Lula livre e os dilemas do PT e do PSOL
Colunista Aldo Fornazieri afirma que há duas tarefas políticas gerais para partidos progressistas: uma é "impulsionar uma oposição programática e efetiva contra o governo Bolsonaro" e a outra "construir a arquitetura das eleições municipais". "Em face destas duas tarefas, não faz sentido trabalhar pela formação de uma frente democrática com setores de centro", diz
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A liberdade de Lula, alcançada por conta de uma decisão geral do STF, é motivo de justo regozijo e contentamento de todos os que presam a democracia. Condenado injustamente por um processo político conduzido por Sérgio Moro, o Lula preso tinha se tornado indigesto para o Judiciário e para o próprio Brasil, pois a opinião pública mundial havia consolidado a percepção de que ele era um preso político.
Várias análises sobre os alcances políticos da liberdade de Lula já foram produzidas, algumas com evidentes exageros. Ao contrário do que alguns sugeriram, Lula não tem o poder demiúrgico de transformar da noite para o dia a conjuntura adversa para o povo e os trabalhadores em conjuntura favorável.
Lula, de fato, pode muito, mas não pode tudo. Ele próprio terá ainda um calvário de processos e julgamentos pela frente e, em dois anos, poderá ter de enfrentar uma composição desfavorável no STF com dois novos ministros nomeados por Bolsonaro. Além da luta pela sua inocentação, a sua principal missão política consiste em tirar as esquerdas da defensiva em que se encontram desde 2015, e trabalhar para que exista uma oposição efetiva e programática, centrada nos problemas reais da sociedade e do Brasil. Com efeito, até agora, a oposição vem operando na espuma criada pela família Bolsonaro.
No discurso que proferiu em São Bernardo, Lula cobrou mais coragem, mais combatividade dos parlamentares do PT e das esquerdas. O jogo político no Congresso vem sendo dominado pelo centrão, articulado em torno de Rodrigo Maia, alinhado com a pauta econômica do governo. Dificilmente haverá uma mudança da correção de força. Mas este domínio não pode continuar operando com a tranquilidade com que vem operando, praticamente sem oposição.
Lula anunciou que fará caravanas pelo Brasil, nos moldes das que já foram feitas no passado. É importante para reativar o ânimo combativo da militância e do ativismo político e social. Mas é insuficiente. O problema das esquerdas se situa em dois pontos: organização frágil e distanciamento das periferias, dominadas pelos evangélicos e pelo conservadorismo. Qualquer estratégia orientada para o futuro precisa incidir sobre estas duas debilidades.
Neste momento Lula parece ter mais a capacidade de mobilizar a militância e o ativismo social e não a sociedade como um todo. Hoje, nem o bolsonarismo e nem as esquerdas têm o poder convocatório de grandes multidões. Além de a sociedade estar arredia aos partidos e aos políticos, faltam motes mobilizadores e capacidades mobilizadoras. Se grandes mobilizações vierem, estas serão mais obras da própria sociedade do que dos partidos e dos políticos.
Com a aproximação das eleições municipais o jogo político e partidário tende a se deslocar cada vez mais para o campo eleitoral. Embora as eleições municipais se insiram em dinâmicas e lógicas próprias, diferentes das eleições nacionais, é evidente que elas servem também de ensaio para a construção dos cenários para 2022.
Desta forma, existem duas tarefas políticas gerais postas para os partidos progressistas: 1) impulsionar uma oposição programática e efetiva contra o governo Bolsonaro a partir das questões concretas da sociedade e do país e, 2) construir a arquitetura das eleições municipais. Em face destas duas tarefas, não faz sentido trabalhar pela formação de uma frente democrática com setores de centro. A defesa da democracia e dos direitos, certamente, é um ponto fundamental da oposição ao governo. Mas a luta em torno dessas questões deve implicar em acordos pontuais com setores do centro, sem importar na formação de uma frente. Até mesmo porque o centro não se dispõe e nem faz sentido formar esta frente democrática. Isto não significa que não se deva conversar e negociar com o centro político.
