Lula estuda alternativas à "PEC da Transição" e vai trucar blefe do mercado financeiro contra Haddad
"O 'mercado' não indicará o ministro da Fazenda, nem o do Planejamento. Eles serão quem o presidente escolher, em sintonia com Alckmin", diz Luís Costa Pinto
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Desde a vitória eleitoral, em 30 de outubro, no desnecessário segundo turno da eleição presidencial brasileira de 2022, o ex-metalúrgico e líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva dá aulas magnas de Ciências Políticas.
Deixou que falassem em “PEC da Transição” e, com isso, deu corda ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Ganhou tempo, aglutinou uma frente anti-PEC no Congresso, no Judiciário e entre economistas, e pôs no rumo da bola 7 num bilhar qualquer da Vila Planalto o puxadinho do pornográfico orçamento secreto”. A PEC não deve sair, liquefez-se, e Lira terá de voltar a fazer as contas e a traçar estratégias para se reeleger presidente da Câmara.
Lula também escutou as baboseiras chinfrins da entidade etérea chamada “mercado financeiro” e assistiu de camarote levantarem-se a favor de suas teses de campanha vozes da mídia tradicional e economistas liberais. Agora, essa turma antes ácida ao ex-presidente (e futuro), fundador e principal liderança do Partido dos Trabalhadores, ecoa críticas aos analistas que falam pelos cotovelos a soldo de bancos e de bancas. Na esteira desses esquetes, imaginaram ter forças para esboçar a escalação da área econômica do novo governo, ou, ao menos sonhavam, poderiam vetar e enquadrar quem lhes fosse antipático. Não conhecem Luiz Inácio, homem que adora jogar truco e teoriza sobre blefes à mesa de um bom e despretensioso carteado.
HÁ UM LULA RENOVADO EM CENA
Lula tem falado pouco de temas realmente sérios e profundos. E, quando o faz, é com escassos interlocutores. Ouve com dedicação outrora incomum a todos que conseguem entrar em sua sala de despachos. Caso a conversa não se revele pragmaticamente interessante para ele, atalha com temas aleatórios e trata de encerrá-la na primeira oportunidade. Confronta ideias diferentes com interlocutores diversos. Não conta tudo o que pensa a ninguém – nem mesmo à companheira Rosângela, que se tornou sua terceira esposa no curso da campanha. Se Janja pedir algo, sabe que não resistirá a atendê-la. Portanto, evita o arremate final nas conversas, deixando-as inconclusivas ao menos no atual estágio da montagem da equipe. Isso não é esperteza vã, é sabedoria.
O presidente eleito não economiza elogios a personagens que podem ser considerados coadjuvantes da minissérie “Transição”, mas, nem por isso não menos importantes, como o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e os futuros ministros Fernando Haddad, Gleisi Hoffmann e Jaques Wagner. Eles seguram a trama enquanto o roteirista final, que é também o protagonista central, não decide o desfecho da segunda temporada.
O marco final da primeira temporada, que durou 29 dias, é o pós-jogo de Brasil x Suíça no Mundial do Catar, quando Lula já deverá estar em Brasília. A partir da terça-feira, 29 de novembro, o ex-presidente, eleito para seu terceiro mandato que se inicia em 1º de janeiro de 2023, contabiliza um prazo de 33 dias até receber a faixa presidencial dos presidentes do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
No dia da posse, o senador Rodrigo Pacheco e a ministra Rosa Weber estarão pajeados por representantes de movimentos populares, em solenidade pública consagradora a ser encenada na Esplanada dos Ministérios, ao pé da rampa do Palácio do Planalto e no Parlatório idealizado por Oscar Niemeyer diante da Praça dos Três Poderes. Lula discursará com a faixa traspassada no dorso.
Se tivesse recebido algo entre 5,5 e 6 milhões de votos a mais em 2 de outubro – ou 1,47% dos votos válidos no primeiro turno – os tensos e eletrizantes dias de outubro teriam sido diferentes. Lula compreende que a ocorrência do segundo turno está nas regras do jogo. Porém, lamenta não ter tido um mês a mais para reduzir altercações e apaziguar espíritos enquanto costurava a colcha com a qual pretende fazer adormecerem divergências e antagonismos e reconciliar o País. Ele sabe aonde pendurar a conta dessa negação à paz: no “mercado financeiro”.
QUEM É O MERCADO?
Forjado em lutas sindicais, Lula aprendeu cedo a ler os interesses de todos os atores numa mesa de negociação. E Brasília nada mais é que uma extensa mesa negociações, com interesses múltiplos e encruzilhadas surgidas a partir da trajetória escolhida por quem conduz as conversas. Um presidente da República eleito com mais de 60 milhões de votos tem a primazia e a força política para conduzir essas prosas. Lula sabe qual o lugar de fala dele no cassino brasiliense, e não permitirá que derrotados egressos das bancas de investimentos e dos bancos tenham a ousadia de crer que o tutelam.
