Lula e o Sul Global
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Assisti entrevista do correspondente internacional Pepe Escobar, que afirmou na TV 247 que o ex-presidente Lula será o grande líder do Sul Global, caso consiga confirmar seu favoritismo e se eleger novamente presidente da República. Afirmou que "Lula é o único dirigente do Sul Global que tem um perfil de líder aceito por todos", e que a própria trajetória heroica de Lula, que ficou preso durante 580 dias, fortaleceu sua liderança internacional. "A prisão, na cultura asiática, é vista como um rito de passagem para a sabedoria. E a prisão de Lula foi isso".Após a entrevista me perguntei: um dia seremos um país desenvolvido, um país soberano ou estamos condenados à periferia e à dependência? Não é exatamente fácil responder à questão, mas podemos refletir sobre ela. Para tal reflexão vou recorrer a duas ideias: a “Teoria da Dependência” e o conceito de “Sul Global” citado por Pepe.A primeira ideia, consiste em uma leitura crítica dos processos de reprodução do subdesenvolvimento nos países que estão na periferia do capitalismo mundial e procurou contrapor-se às posições marxistas dogmáticas dos partidos comunistas e à visão estabelecida pela CEPAL. Ela afirma que os países “atrasados" são aqueles que mantem uma relação de dependência e subordinação aos interesses dos países "centrais" do capitalismo mundial.
Para a teoria a dependência e subordinação dos países periféricos, aos interesses dos países "centrais", hoje chamados “em desenvolvimento”, tornaria limitado o seu desenvolvimento.
Falando do Brasil. Pela “Teoria da Dependência” o nosso desenvolvimento jamais ocorrerá pela nossa condição agrário-exportadora, mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista do país e por sua inserção no capitalismo mundial. Portanto, a teoria conclui, que a nossa superação ao subdesenvolvimento passaria pela necessária ruptura sistêmica com a dependência e não pela modernização e industrialização da economia.A bem da verdade, Fernando Henrique Cardoso diverge dos demais intelectuais, pois, ele nega que a dependência implica, necessariamente, em estagnação econômica e subdesenvolvimento, ele também discorda que a ruptura sistêmica seria a única via possível para a industrialização de países que já foram denominados de “terceiro mundo”, “subdesenvolvidos” e “em desenvolvimento”, que hoje podem ser denominados de Sul Global. A segunda ideia, Sul Global, um termo utilizado em estudos pós-coloniais e transnacionais que pode referir-se tanto ao terceiro mundo, como ao conjunto de países em desenvolvimento, além de incluir as regiões mais pobres de países ricos. Sul Global é um termo que amplifica o conceito de país em via de desenvolvimento. O desenvolvimento do Sul Global passa pela: geração de empregos; por recuperar e modernizar a infraestrutura; desenvolvimento e meio ambiente; ciência tecnologia e inovação; investimento maciço em educação; aprimorar o SUS; combater os crimes com inteligência policial e proteção aos jovens; olhar a cultura como afirmação da identidade nacional; respeitar todos os brasileiros; combater a corrupção e defender a soberania nacional, a defesa e as relações exteriores.
Parece obvio tudo isso, mas não é.
No Brasil, por exemplo, temos um governo, em busca de reeleição, com forte apoio popular, que: (i) reduziu 87% da verba do Ministério da Ciência e Tecnologia, pegando de surpresa os milhares de pesquisadores que contavam com os recursos para continuar estudos nas mais diversas áreas; (ii) retirou 3,2 bilhões de reais do orçamento do Ministério da Educação em maio desse ano; (iii) reduziu 20% do orçamento do Ministério da Saúde em fevereiro desse ano; (iv) reduziu investimento em infraestrutura (hoje temos melhor investimento em infraestrutura desde 1947), considerado um indutor do investimento privado; (v) reduziu 80% da verba para a cultura em 2021; (vi) reduziu verbas para preservação do meio ambiente e (vii) liberou parte significativa do orçamento para o Congresso (orçamento secreto).
