Maioridade penal, uma ideia menor

Prenderemos o maior de 16 anos e deixaremos como está o menor carente, até que ele, com aquela idade, se torne um criminoso. Quando isso ocorrer, também o prenderemos



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A errônea análise do crime exclusivamente sob o prisma dos seus efeitos, sem nenhuma consideração pelos fatores que o desencadeiam, tem como exemplo eloquente a questão do menor abandonado, que, com o passar dos anos, se tornou infrator e, depois dos 18 anos, um criminoso.

Tal questão jamais foi vista pelas elites e pelos governos como um problema social e humanitário, a exigir de todos empenho e solidariedade. Nada foi feito, e as crianças cresceram ao nosso redor sem que nós dispensássemos a elas um mínimo de atenção, mas, ao contrário, nossa atitude sempre foi de desinteresse e de omissão.

Demos-lhes as costas, ao invés de saúde, educação, teto e afeto. A presença desses menores sempre nos causou certa repulsa e medo. A atitude concreta adotada sempre foi a de fechar o vidro dos carros, para evitar qualquer tipo de contato. Agora, após anos de desprezo, foi encontrada a solução cômoda, ineficiente e predatória da prisão.

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Prenderemos o maior de 16 anos e deixaremos como está o menor carente, até que ele, com aquela idade, se torne um criminoso. Quando isso ocorrer, também o prenderemos.

Esquece-se, no entanto, de que um dia eles sairão das nossas cadeias, serão egressos do nosso abominável sistema penitenciário e aí estarão aptos a cometer ainda maiores atrocidades contra nós, que os encarceramos. Esse cruel e burro círculo vicioso não vai terminar nunca? Prendemos, soltamos e nos tornamos de novo vítimas de nossa conduta, de nossa irresponsável e autofágica conduta. Estupidez pura.

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É óbvio que não deveremos deixar o menor infrator impune. No entanto, vamos reagir contra o crime do menor (infração) com um mínimo de inteligência, se não por um dever social, de solidariedade e de humanismo, pelo menos por egoísmo e autopreservação.

Ninguém duvide de que o sistema prisional brasileiro não evita o crime, ao contrário, ele o estimula. Não há quem não saiba que ele age no sentido contrário dos interesses da própria sociedade, pois não recupera, mas atua como um eficiente fator criminógeno.

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Não se desconhece que um coro retumbante se ergueu do seio da sociedade clamando pela redução da maioridade penal. Esse clamor é emocional e não provém da análise das causas do fenômeno criminal e das consequências da medida apregoada. Trata-se de uma grita irracional, impulsionada e avolumada por uma cultura punitiva divulgada pela mídia e incrustada no íntimo das pessoas, sem maiores indagações e reflexões.

Lembre-se de que o homem de hoje, o homem midiático, perdeu o senso crítico, pouco raciocina. A imagem divulgada não passa pela razão, porque vai direto à emoção, provocando amor ou ódio. No caso do menor infrator, provoca o ódio.

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Prega-se a diminuição da idade da responsabilidade penal porque os maiores de 16 anos estão praticando infrações.

Assim, cabe uma indagação: e os de 15 anos, de 14 anos ou os de 13 anos que também as praticam? Se a solução é a prisão, por que não encarcerar todo e qualquer infrator menor, considerando-o criminoso?

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Uma matéria do dia 15 de julho do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que menores de 12 anos a 17 anos estão cometendo mais delitos do que os de 16 a 18 anos. Portanto, tendo a cadeia como solução, deverão ser colocados nas prisões, junto com experientes criminosos, os menores a partir dos 12 anos.

Bem se vê que a solução da diminuição da idade da responsabilidade penal não passa de demagogia, pura insensatez, ausência de seriedade, verdadeira cortina de fumaça para iludir a sociedade. Basta prender e nada mais deverá ser feito.

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Pergunta-se: há quem creia em que os menores serão recuperados no cárcere? Ou, ao contrário, a prisão estimulará o aumento de sua periculosidade, e irá prepará-lo adequadamente para trilhar com eficiência e êxito os caminhos do crime?

Não se espantem se surgir uma corrente que pregue o isolamento, em lugares distantes, dos menores considerados potencialmente perigosos, em face do meio em que vivem, das pessoas com as quais convivem e da "cara" que possuem. Essa corrente terá como objetivo riscar esses menores dos nossos mapas urbanos...

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Deve-se notar que nós estamos nos preocupando com o menor abandonado apenas e na medida em que ele nos está agredindo, pois, estivesse em silêncio, amargando as suas carências debaixo dos viadutos, sem nos incomodar, continuariam a ter o nosso desprezo. A sociedade brasileira não soube ou não quis criar uma cumplicidade entre os seus membros para cuidar do menor carente. Ocorreu, sim, a cumplicidade com o abandono.

A propósito, significativos porcentuais de infratores (total de 23 mil no País, em 2013) têm algum tipo de carência social, que certamente contribuiu para a prática delituosa. Assim, 51% não frequentam a escola; 49% não trabalhavam quando foram recolhidos; e 66% pertencem às famílias de extrema pobreza (dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Ipea, divulgados pelo jornal Valor Econômico de 13/7).

Vamos fazer, agora, o que não fizemos durante séculos. Cuidar do menor. Recolher o infrator, porém tornar o recolhimento não o da cadeia, mas o de instituições apropriadas, algo construtivo, edificante. Ampliar o prazo de recolhimento previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e utilizá-lo como medida pedagógica e humanitária, para suprir as carências, que vão da educação ao afeto, passando pela saúde, pela assistência psicológica e pela profissionalização.

Vamos estender as mãos para o menor infrator, para que ele não volte a delinquir e para que o menor abandonado não se torne infrator. Digamos não à prisão, pois a prisão de hoje leva ao crime de amanhã.

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