As análises usadas pelas instituições do mercado financeiro para justificar os caminhos que tomam ou os recados nada sutis que dão por meio de entrevistas ou notas passadas a veículos e colunas – tanto da mídia tradicional quanto a atores da mídia digital – são feitas por consultores remunerados pelas corporações financeiras. Em média, esses consultores têm entre 32 e 35 anos. Com raríssimas exceções, não assistiram sequer a forma como o Brasil reagiu à crise dos mercados internacionais em 2008.
Bolsa Memória: Na época, quando o segundo mandato de Lula ia passar à metade derradeira, descobriu-se uma fabulosa fraude no mercado imobiliário dos Estados Unidos. Hipotecas eram renegociadas entre bancos, dívidas não encontravam lastro financeiro e grandes consultorias de auditoria financeiras compactuavam com as ilegalidades que geravam rombos financeiros em balanços de gigantes do Sistema Financeiro Internacional. Sob o comando de Lula, o Brasil trilhou caminho diverso do adotado pela maioria dos países ocidentais, apostou no Estado como indutor de desenvolvimento e a contração local só não foi maio do que a verificada na China.
Inexperientes, ingênuos e ávidos por bonificações que lhes são passadas pelos financiadores que pagam para que escrevam o que desejam ouvir, os analistas de mercado são apenas correias de transmissão num circuito fechado de engrenagens movimentadas pelo poder e pelo dinheiro. Nos últimos anos, todas essas consultorias montaram escritórios em Brasília ou subcontrataram parceiros egressos de redações extintas ou de escritórios de consultoria de imagem e de comunicação. As empresas de consultoria fornecem os coletores de informações na ponta do processo e assessoram as instituições na outra ponta. Assim, quando “economistas-chefes” de bancos e de bancas falam em telejornais ou dão espaçosas entrevistas a jornais ou portais, eles o fazem para passar recados ao governo – ou, mas propriamente, ao futuro governo – fazendo eco a informações customizadas por demandas que lhes interessavam.
Lula conhece esse mecanismo, acha-o abjeto, não economizará esforços para expô-lo sem dizer diretamente que o expõe e já topou a queda de braço com ele: o “mercado financeiro” não indicará nem o ministro da Fazenda, nem o do Planejamento. Eles serão quem o presidente eleito escolher, em sintonia com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Até aqui, a dupla Fernando Haddad na Fazenda e Pérsio Arida (carta nº 1) ou Armínio Fraga (carta nº2) no Planejamento é imbatível.
Não seria surpresa para esta coluna (Ave, Zózimo Barrozo do Amaral!) se, por razões políticas vinculadas à opção de não se fazer uma Proposta de Emenda Constitucional para prorrogar e legitimar o orçamento secreto, houver um roque no tabuleiro com a Fazenda indo parar não mãos de um político de raízes liberais e de centro, como Tasso Jereissati (que poderia levar Pérsio Arida e André Lara Resende para dentro do Ministério, em cargos como Secretaria de Política Econômica e Secretaria Geral), e Haddad ficando no Ministério Planejamento.
SEM PEC: UMA POSSIBILIDADE REAL
Ministros do Supremo Tribunal Federal disseram ao presidente eleito e ao vice, Geraldo Alckmin, que o instituto esdrúxulo e corrompido do orçamento secreto deverá ser julgado até o fim de março de 2023 no plenário da Corte. A tendência concreta é de decretação de inconstitucionalidade da jabuticaba legislativa pensada por Eduardo Cunha e operada por Arthur Lira. Não faz sentido – disseram a Lula os magistrados do STF e ao menos dois ex-integrantes do Supremo e três ex-presidentes das Mesas do Senado e da Câmara – apostar tudo numa emenda constitucional que só tem utilidade para ampliar o poder de fogo de Lira. Lula e Alckmin estão quase convencidos da tese, e um caminho sem “PEC da Transição” deve surgir nas próximas horas. O senador Tasso Jereissati, do PSDB-CE, em consórcio com o senador Jaques Wagner, do PT-BA, pode ser o condutor dessa nova saída dentro do Congresso.
A insistência com a qual o deputado José Guimarães (PT-CE) debate-se a favor da PEC, associando-a a uma declaração extemporânea de voto do PT (e, por conseguinte, do PCdoB e do PV, federados desde a eleição e obrigados a caminharem juntos no legislativo até 2026) a favor da reeleição de Lira na Câmara, fez soarem alarmes dentro do partido de Lula.
Guimarães sonha em suceder a Gleisi Hoffmann na presidência da sigla quando a deputada paranaense virar ministra – ela o será, e o estatuto do PT determina que ministros entreguem cargos de direção partidária. O deputado cearense não tem o apoio do senador eleito pelo Ceará Camilo Santana, ex-governador do estado, e também deve ser rebarbado pelo governador eleito Elmano Freitas. Lula já deixou claro que o combo completo da reeleição de Lira com José Guimarães presidindo seu partido é pisado demais para a legenda. Encontrar um caminho alternativo à PEC da Transição, enfraquecendo Lira e obrigando Guimarães a fazer política para dentro do partido e não de acordo com seus interesses pessoais, é uma das prioridades de Lula nesta semana brasiliense.
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