É justamente aqui que começam alguns dilemas para o PT e que implicam também o PSol. O golpe contra a Dilma e a prisão de Lula empurraram o PT mais para a esquerda, o que fez com que houvesse uma aproximação com o PSol. O PCdoB, a rigor, nunca enfrentou dilemas em sua política de alianças, já que esta é ampla e heterodoxa. Para vencer as eleições de 2002, o PT e Lula fizeram um claro movimento para o centro. Este movimento, somado ao potencial eleitoral de Lula, gerou confiança e atratividade junto a setores do centro, resultando em vitória.
Ao sair da prisão, José Dirceu afirmou que agora a luta “é retomar o governo”. A questão é: o PT consegue hoje construir uma perspectiva de retomada do governo sem fazer alianças ao centro e sem ele mesmo se deslocar mais para uma posição de centro-esquerda? Em tese, esta retomada seria muito difícil de ocorrer sem estes movimentos. E caso o PT execute estes movimentos, como fica a posição do PSol?
Aparentemente, ficaria insustentável o PSol manter uma aliança com o PT deslocado para uma posição mais de centro-esquerda. O PSol precisa perceber que hoje existe um espaço para o crescimento de uma posição mais a esquerda, localizada em setores descontentes com a conduta e com erros do PT. Ademais, o se o PSol quiser consolidar o processo de sua construção partidária não poderá ficar caudatário à hegemonia do PT. Precisa apresentar-se, expor-se, consolidar organização, força social e eleitoral e projetar lideranças.
Quais seriam as implicações políticas caso o PT decida trilhar caminhos mais à esquerda? Em primeiro lugar teria que buscar uma polarização forte contra o governo Bolsonaro e tudo o que ele significa. Dois desdobramentos podem ocorrer deste posicionamento: a) Bolsonaro unificaria o campo da direita e se consolidaria como alternativa atrativa para 2022; b) o centro político teria dificuldade de dialogar com o PT e Lula e aceleraria o processo de construção de uma alternativa unificada para a disputa presidencial. No campo progressista, contudo, ficaria mais fácil construir uma frente de esquerda, abrangendo o PT, o PSol e o PCdoB junto com parcelas de outros partidos como o PSB etc..
O Congresso do PT terá que desatar os nós desses dilemas e desfazer as dúvidas que a sua posição suscitam. Terá que fazer isto olhando para o futuro e sabendo que dificilmente poderá contar com uma candidatura de Lula. Terá que calcular os custos, os riscos e os benefícios de cada uma dessas opções. O caminho de alianças amplas ao centro já foi testado e deu no que deu: o Brasil deu passos para trás em termos de democracia, de direitos, de justiça, de igualdade e de pobreza.
A consolidação de uma frente de esquerda, por outro lado, dificilmente resultará na retomada do governo no médio prazo. Se a aposta for esta, teria que deixar a consigna de José Dirceu num segundo plano para mudar de estratégia. Tratar-se-ia de optar por uma estratégia de longo prazo de construção da hegemonia na sociedade civil. Tratar-se-ia de organizar movimentos sociais e populares, consolidar posições de organização e de força nas periferias, recuperar o combalido movimento sindical, ressignificar o movimento estudantil, construir organizações de jovens, de mulheres e de negros, promover batalhas por mudanças culturais e de valores e conquistar espaços institucionais no sentido da base para o topo – dos bairros, das prefeituras, das câmaras de vereadores para o alto. A questão que precisa ser respondida é: qual o caminho mais eficiente e mais seguro para mudar o Brasil rumo à justiça, à igualdade, à liberdade, aos direitos e à prosperidade de forma sustentável? O PT, o PSol e os demais partidos do campo progressista precisam responder com rapidez e de forma clara esta indagação.
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