Lula enquadra mercado em nome do interesse público
"O que deve ser prioritário para o vitorioso nas urnas, com a economia em frangalhos: o interesse público ou privado?", questiona César Fonseca
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Por César Fonseca
Em nome do interesse público emergencial, o presidente eleito, Lula da Silva resolveu interferir na economia, para evitar o colapso financeiro à vista deixado como herança maldita por Bolsonaro e Guedes em nome do interesse privado, desnacionalizando, enfim, do mercado.
O que deve ser prioritário para o vitorioso nas urnas, com a economia em frangalhos: o interesse público ou privado?
Dois fatos relevantes aconteceram essa semana para mostrar que Lula não vai se abaixar para o mercado como quer a Faria Lima. Ele teria tido encontro reservado com o banqueiro André Esteves, presidente do BTG, intermediado pelo ex-ministro do STF, interessado nos destinos do Ministério da Fazenda, para pulsar as contradições entre o público e o privado, na hora da transição do bolsonarismo para o lulismo.
Lula vazou pelos seus aliados que não sentiu resistência da banca, em sua pretensão de indicar político para comandar economia; Fernando Haddad, candidato preferido de Lula ao cargo, não teve mandato parlamentar em sua vida pública até agora, mas exercitou, como prefeito a tarefa política de administrar São Paulo, maior metrópole brasileira e sul-americana. Não seria já pré-requisito fundamental?
Os critérios políticos reivindicados por Lula no exercício da economia, para determiná-la, a fim de dar curso a sua visão social e não meramente econômica, deverão ser seguidos por Haddad, previsível ocupante do cargo, abastardado pelo neoliberal Paulo Guedes.
ESTADO INTERVENTOR EM CENA
O outro indicador de que Lula vai tratar o mercado com visão política – ou seja, pelo viés da luta de classe – foi sua declaração de que intervirá nos fatos e decisões econômicas; destacou sua disposição, nesse sentido, ao lembrar, em coletiva, hoje, no CCBB, que o eleito por 51 milhões de votos não foi nenhum dos seus ministros, mas, sim, ele, com a tarefa de governar para todos e não para segmentos determinados.
A preocupação lulista não deixou dúvida: cuidará da população que se empobreceu, significativamente, na gestão neoliberal bolsonarista, que acumula 33 milhões de desempregados como resultado medíocre do crescimento médio do PIB inferior a 1,5% no período 2018-2022, razão pela qual o presidente capitão fascista foi derrotado nas urnas.
O Estado interventor, portanto, entra em cena com Lula 3; tal intervenção ficou explícita na segunda-feira com a decisão que tomou de encaminhar PEC da Transição que fixa em R$ 175 bilhões o volume de recursos extra-teto de gastos para sustentar programa bolsa família mais adicional de R$ 150 por cada filho até idade de 6 anos; informou, ainda, que lançará mão de mais R$ 23 bilhões correspondentes a 6,5% do total de excesso de arrecadação para realizar investimentos; garantirá, por fim, nessa fase transitória valorização do salário mínimo, reajustado pela inflação, acrescido da promessa de que o crescimento do PIB será compartilhado com a população.
POBRE NO ORÇAMENTO DA UNIÃO
A propensão lulista é a de colocar os mais pobres no orçamento, o que foi descartado, completamente, por Bolsonaro; de acordo com o neoliberalismo ortodoxo vigente, o Orçamento Geral da União(OGU), realizado, em 2011, estimado em R$ 4 trilhões, excluiu os pobres da vida econômica, depois das reformas trabalhista e previdenciária que retiraram da Constituição cidadã direitos e garantias dos trabalhadores.
Do total de R$ 4 trilhões do OGU, R$ 2 trilhões foram reservados para gastos financeiros(juros e amortização de dívida), que não dão retorno algum em forma de desenvolvimento econômico, enquanto a outra metade é distribuída irregularmente para o restante das despesas não-financeiras que geram renda disponível para o consumo; eis porque o PIB, com Bolsonaro-Guedes, afetado pelo subconsumismo e sobreacumulação de capital, não cresceu, sustentavelmente; faturou, tão somente, o mercado financeiro com sua ortodoxia de considerar gasto fiscal, candidato aos cortes, o que é investimento – educação, saúde, infraestrutura, segurança etc.
Por que dos R$ 2 trilhões pagos em juros e amortizações da dívida não se usa uma parte – quem sabe 30% - para fazer a política social, sem afetar o mercado financeiro, já excessivamente privilegiado, especialmente, durante a pandemia?
Nesse período, mais de R$ 3 bilhões do tesouro foram canalizados para os bancos irrigarem comércio, indústria, serviços etc, afetados pelo desemprego, queda da demanda e endividamento crônico das famílias; em vez de emprestarem o dinheiro público a eles, conforme legislação extraordinária aprovada no Congresso para enfrentar pandemia, os bancos desviaram os recursos para comprarem títulos da dívida pública, elevando esse passivo, acrescido de juros crescentes; vale dizer, o mercado financeiro especulativo se transformou na maior fonte do déficit ao bombear o endividamento público no processo viciado de sua refinanceirização.
REFINANCEIRIZAÇÃO = DÉFICIT QUE INVIABILIZA GOVERNABILIDADE
Lula 3 pega o mercado financeiro viciado em juros, porque sua lucratividade deixou de ser realizada pela demanda efetiva afetada pela pandemia e pela insuficiência de consumo que já ocorria antes da emergência do coronavírus; o estrago provocado pelo receituário neoliberal de Paulo Guedes alcançou nível estratosférico com a determinação de Bolsonaro gastar bem acima do teto fiscal para tentar ganhar eleição; agora, derrotado e sem recursos orçamentários, corta, adicionalmente, as disponibilidades financeiras dos setores não-financeiros(saúde e educação, principalmente); não pode, dessa forma, cumprir compromissos financeiros.
A missão de Haddad, na Fazenda, será, sobretudo, renegociar juros e dívida pública, junto com a dívida acumulada da população que acelera o subconsumismo.
Nesse contexto, pode-se afirmar que a disposição de Lula de interferir na economia guarda relação direta com a necessidade de o país escapar da armadilha da dívida, impossível de ser suportada pela política econômica neoliberal desnacionalizante; a interferência de Lula na economia inicia-se antes da posse, mediante negociação com os poderes legislativo, para garantir verba extra para cobertura das despesas sociais, e judiciário, para considerar legal tal interferência em nome do interesse público.
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