Lula e as mulheres

"Segundo Lula, a construção do país passa pelas mulheres e ele sempre soube disso", escreve Marcia Tiburi

(Foto: Reprodução)


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O que faremos diante da informação de que Lula venceria no primeiro turno com o voto feminino?

1. Segundo a edição de março da agência de pesquisa Genial/Quaest divulgada no dia 16 https://lp.genialinvestimentos.com.br/nas-eleicoes2022/ o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceria no primeiro turno se as eleições fossem hoje e se dependesse apenas do voto das mulheres.

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2. Segundo a pesquisa, Lula tem hoje 48% das intenções de voto feminino para o primeiro turno. A intenção de voto em Jair Bolsonaro das mulheres que participaram da pesquisa é de apenas 20%.

3. Evidentemente, uma pesquisa é sempre complexa e envolve variáveis e interpretações, mas nesse caso é mais do que cristalino que as mulheres são um fator que se apresenta como decisivo nas eleições de 2022. 

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4. Porém, como a política é um campo patriarcal e machista (lembremos que o Brasil ocupa o 142° dentre 192 países no ranking sobre participação das mulheres na política), é tão fácil negligenciar o papel das mulheres como candidatas e como eleitas, quanto como eleitoras, pelo simples fato de que o caráter patriarcal da política não costuma incluir essa “desimportância” naturalizada no cálculo do poder.

5. Fácil desprezar o fator mulheres e é provavelmente o que será feito. Contudo, se ele for negligenciado agora, estará perdida a bela chance de avançar no processo rumo à retomada da democracia. 

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6. Para que servem as pesquisas é uma pergunta que nos ajuda nesse momento. Ora, pesquisas servem para orientar campanhas. Que campanha deve ser feita considerando que Lula vence entre as mulheres e já no primeiro turno?

7. Se escrevêssemos por diversão e não por necessidade da causa, essa colunista seria tentada a dizer que se Lula pode vencer no primeiro turno com o voto feminino, bastaria que, em outubro de 2022, as mulheres se dirigissem às urnas e os homens se abstivessem. A estratégia seria encontrar caminhos para impedir que maridos, pais e filhos saíssem de casa no dia do voto, os homens democráticos também poderiam ajudar convencendo seus (provavelmente não poucos) amigos e conhecidos autoritários e desistirem de votar. Mas como política é uma coisa séria, apesar da bufonaria da farsa experimentada coletivamente desde o Golpe de 2016 (implantado em 2013, temos que reconhecer), precisamos aprofundar a análise na teoria para orientar a prática. 

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8. Lula vence entre as mulheres porque elas simpatizam com as políticas do PT. Segundo o próprio Lula, a construção do país passa pelas mulheres e ele sempre soube disso. Por isso, programas importantíssimos dos governos do PT, tais como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida tinham nas mulheres suas principais titulares. Além disso, apesar da cultura patriarcal, as mulheres sempre tiveram espaço no PT. Que Dilma Rousseff tenha sido a primeira mulher a ser presidente do país, é um fato notável e só foi possível porque ela é um quadro do PT, partido que, apesar de tantas limitações próprias a uma cultura política patriarcal, vem tentando mudar esse paradigma internamente ao buscar a paridade de gênero há algum tempo.

9. A demanda por paridade de gênero do próprio partido faz parte das políticas voltadas às mulheres. O partido sabe que sem as mulheres não há presente e nem futuro para ele mesmo e para o país. Dilma mesmo, sobretudo a partir do golpe, teve ao seu lado as feministas e é bom lembrar que a coragem de apoiar uma pessoa que é transformada em pária política é uma atitude de nobreza da alma que não é habitual no cenário político dos jogos de poder patriarcais. No contexto da misoginia generalizada, Lula sempre teve a dignidade de se manifestar a favor de Dilma como candidata, como presidenta e como mulher política injustiçada. 

