Lula é o pano de fundo da 'operação Jucá' para estancar impeachment

"O impeachment criaria o risco de pulverização do principal ativo eleitoral que o establishment possui hoje para enfrentar Lula: os cerca de 20% de intenção de votos do Bolsonaro – que, como dito, é superior à soma de todos demais candidatos anti-Lula", analisa o colunista Jeferson Miola

Manifestações contra Bolsonaro e Lula
Manifestações contra Bolsonaro e Lula (Foto: Jornalistas Livres | Jonas Souza / João Ramos)


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Por Jeferson Miola                                      

1.

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É razoável aventar-se a possibilidade de Lula ter sido o fator gerador da “operação Jucá” deflagrada pelas classes dominantes e seu bando armado para blindar Bolsonaro.

Lula funciona como uma assombração para os poderosos. Ele é a principal ameaça à continuidade do empreendimento de saqueio do Brasil inaugurado com o golpe contra Dilma.

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O establishment, incapaz de vencer Lula dentro das regras da democracia, não abdica nem mesmo da pior das vilanias, que é a destruição da própria democracia, para impedir o retorno dele à presidência da República.

2.

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A carta do Bolsonaro é um ajuste tático para conter o risco de impeachment que cresceu com os atos terroristas perpetrados pelo governo militar – e não só por Bolsonaro – contra o Estado de Direito.

Os generais que comandam o poder não foram meros coadjuvantes; estavam no palanque eleitoral do 7 de setembro operando e afiançando o atentado à democracia.

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É frágil a versão de que a carta significa recuo do Bolsonaro. Não houve retratação, retirada dos ataques ou a impensável “conversão” dele à legalidade. Aliás, bárbaros bolsonaristas motorizados continuam em Brasília reivindicando não a redução do preço do combustível e da inflação, mas a destituição dos ministros do STF, que foi a agenda central do 7 de setembro.

3.

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Do mesmo modo que um tigre nunca pode deixar de ser tigre porque não pode “destigrar-se” [Ortega y Gasset], Bolsonaro também nunca deixará de ser o facínora fascista que é, assim como não deixará de contracenar no palco político como uma peça da engrenagem militar.

Na live de 5ª feira [9/9] Bolsonaro pediu “um tempinho” [sic] aos apoiadores que esbravejam decepcionados nas redes sociais e querem amplificar o conflito: “Calma, amanhã a gente fala, deixa acalmar um pouquinho”. O retorno à “normalidade”, ou seja, o retorno à rotina de ataques às instituições é, portanto, questão de tempo; recomeça depois que “acalmar um pouquinho”.

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4.

No 7 de setembro Bolsonaro foi certeiro. Ele conseguiu ferir gravemente a democracia. A ferida ainda está em carne-viva e o “organismo” da democracia ficou mais debilitado e ainda mais indefeso para aguentar novas investidas de que será alvo.

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Bolsonaro não esconde o sentimento de missão cumprida e a convicção de que a batalha antidemocrática foi vitoriosa: “Tenho certeza que bons frutos aparecerão nos próximos dias”, afirmou.

5.

O dano à Constituição, bastante profundo, está feito; já produziu abalo irreversível à saúde e à integridade do pouco que ainda resta de democracia no Brasil.

Como Bolsonaro não foi e, tudo indica, não será punido no Congresso e tampouco no STF pelo crime cometido, após “um tempinho” ele estará forjando novas oportunidades; estará testando novas “aproximações sucessivas”, como receita o general Mourão, para violar outras vezes a democracia até conseguir finalmente nocauteá-la, que é o plano real.

6.

O sentimento de urgência do impeachment que se fortaleceu enormemente no 7 de setembro foi, contudo, rapidamente esvaziado depois da divulgação da carta.

A “operação Jucá” conduzida por Temer naquele que parece ter sido um acordo “com o Supremo, com tudo”, aliviou a pressão política sobre Bolsonaro e diminuiu a potência e a pressão do impeachment [parêntesis: não se tem conhecimento de twitter nos moldes daquele do Villas Bôas em abril de 2018, o que não significa, contudo, que não possa ter havido intimidação do Supremo de novo].

Momentaneamente, portanto, aumentaram as chances de Bolsonaro se manter no cargo mesmo aos solavancos e conspirando contra a ordem constitucional.

7.

Se, para as classes dominantes, continuar com Bolsonaro é ruim, pior ainda seria descartá-lo logo, enquanto ainda não encontram alternativa viável para enfrentar Lula em 2022.

A chamada 3ª via, que abarca o espectro ideológico que vai da centro-direita à extrema-direita [bolsonarista, não-bolsonarista ou ex-bolsonarista], não conseguiu fabricar nenhuma candidatura competitiva para enfrentar Lula.

Pesquisas mostram, inclusive, que a soma da intenção de votos de todos os candidatos de proveta é menor que a intenção de votos no Bolsonaro.

A despeito do desastre absoluto, da corrupção, da incompetência e da perda de popularidade do governo militar, Bolsonaro ainda é o candidato anti-Lula mais competitivo, e “dono” de um contingente de apoiadores cativos.

8.

O processo do impeachment abriria espaço para o protagonismo central da esquerda e precipitaria o debate eleitoral sobre a reconstrução da democracia e a salvação do país do precipício em que as oligarquias o jogaram.

Por outro lado, o impeachment criaria o risco de pulverização do principal ativo eleitoral que o establishment possui hoje para enfrentar Lula: os cerca de 20% de intenção de votos do Bolsonaro – que, como dito, é superior à soma de todos demais candidatos anti-Lula.

Se este cenário perdurar, em 2022 as oligarquias dominantes poderão se colocar outra vez diante da infâmia de ter de fazer “uma escolha muito difícil”. E, numa reprise de 2018, não hesitarão em se abraçar outra vez à barbárie fascista.

Isso, claro, na hipótese de não cancelarem a eleição, na hipótese de não armarem alguma farsa para tornarem Lula inelegível ou, ainda, na hipótese de não ocorrer a morte “acidental” do Lula.

O impeachment do Bolsonaro é uma urgência civilizatória e requisito fundamental para o processo de reconstrução da democracia e reconstrução nacional. O impeachment só será realidade, entretanto, se as ruas do país forem ocupadas por dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras em luta e resistência.

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