Mas, independentemente da tragédia que significaria a reeleição de Bolsonaro, podemos perguntar se o Brasil conseguirá vencer a tristeza do subdesenvolvimento sozinho? E, qual o caminho para os países que vivem na periferia do capitalismo mundial conquistarem padrões de desenvolvimento que signifiquem prosperidade econômica e social sustentáveis?
São questões centrais na temática da colonialidade, pós-colonialismo e soberania.
É urgente aprofundarmos a discussão sobre a colonialidade do saber e o pensamento abissal que emergem da experiência colonial moderna e de sua lógica que dividiu o mundo em zonas metropolitanas e coloniais, civilizadas e incivis, relevantes e irrelevantes.
A atual crise global e a hegemonia continuada dos padrões econômicos, sociais, culturais e políticos que conduziram o mundo a este momento histórico têm sustentado um discurso de ausência de alternativas, frequentemente envolto numa espécie de “pessimismo conformado”, como escreveram Boaventura de Sousa Santos, Sara Araújo e Maíra Baumgarten no “As Epistemologias do Sul num mundo fora do mapa”. Mas há alternativas.As Epistemologias do Sul, que a meu juízo o termo Sul Global sintetiza, são uma proposta de expansão da imaginação política para lá da exaustão intelectual e política do Norte global, traduzida na incapacidade de enfrentar os desafios deste século, que ampliam as possibilidades de repensar o mundo a partir de saberes e práticas do Sul Global e desenham novos mapas onde cabe o que foi excluído por uma história de epistemicídio.O conceito de Sul é uma metáfora do sofrimento humano causado pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado, é resistência a essas formas de opressão, e na dor e na luta, desigualmente distribuídas pelo mundo, cabem uma multiplicidade de conhecimentos invisibilizados e desperdiçados pela modernidade. Penso que nós do “Sul Global” precisamos de uma comunidade internacional pós-colonial que avance nos objetivos da igualdade, liberdade, fraternidade e mutualidade, na forma de um novo ethos de poder e subjetividade através da política externa, solidariedade internacional, responsabilidade consigo e com os outros, em uma ordem internacional livre dos legados institucionais do colonialismo, tão caro àqueles que enriqueceram ao longo de séculos valendo-se dessa lógica.
Precisamos de uma nova perspectiva governamental e intergovernamental.
Quase conseguimos. A primeira década do século XXI testemunhou os poderes emergentes de países como o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e seu agrupamento em torno dos “BRICS”.
A América Latina vivenciou o que ficou conhecido como “onda rosa”, devido às eleições democráticas de lideranças à esquerda em vários países. Em um contexto mais amplo, a cooperação Sul-Sul foi estimulada como um novo paradigma de desenvolvimento proposto pela Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas “Forging a Global South”, publicado em 2003.A cooperação Sul-Sul tem sido um conceito chave e um conjunto de práticas em busca dessas mudanças históricas através de uma visão de benefício mútuo e solidariedade entre os menos favorecidos do sistema internacional.
O limite e a transformação provocado por este novo arranjo é claro: o Sul teve que buscar desenvolvimento na economia capitalista global. Isso também significou uma mudança importante no conteúdo do desenvolvimento, distante de uma ênfase do desenvolvimento como nacional ou o desenvolvimento de toda a nação.
Mas, em razão dos “superpoderes” da agenda capitalista neoliberal global, a cooperação Sul-Sul tem um potencial limitado quanto à possibilidade de desvinculação ou de descolonização da ordem internacional pós-colonial. Como escreveu Luciana Ballestrin: “O Sul Global é um projeto político permanentemente em disputa por forças progressistas e regressivas da sociedade internacional multipolar. Atualmente, ele possui muitos desafios para permanecer como projeto político indispensável em direção a um mundo mais justo e igual. A retração das democracias junto ao ressurgimento do fascismo, a pandemia e a percepção das consequências do Antropoceno estão modificando rapidamente a já frágil ordem internacional forjada pós-1989. A reconstrução da ideia de humanidade, a continuidade dos projetos de descolonização, a retomada da democracia e o enfrentamento do neoliberalismo são tarefas profundas, urgentes e desafiadoras para o Sul(s)”.
Essas são as reflexões.
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