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10. Em termos concretos, o resultado dessa pesquisa expõe algumas evidências culturais: o bolsonarismo imprime na cultura política o clima do machismo tóxico. Já Lula e seu discurso amoroso implica uma cultura política do cuidado, ou seja, uma cultura dos valores da família (entendida como coletivo voltado à criação sustentável e amorosa), dos valores do mundo feminino, tais como maternidade, acolhimento, atenção, proteção, segurança e não violência. Tudo o que não interessa ao fascismo e que, em 2018 foi um projeto vencido pela brutalidade, pela indignidade e pela violência política de gênero. O modo de conduzir a crise sanitária que culminou na matança de mais de 650 mil pessoas pelo COVID-19 foi típico de uma operação eugenista e, como tal, fascista, mas também, da atitude típica do homem agressivo, egoísta e irresponsável que abandona a casa, mulher e filhos, ou que, no limite, mata a sua mulher ou companheira sem nenhum respeito pela vida. O governo de Bolsonaro não aplicou um terço dos recursos aprovados para combate à violência doméstica desde 2019. A violência doméstica e ate mesmo os índices de feminicidio tem aumentado em seu governo, assim como o índice da morte violenta em geral.

11. A política dos homens constrói-se sobre interesses egoístas e muito narcisismo. 

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12. Na prática, o bolsonarismo sempre investiu nos valores deletérios do machismo: violência física e psíquica, armamentos, tortura, grosseria, anti-direito, irresponsabilidade e imbecilidade em geral. O bolsonarismo venceu apostando no que há de mais primitivo e arcaico na história humana. Certos candidatos oportunistas em política como ex-juízes, ou eternos fracassados (como coronéis com poucos votos e muito narcisismo), perceberam que o machismo pode dar certo – como aconteceu em 2018 – e continuam apostando na tática do que denominei em artigo recente de machismo publicitário, o machismo espetacular para os fins de chamar a atenção e angariar likes e votos (e fundos também, a depender da complexidade dos interesses do político, desde grandes desvios até “rachadinhas”, a corrupção faz parte da cultura política machista). 

13. Que Lula possa vencer já no primeiro turno com o voto das mulheres significa também que a crise da democracia deve ser analisada como crise da democracia machista que alguns chamam de democracia burguesa, com intenção de disfarçar o problema.

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14. No contexto da campanha, seria importante para Lula conseguir sair da sua bolha feminina e falar com os homens que seguem hipnotizados e identificados com o líder autoritário. 

15. Seria Lula e o PT capazes de intensificar seu projeto pró-mulheres? 

16. O erro do movimento de 2018 chamado “Ele Não” fica mais evidente agora: ter sido não-partidário. Se as mulheres tivessem um partido feminista, ou se, pelo menos, tivessem apostado em um candidato em 2018, tipos como Bolsonaro não avançariam entre nós. 

17. Falta um partido feminista para as mulheres brasileiras que já são em sua grande maioria feministas. Em tempo, corrigiremos esse erro.

18. Um aspecto ainda para pensar: dois parâmetros culturais da política estão em jogo no Brasil e subterrâneos nessa pesquisa: o ódio típico da masculinidade tóxica e o pragmatismo afetuoso das mulheres com seus sonhos de uma mundo melhor, de uma família feliz, de respeito ao outro e à natureza. 

19. Enquanto isso, aqueles que não tem medo de perguntas provocativas podem ir pensando se os homens machistas – anti-paritários e machistas publicitários – não estarão atrapalhando a democracia? 

20. Perguntemos ainda: o que os homens estão fazendo pela democracia? Quando farão a autocritica de suas posições machistas e privilegiadas no campo político? 

21. Quem diria que a questão de gênero, odiada pela canalhada dos extremismos machistas, seria tão definitiva em política para vencer o fascismo, não é mesmo? Por isso, lanço um apelo para que os homens saiam da postura infantil, não se sintam ofendidos, e respondam com autocritica e sem falácias aos questionamentos sobre seu lugar na política para que possamos avançar no debate. 

A pesquisa Quaest citada foi realizada presencialmente e ouviu 2 mil pessoas entre os dias 10 e 13 de março. O levantamento foi registrado nos sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pode ser encontrado pelo número de identificação: BR-06693/2022. O nível de confiança é de 95% e a margem de erro é de cerca de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

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