e Appficação no Brasil e no mundo expõem a superexploração do trabalho. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-de-plataformas-e-appficacao-no-brasil-e-no-mundo-expoem-a-superexploracao-do-trabalho-98c5i9fk
h) Postagem em 13 de julho de 2020: Por que o capitalismo contemporâneo não consegue mais criar trabalho? Outro mundo é possível! Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/07/por-que-o-capitalismo-contemporaneo-nao.html
i) Postagem em 16 de julho de 2020: Pesquisa da UFMG/CNTE sobre o trabalho docente da rede pública pela via digital aponta precariedades, intensificação e baixa participação dos estudantes. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/07/pesquisa-da-ufmgcnte-sobre-o-trabalho.html
j) Postagem em 28 de julho de 2020: Por que os EUA limitariam a atuação de suas Big Techs se elas controlam as veias digitais e financeiras que ainda lhe dão hegemonia geopolítica? Disponível em:
http://www.robertomoraes.com.br/2020/07/por-que-os-eua-limitariam-atuacao-de.html
k) Postagem em 29 de julho de 2020: Entrevista sobre Capitalismo de Plataformas na TV 247 para ampliar o debate sobre o tema. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2020/07/entrevista-sobre-capitalismo-de.html
l) Postagem em 31 de julho de 2020: A tecnopolítica como dimensão do capitalismo de plataformas assassina a democracia liberal. Disponível: http://www.robertomoraes.com.br/2020/07/a-tecnopolitica-como-dimensao-do.html
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