Maiores geradoras de empregos, MPEs são negligenciadas pelo governo

O Pronampe, resultado de tanta luta, acabou sendo a cloroquina das MPEs

Comércio popular no Rio
Comércio popular no Rio (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)


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A medida anunciada pelo Governo Federal para reduzir preços de carros dito populares e de caminhões nos oferece a oportunidade de refletirmos sobre o modelo adotado pelos sucessivos governos de priorizar o apoio a grandes empresas, enquanto as MPEs (Micro e Pequenas Empresas), que formam a imensa maioria do ambiente empresarial brasileiro, são relegadas a um segundo plano. Sem entrar no mérito dessa medida, cujo impacto conheceremos em alguns meses, chama a atenção a repetição de argumentos enganosos para tentar justificar, mais uma vez, a concessão de benefícios para grandes empresas.

Afirma-se, por exemplo, que o setor automotivo representa quase 20% da indústria e gera mais de 101 mil empregos diretos, chegando a 1,2 milhão se considerada toda a cadeia produtiva desse setor. Ignora-se, entretanto, que 99% dos empreendimentos brasileiros são pequenos negócios e respondem, no conjunto, por 30% do PIB nacional, segundo dados do Sebrae do primeiro semestre de 2022. Quanto à geração de empregos, ainda de acordo com o Sebrae, as micro e pequenas empresas foram responsáveis pela geração de 72% dos empregos no primeiro semestre do ano passado. Acrescente-se que as MPEs são, historicamente, as primeiras a contratar quando as perspectivas econômicas são favoráveis e as últimas a demitir, numa situação desfavorável.

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A contribuição do segmento para o crescimento da economia nacional foi reconhecida pelos autores da Constituição de 1988, quando escreveram que as microempresas e as empresas de pequeno porte devem receber tratamento diferenciado, nos termos da lei, pela "simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas”. Infelizmente vivemos no país em que algumas leis pegam e outras não. Esta é mais uma das que não pegaram, talvez pela eficiência dos lobbies das grandes empresas de fazerem valer seus interesses.

O descaso em relação às MPEs evidencia-se até mesmo quando aparentemente se pretende auxiliá-las a enfrentar dificuldades. Durante a pandemia, o governo federal ofereceu créditos dentro do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), lançado em 2020 e pleito do setor por mais de duas décadas. Para utilizar recursos desse Programa, o empreendedor deve pagar juros de 6% ao ano, mais a taxa Selic, que hoje está em 13,75% ao ano. A título de comparação, o BNDES oferece crédito a grandes empresas a uma taxa total de 7% ano, pouco mais de um terço da estabelecida pelo Pronampe.

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Ou seja, o Pronampe, resultado de tanta luta, acabou sendo a cloroquina das MPEs. Remédio errado que tem levado empresários do setor ao pesadelo de ver a morte de seus negócios e ao assédio dos bancos públicos para que paguem uma conta impagável.

Importante dizer que o governo publicou no dia 7 de junho último a Portaria nº 154, que altera Portaria anterior, propondo uma renegociação da dívida dos empresários com o Pronampe.

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É um paliativo que deve ajudar alguns, mas continua sendo um remédio errado para uma doença não provocada pelos empresários.

Há diversas formas de se apoiar a micro, pequena e média empresa. A Lei Complementar (LC) 123/2006, aprovada 18 anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, criou normas gerais para o tratamento diferenciado e favorecido a tais empresas, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos poderes públicos. Ao entrar em vigor permitiu que as MPEs participassem de mais de 25% das compras do Governo Federal e hoje se tornou uma política de estado, mantendo-se nesse patamar. Esse percentual deve ser melhorado, Estados e Municípios também deveriam se enquadrar na lei. A Alampyme participou de uma experiência em que um coletivo de costureiras vindas da Bolívia se reuniu para produzir peças de roupas. Graças a essa legislação, o coletivo se qualificou para produzir e vender uniformes escolares para escolas municipais de São Paulo, o que gerou condições dignas de trabalho e renda para as participantes do grupo. Exemplos de sucesso não faltam, fica a sugestão de se criar um banco de boas práticas.

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Na Europa, por exemplo, medidas de apoio aos pequenos empreendedores – muitas vezes reunidos em cooperativas ou consórcios, tendo os órgãos governamentais no papel de articulador – resultaram na geração de renda para milhares de famílias e um retorno expressivo para as economias nacionais. São experiências em que todos ganham: os empreendedores, a sociedade e até mesmo as grandes empresas, que se beneficiam do aumento do poder aquisitivo dos consumidores.

Insistir em conceder prioritariamente benefícios a grandes empresas e negligenciar o apoio às MPEs significa perpetuar um modelo que até agora produziu concentração de renda, desemprego e pobreza. As micro, pequenas e médias empresas são os mais pertinentes e valiosos aliados caso se pretenda, como acredito que o atual Governo Federal deseje, reverter esse deplorável cenário.

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