Macaco-Aranha

Não se chama negros de macacos por semelhanças físicas, mas sim para defini-los como quase humanos, incivilizados, naturalmente selvagens, indomésticos e obtusos



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Chamaram o Aranha de Macaco. Xingaram o Aranha, e o macaco não tem nada a ver com isso.

Ficamos todos estarrecidos, na semana passada, com a cena patética de um grupo de torcedores gremistas imitando, onomatopaicamente, símios selvagens. Foi a forma que encontraram para ofender o goleiro do Santos, negro.

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Há pouco falávamos sobre o comportamento racista de parte da torcida europeia sempre a humilhar jogadores africanos, sul americanos e até europeus de ascendência africana, utilizando o mesmo recurso.

Aí Tinga foi vítima de mesma caricaturização em campos peruanos, talvez o país mais racista das Américas. Não nos esqueçamos do episódio em Bágua, onde o presidente Alan Garcia usou as tropas do estado para massacrar os índios. Escrevi sobre isso aqui.

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Agora nos damos conta de que quase não temos dirigentes negros no futebol, nem técnicos e, depois de Barbosa – único acusado pelo maracanazo – quase não temos goleiros também.

E pela estranha mania de plagiar tudo o que vem da Europa, temos agora a macaquice dos torcedores em nossos estádios.

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A desumanização do outro é um recurso linguístico usado nas mais diversas culturas.

As mulheres são reificadas, coisificadas, viram abjetos objetos no joguete linguístico misógino. Estou aqui a usar a linguagem empolada de Marina Silva, pra ver se dar sorte.

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Seu animal, dizemos.

Compara-se uma pessoa com um animal para elogiá-la ou para ofendê-la; podemos dizer que a moça é uma gata ou que é uma vaca, por exemplo.

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No entanto, o recurso da desumanização é sempre utilizado para adjetivar indivíduos.

Recortamos um atributo do cabra a ser zuado e procuramos um animal que se encaixe nessa configuração, por isso dizemos viado, galinha, porco, burro, piranha, jumento, lesma, touro, cavalo, égua...

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No entanto, o macaco me parece ser a única forma de desumanização que, embora seja usada amiúde contra um indivíduo, tem o claro objetivo de ferir toda uma raça.

Porque o burro é o cabra que pensa dentro da caixa; galinha e piranha diz-se da garota que não vive presa aos dogmas religiosos e sociais e faz o que quer de seu corpo; porco é aquele que joga lixo no chão e lata de cerveja pela janela do carro; mas o macaco é qualquer homem ou mulher de pele negra, não tem nada a ver com comportamento.

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E como já afirmei, sempre se usa a imagem de um chimpanzé para associar negros a macacos; porém, veja você, o chimp tem lábios finos, típico no homem branco; o chimp tem pelos no corpo, comuns no homem branco; e o chimp, aí está a coisa, tem a pele branca.

Portanto, não se chama negros de macacos por semelhanças físicas, mas sim para defini-los como quase humanos, incivilizados, naturalmente selvagens, indomésticos e obtusos.

E quem usa esse recurso cultural, histórico e linguístico para desumanizar uma raça, do que devemos chamar?

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