Lula entre a negociação e a dura trilha da vida real

no estágio econômico em que estamos, Wall Street não tem nada a temer de Lula, exceto quanto à possível solidariedade dela ao indecente mercado virtual da Avenida Paulista. Em relação a isso, devemos esperar a carta de Lula que a senadora Gleisi anunciou ao povo brasileiro

O ex-presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva fala durante evento em Brasília, no Brasil 19/11/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino
O ex-presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva fala durante evento em Brasília, no Brasil 19/11/2017 REUTERS/Ueslei Marcelino (Foto: Jose Carlos de Assis)


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A afirmação da senadora Gleisi Hoffman, presidente do PT, de que Lula é um "negociador" e não deve atemorizar Wall Street obriga a um tipo de reflexão com que a sociedade brasileira não está acostumada. Estamos costumados, sim, a atacar o sistema financeiro como um instrumento de escravização do povo. Mas não estamos acostumados a refletir sobre o funcionamento específico desse instrumento, na verdade uma rede mundial de relações financeiras que penetra por todas as gretas e buracos no conjunto da sociedade.

Há um consenso generalizado entre progressistas de que é preciso reformar o sistema financeiro. Sua distorção mais significativa são as taxas de juros básicas (Selic), que remuneram os titulares da dívida pública, e as taxas de aplicação, que incidem sobre as operações de crédito para o povo. Ambas as taxas são uma forma descarada de transferir renda de pobres e remediados para ricos num processo escandaloso de escravização da sociedade brasileira. Aceitar essa arquitetura financeira é trair o povo, com ou sem negociação.

Contudo, o desafio de baixar as taxas de juros, básicas e de aplicação, é bem maior do que pensam os não especialistas. Simplesmente baixar a Selic na marra pode resultar em chantagem do mercado contra o BC, puxado pelos dealers (12 bancos e duas financeiras que partilham com o BC a gerência da política monetária). Se um novo Governo quiser forçar a redução da Selic e das taxas de aplicação terá que recorrer, como primeira providência, a uma expansão de moeda na economia, colocando-a à disposição dos bancos comerciais, sobretudo do Banco do Brasil e da Caixa.

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A desculpa que o BC tinha para não fazer isso era a inflação. Colocar mais dinheiro na economia numa situação de inflação alta significava, teoricamente, colocar mais lenha na fogueira inflacionária. O problema com essa política, traduzida em redução deliberada da quantidade de moeda na economia em face de uma ameaça de inflação monetária, é que reduz as disponibilidades de dinheiro para todos os negócios forçando uma contração na produção e no comércio, e generalizando o desemprego.

A isso se chama monetarismo, e foi a doutrina central do neoliberalismo de Milton Friedman e Hayek nos anos 80 e 90. Friedman morreu, renegou parte de sua teoria mas a notícia a respeito ainda não chegou ao BC brasileiro. Em essência, o BC não reconhece nenhum outro fator relevante de pressão inflacionária a não ser a expansão monetária. Em conseqüência, ele retrai a expansão monetária vendendo títulos públicos aos dealers, e estes aos bancos, com a desculpa de controlar a inflação. São bilhões de reais retirados do mercado para supostamente evitar a inflação.

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Diante disso, a primeira providência que teria de ser tomada para baixar as taxas de juros, quebrando a espinha da indecente arquitetura financeira brasileira, era expandir a moeda e o crédito. É curioso que os bancos repelem uma política que colocaria mais dinheiro a sua disposição para emprestar, e que lhes permitiria usufruir da chamada receita de senhoriagem. É que, no over, com a Selic, ganham muito mais. Em 1916 foram mais de 500 bilhões de reais; no ano passado, mais de 400 bilhões, estrangulando o orçamento público.

O próprio gerenciamento da dívida pública conduz a uma recorrente retração da economia forçando para cima as taxas de juros. Na medida em que faz superávit primário para pagar juros da dívida pública, o Governo está retirando dinheiro do mercado real para dar aos banqueiros. Estes não devolvem dinheiro à economia porque os receptadores dos juros não tem qualquer interesse em investimentos reais, mas apenas em continuar especulando no mercado financeiro.

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Isso implica que, na recessão, como ocorreu em outras economias que superaram crises graves, em lugar de superávit primário o Governo deveria fazer déficit primário, para dar mais dinheiro à economia do que retira dela. E se a inflação está baixa, é hora de expandir a moeda para forçar a baixa da taxa de juros, como tem feito todos os bancos centrais responsáveis em todo o mundo, da Europa à China.

E quanto a Wall Street, o que se pode dizer dela? Ora, as taxas de juros básicas e de empréstimos nos Estados Unidos são extremamente baixas. O que reclamar? Há, sim, um problema. Um mercado extremamente especulativo, volátil, empurrando toda a economia para a financeirização e crises cíclicas.

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Contudo, no estágio econômico em que estamos, Wall Street não tem nada a temer de Lula, exceto quanto à possível solidariedade dela ao indecente mercado virtual da Avenida Paulista. Em relação a isso, devemos esperar a carta de Lula que a senadora Gleisi anunciou ao povo brasileiro.

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