Lula flerta com Montezuma

Montezuma rendeu-se prontamente aos recém-chegados espanhóis, sem esboçar qualquer resistência, ajudando os colonizadores europeus a governar até a sua morte

(Foto: Reuters | Reprodução)


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Artigo publicado originalmente na Comunidad Saker Latinoamérica

Montezuma foi o último imperador de fato dos Astecas. Sabe-se que durante o seu reinado o Império Asteca atingiu o seu auge em termos de atividade expansionista, reformas políticas e construção de infraestrutura. Por outro lado, conforme a versão mais popular, Montezuma rendeu-se prontamente aos recém-chegados espanhóis, sem esboçar qualquer resistência, traindo seu povo e ajudando os colonizadores europeus a governar até a sua morte.

A biografia de Montezuma é objeto de disputa intensa entre historiadores sérios, e muito do que é conhecido e ensinado nos cursos de história baseia-se em documentos redigidos pelos próprios colonizadores. Seja como for, é exatamente a imagem de Montezuma tal como descrita pelos seus conquistadores que nos interessa nesta análise. 

Em sua segunda viagem oficial, o presidente Lula visitou os EUA. O embaixador brasileiro em Washington, um notório Olavo-bolsonarista que inexplicavelmente continuava a exercer seu cargo, e que tirou férias durante a viagem presidencial e não foi receber Lula no aeroporto. Capricho bolsonarista ou veto pela Casa Branca ? Nunca saberemos com certeza. Por outro lado, mesmo esnobado pelos seus, Lula foi recebido com pompa pela administração Biden. A linguagem corporal do casal Lula e de sua comitiva, em geral, e do mandatário brasileiro, em particular, demonstrava um júbilo pouco observado entre estadistas que comandam potências econômicas do calibre dos BRICS.

Os detalhes do que foi de fato conversado estão chegando aos poucos, mas as declarações de Lula na sua coletiva com Biden seguramente fazem as sobrancelhas levantarem. Lula condenou a Operação Militar Especial Russa na Ucrânia, reafirmando críticas que já havia feito ao lado de Alberto Fernandez, em sua visita à Argentina em janeiro, demonstrando pouco, se algum, domínio sobre o assunto. Aqui está o trecho do comunicado conjunto:

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“Os dois líderes também examinaram ampla gama de questões globais e regionais de interesse mútuo. Ambos os presidentes lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional e conclamaram uma paz justa e duradoura. Os líderes expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança energética e alimentar, especialmente nas regiões mais pobres do planeta e externaram apoio ao funcionamento pleno da Iniciativa de Grãos do Mar Negro. Os Presidentes Lula e Biden tencionam fortalecer a cooperação em instituições multilaterais, inclusive no contexto da vindoura presidência brasileira do G20. Os dois líderes expressaram a intenção de trabalhar juntos para uma reforma significativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como a expansão do órgão para incluir assentos permanentes para países na África e na América Latina e Caribe, de modo a torná-lo mais representativo dos membros da ONU e aperfeiçoar sua capacidade de responder mais efetivamente às questões mais prementes relacionadas à paz e à segurança globais.”

Em diplomacia, as palavras e o gestual contam muito. E Lula continua insistindo em uma narrativa toda sua, de que a Rússia errou e não deveria ter entrado na Ucrânia e anexado os territórios visados pelos nazistas no poder em Kiev, mas sim negociar uma solução pacífica para o conflito. Mesmo depois das entrevistas de Merkel e Hollande, em que estes admitem toda a farsa encenada nos acordos de Minsk com o objetivo de armar a Ucrânia, sem contar as inúmeras provas e evidências de crimes de guerra, bem como abuso e supressão de direitos, perpetrados contra a população russófila ucraniana desde o golpe de Maidan em 2014.

E estes fatos básicos, agora permanentemente anotados na cartilha de qualquer analista geopolítico minimamente sério, sequer compõem sozinhos o quadro completo. No quadro panorâmico da situação geopolítica contemporânea, temos o declínio vertiginoso do Império Anglo-saxão, arrastando junto com ele seus vassalos europeus, a OTAN e a sua ordem internacional baseada em regras. O declínio inexorável do dólar, do euro e das outras moedas da cesta imperial é a este ponto inevitável. A Operação Militar Especial Russa na Ucrânia é apenas o salvo de abertura de um conflito vindouro muito mais amplo intenso, envolvendo a China, o Irã e outros países do Sul Global que estão se articulando para consolidar a Ordem Multipolar longe da agenda imperial estadunidense. Ou seja, o quadro é de mudança sistêmica.

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Será que Lula não percebe isso? Difícil concluir a partir de suas declarações e primeiras ações. Por exemplo, durante a visita de Lula aos EUA, o Brasil negou acesso de navios Iranianos a portos brasileiros sem qualquer motivo convincente.

Voltando ao comunicado conjunto, temos referências ao gerenciamento conjunto da Amazônia, para prevenir mudanças climáticas, com o Brasil sinalizando a disposição em ceder soberania sobre a região em troca de acesso a fundos irrisórios, se comparados ao seu próprio potencial econômico e oferecidos por países com tradição colonialista, agora em profundas dificuldades econômicas.

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E claro, a inevitável miríade de platitudes sobre a democracia, como se os regimes democráticos em vigência no Brasil e nos EUA fossem comparáveis. A menção à invasão do Congresso insinua uma ingenuidade inquietante. Será que o mandatário brasileiro ignora ter sido este um ensaio de Maidan tropical articulado pelos EUA ?

Assim, nos primeiros meses de seu governo, Lula se revela um líder confuso e vacilante. Incapaz de delinear uma política econômica doméstica que recoloque o país nos trilhos, distraído por questões identitárias superficiais, além de errante e mal aconselhado sobre o papel geopolítico do Brasil nos BRICS+ e no Sul Global multipolar.

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Nada disso chega como surpresa se considerarmos a profunda infiltração imperial na esquerda brasileira, via ONGs e entidades afins, devidamente financiadas pelo NED, USAID e Fundação Soros. Muitos dos atuais ministros foram de fato catapultados para a vida pública a partir deste ambiente. Outra força relevante neste jogo está aninhada dentro do próprio partido de Lula, o PT. Trata-se dos atlanticistas brasileiros, a sexta coluna nativa, que luta incansavelmente para converter o PT em uma sucursal do Partido Democrata estadunidense. Uma amostra de como os integrantes dessa ala “pensa” pode ser encontrada aqui.

Estes são os primeiros dias, mas como resultado das ações de um Lula acuado pelo bolsonarismo endêmico, mal-aconselhado e pressionado pelos seus co-partidários sexta-colunistas, o Brasil é agora o primeiro e único país dos BRICS+ a criticar a Rússia devido à Operação Especial na Ucrânia. Isto destaca o país negativamente no Sul Global e limita severamente sua alavancagem diplomática. Além de inviabilizar qualquer possibilidade de mediação pelo Brasil do conflito em questão, gerando uma tensão desnecessária dentro dos BRICS+.

Ademais, a visita oficial de Lula aos EUA, antes de visitar qualquer parceiro dos BRICS, pousa como uma aceitação tácita da Doutrina Monroe, tal como recentemente recolocada em perspectiva pela General Laura Richardson do USSOUTHCOM. Estaria Lula flertando com Montezuma?

Aparentemente, enquanto eu redigia este artigo, o alto-escalão do governo estava produzindo os fatos necessários para corroborar a análise:

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“Saímos de cima do muro”, diz novo chanceler Mauro Vieira sobre guerra. Chefe do Itamaraty afirma que hoje o país defende a Ucrânia no conflito com a Rússia e garante que o Brasil vai se aproximar da China e dos Estados Unidos (https://veja.abril.com.br/paginas-amarelas/saimos-de-cima-do-muro-diz-novo-chanceler-mauro-vieira/)

Sem desmentidos do Itamaraty…
Não tenho nenhum comentário adicional.

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